Odi profanum vulgus et arceo

30/03/07

Gerador de verdades



No sítio The People's Cube, onde se procede a actividades generalistas em prol dos povos de todo o mundo, existe um mecanismo inovador e muito útil que permite gerar automaticamente todas e quaisquer verdades que se pretendam.

Quando a gente tem dúvidas sobre qualquer assunto, e estando em ânsias por saber o que pensar a respeito, por exemplo, dos professores, então não tem problema nenhum: é ir lá, meter "teacher" na caixinha dos inimigos de classe, dar ao botão e pronto, aí vem a resposta:

"Teacher, you are a clean-shaven tool of the capitalist class because you watch Fox News regularly!"

Tudo clarinho como água. E, evidentemente, o que vale para professores vale para todos os outros inimigos de classe, os "chuis" ("cops, you are a flat-earth believing tool of the capitalist class because you think that America is overtaxed!"), os capitalistas, os trabalhadores (!), as amas de criancinhas ("baby-sitter, you are an immigrant-bashing strict constructionist because you don't root for Cuba!"), as próprias criancinhas, coitadinhas, e até mesmo os cães e os gatos (a sério, fui conferir, os cães e os gatos são inimigos do povo).

Esta maravilhosa engenhoca não falha uma, posso afiançar. Desde a propagação da fé no aquecimento global à invasão do Iraque e aos amanhãs que cantam Allah-U-Akhbar Lá-lá u-lá-lá; a máquina da verdade (Pravda, no original) gera sentenças aleatórias progressistas, sempre certas e exactas, na sequência aliás da tradição infalível do socialismo científico. É bestial, aquela merda, espécie de novo electrodoméstico essencial em cada lar feliz e na cabecinha pensadora de qualquer esquerdista que se preze.

É que não falta nada ali, nadinha mesmo. Até tem uma secção, tanto ou mais útil ainda do que as outras, intitulada "Uma verdade por dia", onde qualquer pessoa menos esclarecida pode tomar sua dose diária de esquerdismo militante, esse maldito vício a que ninguém escapa.

Caralhosmafodam se isto não é serviço público. De facto, como eles próprios dizem, os geniais inventores do esclarecimento electrónico, num dos seus lemas, "cem anos de falhanço total, o que é isso?"

Bem estávamos todos precisados de algo assim, uma maquineta tecnologicamente evoluída, sem nada a ver com a cassete do Cunhal, a grosseria da Odete ou as paneleirices do Louçã. Foda-se, agora é que é: entram dúvidas e perplexidades por um lado, sai um ticketzinho com a resposta pelo outro. Maravilha das maravilhas, reconheçamos reconhecidos.


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25/03/07

Quatro batatas


Quatre patates
Vier kartoffeln
Four potatoes
Quattro Patati (Patatá?)
Cuatro patatas
VIER AARDAPPEL!

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21/03/07

Coisas que me emocionam profundamente

Ouvir, na televisão, um oficial da Armada portuguesa elucubrando sobre a "praia-mar". A cada novo "praia-mar" do sr. oficial, confesso, até me vêm as lágrimas aos olhos, tal é a emoção.

Ver, na televisão, o Emanuel aos pulinhos por ter ganho o "festival da canção" com a maior pimbalhada de todos os tempos. Parte-se-me o coração, de tão comovido.

Ler, nos jornais, a preocupação pressurosa (e um pouco sebosa, convenhamos) da nossa classe jornalística, a propósito da saúde periclitante de Jerónimo de Sousa, esse excelente dinossauro. Com merdas assim, eu cá é logo baba e ranho.

Ouvir e ver, em tudo quanto é lado, nosso Primeiro a dar uma de gajo porreiro e muito preocupado com a bendita saúdinha. Lembra-me logo aquela coisa altamente bichona do "work-out" e pronto, quedo-me assim, ó.

Ver, pues que en la pantalla, a Odete Santos declamando umas cenas, com um salero do caralho, tipo perna aberta e assim. Ah, a poesia, a poesia! O respectivo dia mundial que hoje passa, e tal, ah, ah.

Ouvir, no andar de cima, a puta da velha a arrastar móveis, enquanto arruma a casa pela duocentésima milésima vez. Com essa merda, fico tão emocionado que até amarinho pelas paredes.

Ler, numas coisas que têm capa e folhas, a ver se não me esqueço, o paleio de chacha do ALA. Imagino-o lá pelas suécias, à espera do prémio, coitadinho, com aquele frio de um caralhoqueofoda.

Ouvir, à nossa juventude, essa puta dessa espécie de candidatos ao genocídio, falando o seu dialecto preferido, mescla de mau Português e de péssimo Inglês. Aquilo é de arrumar qualquer um, de tão espiritual e cretino. Ya, chuif.

Saber, de fonte segura, que Portugal há-de continuar a ser o país mais atrasado da Europa, mas com o povo mais contentinho da vida que existe no mundo. É que nem os brasileiros nos batem nessa, chiça.

Ouvir e ler altos espingardanços contra a licença de isqueiro do Salazar e agora ter de ir tirar uma licença para dar banho à minhoca, vulgo pescar. Com a mais profunda emoção o digo: vão prá puta que vos pariu!

Assistir, com cerveja e tremoços, à peixeirada que vai pelo Largo do Caldas, na sede do CDS (Casa Da Sogra ou Centro Das Sopeiras?). Aquela Senhora, a Mizé, a que é linda de morrer, o que diabo andará por ali a fazer?

Ter tomado conhecimento, pelas vias competentes, de que Gabriel Alves foi despedido a chuto da RTP. Caralho! Finalmente! Aleluia! Ai, que ainda me dá uma coisa. Ah, ah, ah, ah. Aguenta, coração!

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17/03/07

Colecção Séries a Sério. Genéricos fora das farmácias (II)


Uma bela porcaria, para quem (re)vê aquilo com olhos de hoje. O coitado do canguru (que, por acaso, não era um, mas vários) lá tinha de contracenar com seres humanos muito estúpidos e canastrões, principalmente os "actores" centrais, pai e filho, aos quais bem se poderia aplicar a máxima "tal um, tal outro". Pobre animal.


http://www.youtube.com/watch?v=m_wFEB4Oxlo
Love Boat ("u barcku du amôare")

A maior cagada alguma vez exibida em televisão. Mas enfim, o que se há-de fazer, foi uma série que toda a gente viu e, portanto, um clássico. Inesquecível, de facto, aquele mundo de americanos todos muito bonzinhos em viagem por esse mundo cruel fora. Ainda não havia fundamentalismos islâmicos, ah, bons tempos, era só uns nativos que falavam invariavelmente espanhol, e assim. Excelente para ver aos Domingos, típico dia de ressaca: quando começava o episódio, aguentava-se uns minutinhos e o resultado era garantido: uma gajo disparava a correr para a casa-de-banho, e aí despejava com tremendo alívio doses industriais de vomitado. Era uma bela terapia para a "bisícula".


