Viver mata
Nunca tinha visto um único maço de tabaco feio. Agora não há um único maço de tabaco bonito. Aliás, já pouco se distingue um SG Filtro de um Ducados: por fora, e por lei (europeia, note-se, deles, portanto) todos os outrora fascinantes maços têm uns dizeres a branco em fundo negro, "fumar mata", "o tabaco provoca o cancro do pulmão", "vais morrer, ó sacana", etc.; olha a grande novidade.
Longe de mim a peregrina ideia de defender "Os Benefícios do Tabaco"; é inútil e tremenda parvoíce, porque não está provado que fumar faça bem à saúde. Há até quem diga que faz mal, mas isso agora não interessa nada, nunca interessou. O óbvio pretexto para sacar mais uns milhões em impostos, porque esta medida irá certamente fazer disparar o consumo, ou seja, o pretexto do costume, vem agora escorado pela satisfação dos interesses assanhados da trupe de mentecaptos PC. Julga-se assim estarmos perante um espertíssimo golpe de asa da moderna sociedade, uma coisa com pinta até mais não: os politicamente correctos ficam satisfeitos, ao menos por uns tempos, e sempre se reduz o défice. Brilhante. Giro.
É o triunfo do PC, por fim, afinal os amanhãs não cantam, não bebem e não fumam. Que bom. E, ainda por cima, aquela gentinha da saúde a metro pode assim dar largas à emoção, ai que gozo, estragamos-lhes os pacotes, salvo seja, toma-toma-toma, queres fumar mas agora levas com os letreiros e depois vais levar com fotografias de pessoas a morrer. É realmente uma coisa muito gira.
Sugeria, no entanto, que se estendesse a coisa a outros igualmente ou piormente nocivos prazeres: "fazer" praia, conduzir ou ver Televisão, em escolha aleatória. Dado o número de ocorrências nefastas, e na mesma proporção dos maços de tabaco, as praias deviam ter um cartaz de 150 por 10 metros, espaçados cem metros entre si, com os seguintes dizeres: "o Governo adverte que trabalhar próbronze, além de escaldões e outras chatices, origina cancro da pele"; isto e as variantes que a imaginação sugerir. Qualquer automóvel novo devia vir acompanhado de um folheto com fotografias, por exemplo, do Hospital do Alcoitão, mostrando as consequências que o uso prolongado dessa maldita máquina ocasiona sistematicamente. Todos os canais de TV deveriam ser obrigados a colocar cartazes semi-transparentes por cima de todas as suas emissões, alertando os incautos espectadores de que se estão arriscando, naquele preciso momento, a morrerem de estupidez, mas acrescentando que é mesmo de morte macaca, lenta e dolorosa.
Já agora, em vez de calçada à portuguesa, o Governo devia pintar nos passeios umas mensagens subliminares, com fotos se necessário, alertando o incauto peão para os imensos perigos que poderá correr se tiver o galo de tropeçar num buraco, ou a grande e assustadora probabilidade que existe de que um autocarro lhe passe por cima.
Nas tascas, em vez de quadros pirosos comprados na feira, era melhor uns esclarecedores dizeres a propósito das tremendas merdas que ali se comem. O mesmo nas ementas dos restaurantes: o Governo adverte que o bacalhau à Gomes de Sá lhe pode provocar uma azia do caraças, e outros igualmente esclarecedores avisos. Claro, MacDonald's está bom de ver: "enfardar Big-Mac's provoca doenças mortais", e assim.
Sou de opinião de que todas as drogas, do haxixe ao cavalo, deviam passar pelos circuitos comerciais estatais, e não pelos paralelos e ilegais, como até agora. Para que, ao menos, se protegesse o consumidor contra qualquer coisa da qual porventura estivesse a Leste; evidentemente, há muitos agarrados, mais atreitos a produtos naturais, como a cocaína, que não fazem a mais pequena ideia dos malefícios da droga. Há que informar esses também, protegendo de igual modo os interesses do Estado, que é, ao fim e ao cabo, todos nós, e bem-haja por isso.
Fica a sugestão.
Pensando nas vantagens desta coisa, porém, concluo que é agora que a minha colecção de maços de tabaco vai quintuplicar de valor. Obrigado.
Outra forma de ganhar alguma coisa com esta Lei europeia é açambarcar já uns milhares de "porta-maços", aquelas coisas que servem para meter os maços dentro; uma coisa que dantes se oferecia às pessoas quando não havia tempo para comprar um presente de jeito. Agora, um porta-maços já deve valer umas lecas valentes. Melhor ideia ainda será arranjar um maduro que tenha jeito para o negócio e fabricar porta-maços em alumínio de 1mm, com estampagem exterior de todas as marcas de tabaco. Assim, lá dentro, os cigarritos até ficariam mais protegidos e continuando a ostentar, por fora, todo o esplendor da marca original.
Às ordens.