Depois da saga do Padrinho (I, II, III, IV), esta série foi a melhor coisa que se fez dentro do género; género mafioso, quero dizer. As cenas do velho Tony com a psiquiatra são, verdadeiramente, de partir a moca a rir. O gajo era o boss dos mafiosos, matava gente enquanto palitava os dentes mas, coitadinho, tinha uns problemazitos com a sua consciência.
_ "Do you think you're a happy person?" - pergunta a doutora.
_ "Am I happy?" - responde ele, completamente no gozo.
Impagável.


Bom, esta é só a melhor série de sempre, se houvesse um concurso tipo festival da canção para o efeito vídeo. Aquela ruiva, espantosa, lindíssima, mais a sua lindíssima, espantosa mãe; o irmão mais velho, o mais normal de todos eles, o que morre de morte gloriosa - pifou depois de uma queca à traição; o outro irmão, bicha até à raiz dos cabelos, mai-lo seu negro que "ninguém diria" pegasse de empurrão. E depois aquela gente que gravitava por ali, o pai fantasma, o pai substituto, a completamente maluca mulher do irmão mais velho, o "hispânico" que amanhava os cadáveres com maestria e empenho (aquela de "tamponar" os mortos, foi onde aprendi), enfim, uma galeria de personagens e peras, como se costuma dizer. Estragaram tudo com o último episódio, mas pronto, são americanos.


Palavras para quê? É um artista americano e só usa pasta medicinal Couto, que lhe permite ter gengivas fortes e saudáveis. Quem já viu uns 10 episódios da série, já viu todos mas, ainda assim, não deixa de ser uma coisa muito bem esgalhada. Os médicos a sério é que se devem fartar de rir com aquilo tudo. Tomemos como exemplo o que se passa quando alguma coisa "de computadores" ou "de informática" entra em qualquer produção americana: é tudo barrete, de fio a pavio; os ianques julgam que o espectador médio é burro que nem um penedo (e é), de maneira que nem se ralam a contratar alguém que saiba alguma coisa seja do que for. É meia-bola e força. De maneira que, repito, este Dr. House deve estar cheio de tangas, mas enfim, a gente engole aquela merda toda só pela pinta de mal encarado da personagem.




Um apelo, ó: alguém sabe onde é que estão os genéricos das duas melhores séries alguma vez feitas em Português? Falo, evidentemente, de "Bocage" e de "Alves dos Reis". Qualquer coisinha, é usar o e-mail. Gracias.

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15/03/07

Seria um prazer esquecerem-se do teu nome



Claro, sem qualquer rebuço o declaro, não gramo este gajo nem um bocadinho. Não é lá pelo arzinho enfastiado que o tipo arvora, com aquela maneira irritante de exalar o mais profundo desprezo pelo comum dos mortais, em todos os gestos e atitudes; nada disso; quero bem que se foda a pinta de espertinho do bacano, a sua pose de "grand seigneur" das artes, ou da p. que o p. Também não me rala nada que sua excelência fale - quando se digna falar às massas - com a mais superlativa das caganças existentes à face da Terra; é natural, este caramelo é portador de uma síndroma não tão rara quanto isso, mas que na sua pessoa condensa todo o poder de verdadeira patologia, a SPA (síndroma das peneiras agudas).

Foi portanto a esta patologia articulada, e não propriamente ao seu portador e máximo expoente, que foi hoje atribuído mais um premiozito de 20.000 contos por, diz-se no respectivo despacho de pronúncia, caracterizar-se aquela doença pel' "a maestria em lidar com a língua portuguesa, aliada à maestria em descortinar os recessos mais inconfessáveis dos homens, transformando num exemplo de autor lúcido e crítico da realidade literária."

Quer-se dizer: uma maestria, mais outra maestria, soma duas maestrias. Pronto, nesse caso, toma lá vinte milhas e cumprimentos à esposa.

A folha de jornal em que esta coisa espantosa vem embrulhada é um extraordinário exemplo da admiração pacóvia do portuguesito analfabeto por semelhante canastrão, imberbe escrevinhador de anagramas, aldrabão especializado em rabiscos, enfim, esse pobre tonto com o qual me arrisco a gastar todo o meu arsenal de impropérios, em não poupando uns quantos para mais tarde.

E o que me move, afinal, contra tal personagem, hem? Pois é, diz lá, ó Xiramaneco, hã, quem te julgas tu para estar práqui a cagar sentenças contra tão ilustre e premiada cachola?

Ora vamos cá ver. Nada. Não tenho nada contra. Repito: quero bem que o homenzinho se foda, e que seja muito feliz, na companhia dos seus. Mas, foda-se, ó gente incauta de uma cana, então mas não se está mesmo a ver que este gajo é um perigo? Hem? Que me dizeis? Não é? Não tarda nada, lá irá ele de novo para Estocolmo, para a Pensão do costume, até já deve ter uma chapa com o nome na porta do quarto, e pronto, a ver se é desta que pinga o nobelzinho da ordem. Mas não se está mesmo a ver? Agora, com este empurrão institucional no bolso, se calhar ainda lhe dão o diploma e a medalhinha, porra, porra, porra, longe vá o agoiro.

Não é como Português que me envergonharia tal merda, ver este patrício na galeria dos laureados; que se lixe, não é por aí, pois que já bem sabemos que o Nobel da Literatura foi por diversas vezes atribuído a escritores menores, isso é seguro e não aborrece ninguém. O problema reside, aqui para o abaixo não assinado, no facto indesmentível de esta figura em particular não ter nunca escrito fosse o que fosse de jeito, em toda a sua vida, não podendo por isso ser considerado como "escritor", nem maior nem menor. Atribuir-lhe a maior distinção - neste ramo de produção - a nível mundial, seria, a acontecer, um verdadeiro absurdo, uma tragédia de proporções épicas, uma bronca de todo o tamanho. Imagine-se que, um dia mais tarde, daqui a uma ou duas gerações, por exemplo, algum fulano lá do frio nórdico lhe dá para abrir um dos livros do dito cujo. Vai ser um escândalo do caralho! Não custa nada imaginar o tal fulano a entrar espavorido pelos aposentos reais (adentro), lívido, balbuciando num sueco muito pouco habituado a confusões:

_ Alteza, Vossa Majestade perdoará a intromissão... mas... mas... nós, em 2007, entregámos o Prémio Nobel a... como direi... Vossa Alteza sabe... enfim... (como é que hei-de dizer esta merda, bálhamedeus) a um... a alguém que... bom, cá vai: o homem, este Português aqui, este António Não Sei Das Quantas não batia bem da bola. Aí tem Vossa Alteza. Majestade. Sir. Li umas coisas dele, ao princípio nem queria acreditar, peguei num livro, depois noutro, depois outro, folheei não sei quantos, e é isto: não tem ponta por que se lhe pegue, se me permite Vossa Alteza a expressão; aquilo é tudo nhó-nhó-nhó, palavras a esmo, uma pepineira sem qualquer sentido; alguém fez... hum... "coisa" da grossa, lá na academia daqueles tempos, deram-lhe o prémio mas ninguém se deu ao trabalho de ler uma única linha, sei lá bem, nem eu próprio compreendo como pôde uma desgraceira destas acontecer. Uff. Pronto. Já disse. E agora, com sua licença, Majestade, os meus respeitos, venerador, atento e o obrigado, adeusinho.

O Rei da Suécia (ou a Rainha, sabe-se lá quem estará no trono daqui a uns tempos), branco como a cal da parede, vendo seu fiel escudeiro a fugir porta fora, recua de escantilhão e deixa-se cair num largo cadeirão, o queixo descaído, os olhos arregalados de espanto; esmagado pela terrível notícia, Sua Alteza o Rei da Suécia levará ainda algum tempo até conseguir fechar a boca e abri-la outra vez, chamar alguém, acudam, acudam, por favor, mas onde é que vocês estão, ó seus estupores, então não querem lá ver que agora me deixam aqui sozinho com esta porcaria em mãos, quer dizer, fazem a merda e depois aqui o palerma do rei que resolva, cambada de filhos da puta, ai, que não me estou a sentir nada bem.

Ora, portanto, sejamos discretos, deixemos Sua Alteza Real em sossego, deixemo-lo pensar, reflectir na melhor forma de se desenrascar de tão aflitiva embrulhada. Haja respeito pelas ralações alheias.

Cheguemo-nos nós outros aos santinhos de nossa devoção, acorramos em massa às igrejas - de qualquer confissão - e apelemos com fervor à compreensão e ao auxílio divino, nesta hora nefasta, oremos - de rastos, se preciso for - a toda a corte celeste, beatos e milagreiros incluídos, para que tal tragédia não suceda. Ainda vamos a tempo, ó almas de pouca fé! Aquela cena com o rei é só daqui a uns anos, em boa verdade ainda não se passou, mas lá que se arrisca a passar, ah, pois arrisca. Contribuamos assim, com a nossa fé e o nosso empenho colectivo, para que, através da interferência divina, com a preciosa ajuda da inspiração e dos bons pensamentos de Pai, Filho e Espírito Santo, enfim, pronto, que lá os gajos da academia sueca se não ponham com merdas e que caguem positivamente no nosso putativo laureado da literatura 2007 (ou 2008 e seguintes). Salvemos Sua Alteza Real o rei da Suécia de um futuro, inevitável de outra forma, lixadíssimo ataque cardíaco. Poupemo-lo a um fanico dos piores.

Vale a pena o sacrifício. Que seja pelas alminhas de quem já lá mora.




Foto e palavreado: DN

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13/03/07

Vinte a Ensinês

Indo direito ao assunto, podemos começar por admitir que no final de 12 anos de escolaridade o estudante português não está em condições de distinguir moral de ética, princípio de lei, moralidade de legalidade. O estudante saberá um quase nada de História de Portugal, quase nada de História das ideias e nada de nada de Direito (ou de Português, já agora). E o pouco que sabe, quantificado ao longo de um trajecto escolar que não garante fiabilidade, é inútil. O sistema não o levou para uma compreensão interdisciplinar e transdisciplinar; ou seja, o aluno recolheu alguma informação, mas ela é avulsa, desconexa, incompleta. Como consequência, a Escola não talha cidadãos, pois boicota a formação de uma visão de conjunto da sociedade. É como se a Escola tivesse aversão à realidade, tudo fazendo para proteger o aluno do mundo exterior. Esse aluno, cuja vida foi só brincar e decorar, e que pertence à elite dos menos de 25% que concluem o Ensino Secundário, parte para as licenciaturas, ou para o mercado de trabalho, sem saber onde está, donde vieram os seus pais, para onde vão os seus filhos. Entretanto, já pode conduzir e votar sendo que a última actividade é ainda mais perigosa do que a primeira.

(extracto de Aspirina B: ácido acetilsalicílico+tiamina+aneurina+um porradal de substâncias)

Não sabia que alguém escrevia posts mais compridos do que os meus e, assim como os meus também, quase sem erros de Português. Duvido de que alguém leia aquilo tudo, como acontece aqui neste rés-do-chão, número 001 do Quebra-Costas, mas enfim, eu cá até li, enchi-me de coragem e aqui vai disto. Não doeu nada.

Aquele extracto de complexo vitamínico, ali em cima, refere-se a um assunto deveras interessante (para mim e para os meus botões) sobre o qual ninguém se atreve a mandar umas bocas, nanja eu: o ensino não tem absolutamente nada a ver com a aprendizagem.

Bom, nanja eu é como quem diz.

Qual é a semelhança que existe entre a matéria de estudo de uma determinada disciplina, em qualquer grau de ensino, com o objecto ou conteúdo dessa mesma disciplina?

Longa pergunta para resposta sintética: nenhuma. Por exemplo: o que tem a disciplina de Inglês a ver com o Inglês? Nada; qualquer semelhança entre uma coisa e outra é pura coincidência; numa semana de férias em Londres, qualquer atrasado mental aprende mais Inglês do que em dois ou três anos de aulas de "Língua Inglesa".

Esta disciplina, como qualquer outra de línguas "vivas" - ou de qualquer outra área, mas já lá iremos - obedece a uma lógica meramente curricular, totalmente desligada da realidade pragmática e do ambiente linguístico a que teoricamente se refere; depende em exclusivo, em termos de eficácia e de proficiência, do esquema geral do processo de ensino/aprendizagem que consiste, em Portugal, em assistir às aulas, ter boas notas nos testes e passar de ano; consiste ainda, por fim, na transmissão (ou apropriação, por qualquer meio, incluindo o chamado "copianço") de esquemas padronizados de utilização da língua (principalmente, exercícios de gramática), e baseia-se num "approach" que privilegia a escrita em detrimento da oralidade.

Ou seja, um aluno poderá aprender alguma coisa, nas aulas de Inglês, mas não ficará nunca - com toda a certeza - apto a utilizar aquela língua com um módico de eficácia. O que significa o seguinte, e com isto voltamos ao início do paradigma: não é Inglês que se aprende nas aulas de Inglês. Aliás, nesta como em qualquer outra disciplina curricular, reiteremos, em todos os graus de ensino, existe um linguajar específico, um modo de comunicação instituído e ritualizado que afasta ainda mais o estudante do objecto de estudo. As aulas de Inglês são dadas numa "espécie de" Inglês, que muito pouco ou nada tem a ver com a língua inglesa. O que interessa é que a nota a essa "cadeira" contribua para a média geral, bastando para isso despejar umas coisas acertadas nos testes e exames teóricos (sobre coisas de que nenhum anglófono alguma vez ouviu falar) e, de "cadeira" em "cadeira", ano após ano, cortar a meta final, qual Carlos Lopes da ignorância, recebendo a sua medalhinha - o diploma - pelo esforço dispendido em tão longa maratona.

O mesmo princípio se aplica a todas as outras "matérias", não apenas às línguas, a começar na Matemática e a acabar (nem de propósito) na História, passando muito evidentemente pelo Português. O verdadeiro desastre nacional a que se assiste quotidianamente, naquilo que à língua portuguesa diz respeito, não é uma consequência directa do sistema anacrónico de ensino: a escola poderá, quando muito, dar uma ajuda, mas o factor primordial de aprendizagem do Português é a leitura, primeiro, e a escrita, depois. Ora, peguemos então por aqui, como bem sabemos não é o aluno que mais lê e mais escreve, em princípio ou por definição, aquele que melhores classificações obterá na disciplina de Português; pelo contrário, e isso é tanto mais notório quanto mais descermos no grau de ensino. E este espantoso, quantificável e verificável facto deve-se exclusivamente ao "pormenor" de, mais uma vez, o Português do sistema de ensino não ter nada a ver com o Português. Não é possível escrever (ou mesmo ler) correctamente sem ter lido muito, ler muito, ter escrito muito e escrever muito; ninguém precisa de declinar casos verbais para escrever uma lista de compras ou um tratado de anatomia; uma frase bem construída é resultado da experiência e do manancial de conhecimentos informais de cada qual e, pelo contrário, o erro discursivo surge da ausência desses mesmos conhecimentos e experiência, da falta de livros - a qual significa, fatalmente, ausência de automatismos discursivos e de intuição linguística.

Por analogia com a semana de férias em Londres, qualquer estudante (ou não estudante) aprende mais a escrever com correcção num único romance de Eça de Queirós, por exemplo, do que em toda a sua carreira académica. Levando a coisa ao extremo argumentativo, uma única página, um singelo parágrafo daquele romancista excelente, qualquer dessas coisas é mais instrutiva do que dezenas de horas passadas nas aulas. E, note-se bem, é este um dos romancistas portugueses aos quais mais e mais sistematicamente são assacados "erros" na escrita. Quem? Ora, quem: esquisitos, admiradores de Lobo Antunes, e assim.

Por paradoxal que possa parecer, isto não é nenhuma espécie de apologia do empirismo e muito menos do chamado "saber de experiência feito". Pelo contrário. A escola pode (ou poderia) constituir uma forma de estruturação do saber; porém, a realidade actual demonstra que a escola não é tal: não apenas não forma como, de certa maneira, deforma o objecto de estudo e, por consequência, desestrutura o conhecimento, espartilhando-o em formatos metodológicos rígidos.

O linguajar específico de cada disciplina, normativo e impositivo, afasta cada vez para mais longe a matéria, os conteúdos, o objecto a que teoricamente se refere. Tomemos como ilustração o "matematiquês" (a língua veicular da disciplina de Matemática): muito mais importante do que saber resolver uma equação de 2º grau, através de raciocínio lógico e com recurso a alguns conhecimentos básicos, é conhecer o significado de expressões-chave do dialecto específico; mesmo inteligente, mesmo dotado, ainda que possuindo ferramentas mentais extraordinárias, estudante algum será capaz de resolver o problema caso desconheça aquele linguajar. É nesta medida que o ensino regular se revela totalmente desligado da realidade e, por consequência, daquilo que se presumiria ser o seu objectivo primordial, isto é, a transmissão do saber.

Existe uma lógica meramente formal, no ensino, que viabiliza este paradoxo: um aluno pode ser capaz, mas mostrar-se incapaz, ou ser incapaz e mostrar-se capaz. É por isso que vemos tantos licenciados (e mestres e doutores) que não sabem escrever, mas debitam palermices e asneiras em tudo quanto é pasquim; alguns destes incapazes promovidos pelo sistema de ensino dialectal chegam mesmo a dar aulas, em todos os graus de ensino mas principalmente nas universidades, reintegrando-se no fluxo de disseminação da ignorância diplomada.

São conhecidos, porque o descaramento não tem limites, casos de professores de Alemão que, sem rebuço, confessam não saber "nada de Alemão"; pois, mas sabem muito, têm todos longos anos de experiência de ensino de Alemão, o que é, já sabemos, algo totalmente diferente. Claro. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Os alunos vão às aulas para "aprender" a declinar casos (Nominativ, Akkusativ, Dativ, Genitiv) e umas coisinhas assim; saber Alemão não interessa para nada, nem é o que está em causa. Não deve surpreender ninguém que um filho de emigrante na Alemanha tenha dificuldades com esta disciplina, em Portugal.

Para passar com distinção a Geografia, a Biologia, o aluno apenas deverá reconhecer as fórmulas canónicas do "geografês" e do "biologês", marrar umas coisas na véspera ou copiar outras tantas no exame, e pronto, não tem nada que se ralar com pormenores como o RPC dos países em vias de desenvolvimento ou com as causas do míldio; há que interpretar a expressão "atente na figura e discorra sobre as consequências do efeito de estufa, a nível de..." (algo ensaiado na aula), sem fazer a mais pequena ideia daquilo que vem a ser uma estufa ou para que efeito serve; declinar a anatomia da rã, eviscerada num desenho, é muito mais importante, pelos vistos, do que saber de que lado é o fígado nos seres humanos.

Os exemplos seriam inúmeros, e fastidiosos, demonstrando em toda a latitude que não existe qualquer intersecção entre o saber e a escola ou que, na melhor das hipóteses, essa área comum é singularmente microscópica. O sistema de ensino "pós-moderno" é um sistema constituído por uma rede de depósitos de jovens, imberbes e ignorantes, sistema esse cuja função consiste em esperar que aos jovens cresça barba.

Presumir que ou ter alguma espécie de esperança em que alguém aprenda alguma coisa no processo, é desconhecer (ou fingir desconhecer) que a razão de ser do sistema de ensino não é propriamente o aluno, mas que o aluno é a razão para que o próprio sistema subsista, como coisa em si, tornando irrelevante o ensino e muito mais ainda a aprendizagem.

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10/03/07

Uma pergunta politicamente correcta

Até quando?




"Se o maquinista não tivesse trancado as portas, tinha ficado sem cabeça", afirma Pedro, 31 anos, um dos moradores do acampamento cigano montado junto à linha ferroviária, em Coimbra, onde uma criança de dois anos foi mortalmente atropelada por um comboio na quinta-feira à noite.

http://dn.sapo.pt/2007/03/10/cidades/familias_ciganas_exigem_casas_para_a.html

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09/03/07

Olá

Senta-te.
Cala-te.
Levanta-te.
Despe-te.
Deita-te.
Cala-te.
Cala-te.
Cala-te.
Veste-te.
Vai-te embora.
Cala-te.
Adeus.

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O Professor Pardal e seu inseparável Lampadinha




Revele-se o mistério: nosso PM anda cheio de ideias geniais porque pediu emprestado o chapéu pensador ao Professor Pardal. Só pode ser isso. O homem senta-se, põe aquilo na cabeça e espera até que os três passarinhos do chapéu desatem a piar; é sinal de que acabou de ter mais uma ideia genial. Por vezes, quando anda por fora ou quando está num sítio cheio de gente, enfim, como é meio tímido e tem receio de que as pessoas se riam do chapéu pensador, JS socorre-se do Lampadinha, esse excelente e prestável companheiro de esgalhanço.

Mas com o chapéu pensador é que é: dali lhe vêm as ideias mais fixes, como as da despenalização do aborto e do roubo tabelado, por exemplo. Já aquelas que lhe são transmitidas pelo Lampadinha, às vezes, dão um buraco tremendo, como seja a de enviar tropas para o Iraque ou esta agora, a mais recente, de se poder despedir um funcionário público por ter tido duas avaliações de desempenho negativas.

Esta só poderia mesmo ter saído da cabeça luminosa do Lampadinha, um ser catódico meio americano e meio brasileiro, habituado portanto a outras voltagens. Uma coisa destas, em Portugal, só pode dar merda. Bem, como as outras vão dar merda, isso é certinho, mas esta então é de escachar.

Mas onde já se viu avaliação de desempenho na função pública portuguesa? Mas que desempenho é que existe para avaliar? Aquela merda, está-se mesmo a ver, não passa de uma artistice para despedir pessoal das repartições - coisa que era absolutamente impossível, até agora. Com esta engenhoca legal, qualquer chefinho passa agora a poder despedir um funcionário cujo nariz desagrade ou uma oficial cujos broches não convençam, assim, sem mais nada: dá-lhes duas "avaliações" negativas, seguidinhas, e pronto, fodeu, o gajo da penca e a gaja dos bicos estão ambos no olho da rua em dois singelos aninhos.

Esta merda é evidentemente ilegal, digo mais, é anticonstitucional, mas que se foda, não há nada que nosso PM não esgalhe, desde que seja a bem da Nação, em lhe parecendo.

Claro que, para a esmagadora maioria da população, esta vigarice legal cai que nem ginjas, porque não há cão nem gato que não gostasse de abichar um lugarzinho na administração pública, e vai daí toda a gente se pela por foder à tripa forra os cada vez menos privilegiados com tacho vitalício. Quanto menos eles são, os funcionários públicos, e quanto mais generalizada é a ausência total de direitos, para aqueles que o não são, mais engrossa a turba de ressabiados que pretendem liquidar o último reduto onde eles, os direitos, ainda existem. Tudo, é claro, em nome de coisas grandiloquentes como a "igualdade" e a "justiça".

A ver vamos, quando a dita lei entrar em vigor, e depois de devidamente comprados os sindicatos e representantes políticos da classe, que nova engenharia legal se irá engendrar para justificar a ilegalidade... da lei. Vai ser bonito. Quando o pessoal se aperceber de que acabaram os processos disciplinares e que, afinal, qualquer um pode ser despedido sem justa causa, senhores, a coisa pública vai rugir.

De resto, quando algum chato da oposição se puser com merdas, de que isto das duas avaliações negativas é despedimento liminar, ou assim, pois já todos estamos carecas de saber quem irá o José culpar: o Lampadinha, evidentemente. Não fui eu quem fez essa merda, dirá com sua característica presença de espírito, foi ele, foi aquela lamparina de um cacete!


(Imagem de Papersera)

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Referendo automático

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da propriedade, se realizada, por opção do gatuno, quando a este der ganas, em qualquer estabelecimento ou mesmo na via pública?

Não concorda?

Pois, azarito. Nós cá, os do Governo português, achamos que sim, que o roubo deve ser livre, e portanto que se foda. O referendo está automaticamente aprovado.

Para já, à cautela, a coisa só "cobre" os roubos de produtos tabelados abaixo dos 96 euros, mas é só para já. Há que ter peninha da gatunagem pequenina, coitadinhos, esses pobres diabos que agora até vão perguntar às pessoas, antes de as roubar, quanto vale o relógio, o telemóvel, o colar, a pulseira, os brincos, o casaco; assim, com esta maravilhosa lei, se os bens a gamar ultrapassarem a fasquia, nada feito, o gatuno segue adiante, escolhe outra vítima, outro filho da puta qualquer, desses que andam por aí a exibir pertences quando há quem não tenha posses para lhes chegar - o que não é justo, como se sabe.

Assim, de uma penada, limpam-se as secretarias dos tribunais, esvaziam-se as cadeias e, principalmente, Portugal poderá passar a orgulhar-se de ter as taxas de criminalidade mais baixas do mundo e arredores. Aliás, sem ser preciso grande sorte, o crime acabará por desaparecer no nosso país; roubar um automóvel ainda é crime, pelo menos até ver, mas com esta lei (maravilhosa, já tinha dito?) até já não será bem assim, pois que se pode roubar um carro às peças, um pneu de cada vez, uma porta e depois outra, finalmente o motor, todo desmontado em pecinhas, ó maravilha, nenhuma delas de valor criminal, ora pronto, está o problema resolvido; até uma casa, um palacete se pode roubar, o estádio da Luz, o autódromo do Estoril, à vontadinha, trata-se de o ladrão não se armar em burro, tira primeiro as telhas, depois as caleiras, os caixilhos das janelas, enfim, desmonta aquela merda tijolo por tijolo, ripa por ripa, sapata por sapata - tudo de valor unitário inferior a 96 euros, ora aí está, não roubou coisa nenhuma, por conseguinte.

Caralho, que esta merda é brilhante. Que se fodam lá os referendos e essas tretas todas, nós cá é que sabemos da poda, que venha o primeiro e levante cabelo, foda-se, invejosos do caralho, vocês queriam era ter-se lembrado desta primeiro, seus morcões.

Pois fodei-vos, mas é, a gente despenalizou o aborto até às dez semanas, agora vai o roubo até aos 96 euros, a seguir alguma coisa jeitosa se há-de arranjar, sei lá, por exemplo, o homicídio. Boa! Toca a despenalizar o homicídio. Ora deixa cá ver, José. Ah, já sei. Assim.

Concorda com a despenalização do homicídio, desde que realizado sem oposição por parte da vítima, sendo esta maior de 80 anos e não havendo qualquer interesse em que ande por aí a chatear as pessoas com os seus problemas de reumático, e assim?

Caralho, José, esta ainda está mais bem esgalhada do que a outra. Foda-se. És o maior.

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08/03/07

O caso do cotovelo sobressalente na mão do braço



Tch. Eu cá, toxicodependente de SGFiltro assumido, e membro de uma sociedade hipócrita igualmente, acho que essa merda das "noites perdidas em fumo" há-de ser fodido, não sei, mas calculo. Também na qualidade de agarrado à nicotina, essa "droga institucionalizada" de um caralho que a foda, acho mal, acho pessimamente que haja "pais que se encontram por esses cafés fora"; digo mais, e integralmente de acordo, é lixado que esses pais às vezes calhem ser mães, e algumas delas podres de boas, Nosso Senhor as conserve, uma ou outra um verdadeiro "monumento", realmente, e depois é fodido um gajo ali, atascado em fumo sem se poder chegar ao dito monumento e prestar-lhe as devidas homenagens; ah, não poder a gente, por esses "cafés fora", dar vazão ao espírito exploratório, ali assim, tolhidos pelas putas das conveniências, não ser possível investigar a fundo os monumentos, mergulhar-lhes nas profundezas, analisar cada um dos seus entrefolhos e trazer à luz profana os seus mais insuspeitos mistérios.

Oh, ah, ih, João Dalion, até o nome se lhe rima, foda-se, grande poeta, assim é que é escrever, caralho. A quem lembraria que "a realidade ainda impera", porra, mas que figura admirável, e tal. Vale bem os 90 cêntimos, a porcaria do pasquim, assim com'assim mais vale a gente gastar o cacau em pérolas do que em pregos, que pariu os cigarros, um dia destes a ver se deixo de fumar (o caralho, nem morto, fodei-vos) e se deixo portanto, por via disso, digo mais, derivado a isso, a ver se deixo de andar de "cigarro em riste" e com este meu "outro cotovelo" a servir "de base a um braço hirto".

É que, pois admitamos com frontalidade, sem dúvida me dói esse tal cotovelo, ai, ui, chiça, torce-se de inveja o cabrão do cotovelo, ó João Dalion, vai lá escrever pra Cona Main Street, caramba, que maravilha; um gajo assim merecia era já a Ordem do Infante, pelo menos, mas o esquisito nesta merda toda é que estou com uma grande dor de cotovelo, mas é só neste, nos outros dois não sinto nada, estranhamente.

Parabéns, pois, pela escrita, ó bacano, e que nunca te doam as meninges. Fazem cá muita falta estes teus pensamentos escorreitos, João, pá, mai-los teus avisados conselhos para que se enforque a canalha do cigarrito, a máfia do "tabagismo", é isso mesmo, toca a incinerar esses filhos da puta. Tu vai-te a eles, mano. Avante. Esmaga-os, trucida-os, dá-lhes na puta da touca.

Cumpre os desígnios de Deus nas alturas, e a tua missão evangélica aqui em baixo.

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Um dos erros que mais se cometem

Era um dos que se encontrava na taberna de Rufo quando ele fizera o seu discurso de candidatura.
Mário de Carvalho, Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde, ed. Caminho, 4ª ed.,1996

Os estudiosos da língua portuguesa que referi apresentam exemplos da utilização do singular em vez do plural em diversos escritores, tais como:
a) Damião de Góis: Uma das coisas que mais me espantou desde o tempo que comecei a revolver livros foi a demasiada negligência dos cronistas destes reinos;
b) Frei Luís de Sousa: Esta cidade foi uma das que mais se corrompeu da heresia;
c) Padre António Vieira: Uma das coisas que muito agradou sempre a Deus em seus servos, foi a peregrinação...;
d) Simão de Vasconcelos: E uma das coisas que muito alegrou ao novo visitador foi...;
e) Padre Manuel Bernardes: Uma das coisas que derrubou Galba do Império foi tardar algum tanto;
f) Júlio Dinis: O reitor foi um dos que mais se importou com a preocupação do homem;
g) Camilo Castelo Branco: Acurvado sobre a mesa esconsa de seu lavor mercantil, era, aí mesmo, um dos primeiros homens doutos que escrevia em português sem mácula;
h) Alexandre Herculano: Um dos nossos escritores modernos que mais abusou do talento, e que mais portentos auferiu do sistema....;
i) Aquilino Ribeiro: O bispo de Silves foi um dos que caiu no erro funesto.;
j) Fernando Namora: O homem fora um dos que não resistira a tal sortilégio.;
l) João Ribeiro: Foi um dos poucos do seu tempo que reconheceu a originalidade e a importância da literatura brasileira.

Maria Regina Rocha, Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Mas, ó bálhamedeus, será por alguns autores escreverem com erros que esses erros deixam de o ser?

Quem já leu, por exemplo, a correspondência de Fernando Pessoa, sabe perfeitamente que aquela pessoa escrevia bem... mal, quando utilizava a escrita como simples instrumento de comunicação; sabe-se lá se alguém mais habilitado, alguma obscura figura que não consta de biografia nenhuma, não corrigiria o Português de nosso Nandinho, antes de lhe seguirem os textos para a tipografia.

Toda a gente com um mínimo de gosto, e com uma bagagem de leituras equivalente a quaisquer duas malas das antigas, conhece pelo menos um autor que é cada tiro cada melro (Lobo Antunes, por exemplo), cada bacorada cada prémio (por exemplo, Lobo Antunes), e não é por isso que os tiros na gramática deixam de matar a Língua, os melros linguísticos abatidos deixam de ser negros, as bacoradas deixam de ser bacoradas e os prémios deixam de ser injustos.

Quantas vezes vemos, ouvimos e lemos, nós outros, os pategos, coisas tão estapafúrdias como "concerteza" (uma das palavras que não existem, mas que se gasta ao desbarato), ou como "derivado a" (uma expressão daquelas que nem merecem comentários, tal é a frequência com que é utilizada).

As minhas patentes dificuldades com a utilização academicista de gramáticas e de prontuários impede-me de tecer considerações a respeito daquilo que é óbvio, nomeadamente pelo facto de eu próprio cometer minha bacoradazita, volta e meia, sem que daí advenha qualquer mal ao mundo. Trata-se, quando muito, em sucedendo tal coisa, de proceder a uma manobra soviética: voltar atrás, regressar ao passado, empreender conscienciosa caça à gralha, batida à bacorada, largar a canzoada linguística às canelas do erro escorregadio, persegui-lo até à morte e exterminá-lo à vista sem qualquer piedade.

Ainda há dias me entretive a desportivamente caçar um texto meu pejado de erros, até no título tinha, aquela merda. Pois bem, não há que enganar: corrija-se e republique-se. Calão não é vernáculo, e vice-versa; vernáculo é rigorosamente o contrário de calão, ao invés do que muita gente pensa, e eu também "pensava" quando escrevi tal cagada. Como se vê, eu sou um daqueles que cometem erros, um dos que dão calinadas, um dos que - não se importando de o reconhecer e corrigir - se ralam com a escrita e seu formalismo, para além do respectivo catitismo.

Portanto, pentelhai à vontade, pentelhai e tornai a pentelhar, aqui, e além, e ainda mais longe, neste, e naquele e naqueloutro, pentelhai para sempre, pentelhai perdidamente. Ora aí está uma daquelas coisas que me dão muito jeito, por sinal. Quanto aos outros, salvo seja, a qualquer outro, quero bem que se fodam e se foda, respectivamente: é uma coisa que não me rala nada, eviscerar a escrita do mais pintado.

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05/03/07

Cavalgaduras, uma mais-valia lusitana


Filho Da Puta, the Winner of the Great St. Leger, at Doncaster, 1815

Retrato do cavalo: HERRING, John Frederick (1795-1865) aquatinted by Thomas SUTHERLAND (1785-1838)
Citação e digitalização: Donald Heald

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04/03/07

"Diz que é uma espécie de magazine"

O divertido da coisa, do meu ponto de vista, reside no facto de ver políticos de diferentes quadrantes a usarem a palavra aconselhamento a torto e a direito. Passo a explicar, porque acho que merece. Podem ir consultar o dicionário. Experimentem e verificarão que não encontrarão tal palavra.
Extracto e "lead" de artigo com o título "Do aconselhamento"
Autora: Isabel Leal, Psicóloga
Coluna "Psicóloga de Serviço", revista Notícias Magazine do Diário de Notícias, 4 Março 2007, página 80



Com sua licença, por conseguinte, Sr.ª Dr.ª, lá fui catar no dicionário a dita palavrinha. A coisa levou-me cerca de 5 segundos a encontrar (eu cá sou o verdadeiro Speedy Gonzalez da catação dicionarística). E lá estava, a marota.

aconselhamento s.m. (sXX cf. ACG)
1. Acto ou efeito de aconselhar(-se)
1.1. acto ou efeito de pedir, receber ou dar conselho(s); orientação
1.2. Indicação da necessidade, conveniência ou desejabilidade de; recomendação, sugestão
1.3. Troca de ideias ou reunião para se debater algo
2. PED PSIC: Auxílio ou orientação que um profissional (pedagogo, psicólogo, etc.) presta ao paciente nas decisões que este deve tomar em relação à escolha de profissão, cursos, etc., ou quanto à solução de pequenos desajustamentos de conduta
ETIM aconselhar+ -mento; ver consult-
(dicionário Houaiss, Temas e Debates, Lisboa, 2005)

De facto, o velhinho P.E. não tem lá essa coisa, na edição em papel, edição esta que já tem uns anitos valentes e umas gralhitas não menos, mas a edição on-line sim, abracadabra, é ir lá consultar - completamente à borliú:

aconselhamento
substantivo masculino
1. acto de dar conselhos a; consulta;
2. orientação;
3. PSICOLOGIA forma de assistência cujo objectivo é prevenir ou resolver problemas psicológicos

Poças. Carambinhas. Aquela da "psicologia", ali escarrapachada em ambos os dicionários, e em maiúsculas e tudo, isso é que não convinha nada. À Sr.ª Drª, quero dizer. Mal que lhe pergunte, que raio de dicionários é que tem lá em casa? Ou no escritório, na redacção do jornal, onde quer que tenha escrito, hem, diga lá aqui à gente, mas que bosta de desmancha-dúvidas costuma vocelência usar, afinal? E, já agora, lá no seu curso (foi Psicologia que tirou, não foi?), faltou a essa parte das aulas ou, pura e simplesmente, na sua Faculdade não se liga a coisas tão merdosas como o aconselhamento, essa excentricidade ou, como lhe chama a Drª, esse "estrangeirismo"?

Em vez de "aconselhamento", como acto terapêutico, no âmbito da sua especialidade, qual é a técnica postulada pela escola de vocelência, Sr.ª Dr.ª? Palmadinhas nas costas? Palavreado? Rebéubéu pardais ao ninho? Dar-se-á primazia, segundo a sua escola psi, à Pepsi-cola em detrimento da coca? Talvez esbarrondamento em vez de aconselhamento, hem?

Ora, ora, Sr.ª Dr.ª, ó santinha. Tenha juízo, mas é, com o devido respeito.

A propósito. A construção "ver políticos de diferentes quadrantes a usarem a palavra" é uma calinada de todo o tamanho. Também fez gazeta a suas aulinhas de Português, foi? Ah, traquina.



Comentário: a palavra "vocelência" não consta de qualquer dicionário (dos que tenho). Quanto às outras, é pentelhar.

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03/03/07

Sopa de letras



A receita pode variar, mas o caldo é sempre o mesmo, por assim dizer. Uma coisa é alguém assinar com FJV, JPP, VJS, VGM ou MEC, por exemplo, ou ainda, vá lá, como EPC, outra bem diferente é rubricar umas coisinhas pífias que mais fazem lembrar formato de ficheiro, seja ZZU, no caso; como poderia ser ZDI, de Zé Das Iscas, ou FDT, de Fulano De Tal, gente de somenos e que não conta para nada.

Mas afinal, quem é que vem a ser esse tal ZZU? Quem se julgará ele? Olha, olha, então não querem lá ver, já a formiga tem catarro, mas qual Z e qual Z e qual carapuça, isto não vai lá com umas iniciais quaisquer, isso é que era bom. Que se diga um chorrilho de asneiras ou que se tergiverse infindavelmente, pois com certeza, está muito bem, se aquilo vem cunhado com griffe de autor, as três iniciaizinhas consagradas, pois sim, é uma porcaria mas é porcaria da boa, caso não fosse - por exclusão de partes - o que estariam ali a fazer as três letrinhas, aquelas e não outras quaisquer, aquelas que toda a gente conhece? Se não presta, mas vem consagrado, então já presta e é por isso mesmo, de novo, consagrado como obra-prima, primor de redacção, verdadeira pechincha de ironia e fino recorte.

O hábito de ler, que é extremamente raro em Portugal, modificou-se de uma forma surpreendente para a generalidade daqueles que ainda o fazem: o português consumidor de letras começa sempre a ler de baixo para cima, isto é, tomando primeiro conhecimento das iniciais do autor, e só depois, caso aquelas interessem, é que optará por uma de duas hipóteses: ou ler na diagonal ou ler a salto de cavalo, quer dizer, uma coisinha aqui e outra ali, os títulos e subtítulos, quando não apenas o primeiro e o último parágrafos. Esta agilíssima técnica de tresleitura permite assim, ao dito consumidor, por um lado não se ralar muito com os detalhes e por outro ficar detentor daquilo a que se costuma chamar "uma ideia geral"; polvilhado com uns conhecimentozinhos nominais de tudo e mais alguma coisa, como é seu costume e hábito, fica por conseguinte o típico leitor português habilitado a debitar opiniões e a tecer considerandos a respeito de qualquer assunto, desde a teoria literária que se pode detectar no discurso de ALA ou do seu homólogo militar, ARE, aquele das suíças, à influência cubista na obra de Luís Pereira de Sousa (LPS). Não interessa rigorosamente para nada que este último nunca tenha publicado coisa alguma, e que se diga mesmo por aí à boca pequena não saber ele sequer ler, quanto mais escrever, porque o facto é que possui, reconheçamo-lo, um belíssimo trio de iniciais e, portanto, se não escreve é porque não quer e está no seu pleno direito.

Outro tanto sucede com alguns dos autores da nossa praça, os quais, depois de consagradas as respectivas iniciais, bem podem nunca mais na vida esgalhar a mais singela das frases. E o pior, se pior ainda é possível, é isto ser caso raro, porque a maioria desses tais consagrados se considera na obrigação de nos presentear regularmente com o brilhantismo do seu pensamento, a argúcia da sua visão existencialista, a elegância do seu estilo redactorial e coisas que tais. Não valeria a pena estarem agora a incomodar-se, mas enfim, alguém que lhes vá lá dizer isso, os manufactores de pessegada - vulgo, fazedores de opinião - estão-se bem ralando para os apetites do rebanho.

Quando eu, que assino 001 (ZZU), escrevo umas coisinhas de jeito, por vezes muitíssimo bem esgalhadas, que até me mijo a rir quando as leio mais tarde, pois bem, que se foda, esta merda é aqui um deserto do caralho, só meia-dúzia de maluquinhos cá vêm às vezes espreitar. Pois, senhores, se no dia seguinte as mesmas merdas aparecem num blog qualquer, devida e competentemente recicladas, aí é um ai jesus, e ohs de admiração, e expressões de espanto sortidas. Isto assim é uma merda, devo confessar. Ainda há dias recebi por e-mail um texto do VGM sobre o Ensino e... caralhosmafodam se não escrevi aqui as mesmíssimas merdas, vai para uns tempos. Só que, lá está, o Vasco Graça Moura é o VGM e o 001 é o ZZU. Portanto, fodeu.

Outra. Ando eu aqui há séculos a pregar (do verbo pregar, aquilo que fazia Santo António aos peixes) sobre os perigos do antitabagismo; vai-se a ver, ninguém ligou meia aos meus mais do que avisados avisos, e agora é aquilo que se vê, não há cão nem gato que não diga as mesmas porras, por outras palavras ou com as mesmas, sem tirar nem pôr. Que o Altíssimo vos desse com uma marreta nos cornos, seus caras de caralho, tunga, à força toda! Agora, ides mas é fumar barbas de milho com a cabeça enfiada na retrete, se não quiserdes ir parar à cadeia. Doravante, com os documentozinhos legais que acabaram desgraçadamente de sair, ides não apenas ter de viver até aos 150 anos, com saúde até aqui, ó, como ainda tereis de bufar os nomezinhos de todos os criminosos que vistes a puxar umas fumaças. Não ligastes ao que eu vos andei a dizer durante anos a fio, lá porque eu não tenho umas iniciais jeitosas, e agora estais todos bem fodidos, ides gramar com uns gajos a dar na veia ao vosso lado, em tudo quanto é sítio, mas não podereis jamais acender o cigarrito, nem que seja para espantar o nervoso ou porque vos morreu alguém de família.

É por estas e por outras que estou a pensar seriamente em mudar de nome ou, ao menos, de sigla. Quem sabe, talvez uma coisa assim mais sonante, tipo CVC (Carlos Vaz de Carvalho), que é não só sonante como até capicuante; ou talvez algo mais amaricado, que isso também está a dar, sei lá, DVD (David Vilarinho Darque, ou o caralho que o foda), hem, outra capicua abichanada, como convém, que me dizeis vós outros?

Pois, seus coninhas, não dizeis nada, não é? Estais para aí mudos que nem umas putas de umas múmias e eu aqui deste lado a tratar conscienciosamente dos vossos interesses, ingratos do caralho. Se calhar, preferíeis que eu adoptasse uma sigla de duas letrinhas, não? Bem, é um caso a considerar.

Há-de haver, de resto, alguma relação causal entre a qualidade e o número de autores com três e aqueles que apenas possuem duas iniciais: veja-se os casos de EQ, mais antigo, venerando escritor, ou de NR, este bastante mais modernista, enciclopedicamente cabotino, e compare-se a sua popularidade e o número de vezes em que são citados com os equivalentes de quem possui nome e dois apelidos, ou dois nomes e apelido, ou mesmo três apelidos. Então não se vê logo? Não tem nada a ver. Por outro lado, pensando bem, se o próprio Álvaro Cunhal (AC) até de pseudónimo usava só duas letras (MT), e se mesmo de alcunha também (MB, de Mula Branca), pois quem sou eu para questionar semelhante cachola. E o FP, esse fino apreciador de cocaína. O MS, o AG, o próprio JC, a MT de Inglaterra, essa rija e colhuda senhora, o grande JS, escritor americano. Assim de repente, afinal vejo que há uma data de nomezinhos fixes só com duas iniciais.

Pois, é uma hipótese a considerar, em vez de trio. Se calhar, ainda vira moda: RG, AP, LM, ST, ou assim. Ora foda-se. Parecem marcas de tabaco.

Hum. Não sei bem. Vou pensar nisso.


Foto: USA Kulinarische (culinária americana, em Alemão; fosga-se!)

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01/03/07

Qeremos fudier e naum paga-mos



Bálhamedeus. Caralhosmafodam. Maz o q porra andaum a faser cua noça joventode, fuada-se? I istu saum istodantes univercitarius! Pqp!


Foto de Nuno Fox publicada no DN de hoje

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