Odi profanum vulgus et arceo

31/12/04

keywords: Eu Pedra Amar

subsídios para um títalo

Eu hei-de amar uma pedra de haxe

Eu hei-de amar a Pedra, macacos me mordam

Eu hei-de amar uma perda

Eu hei-de mamar numa pedra

Eu ia fazer não sei o quê a uma coisa qualquer, mas agora não me lembro, porque estou com uma ganda pedra

Eu hei-de amar uma boa merda

Eu hei-de amar uma pedra. Heureka. Urra. Publique-se.

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20/12/04

10
1. B
2. A
3. C
4. E
5. E
6. C
7. A
8. C
9. E
10. D
11. C
12. C
13. B
14. E
15. A
8
16. B
17. A
18. B
19. B
20. B
21. D
22. C
23. D
24. B
25. E

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Dicionário alternativo


Diamante
Cognome de Lady Di (alcunha, entre a família Real inglesa).

Antipatia
Contra-comunicação mental, por oposição a telepatia; vulgo Macário Correia.

Sintoma
Quando alguém pergunta se deve tomar a porcaria de um medicamento qualquer, a resposta é sempre a mesma:
_ Sim. Toma.

Acasalamento
O que diz qualquer imbecil quando sabe que ardeu a casa de alguém:
_ A casa? Lamento.

Clarividente
Resposta típica de jornalista quando é entrevistado:
_ Claro. Evidente.

Catástrofes
O que faz qualquer poeta da treta: cata estrofes.

Esmalte
O que diz o apreciador ao seu copo de Chivas:
_ És malte.

Inspira
O que diz Res, ao seu irmão Ins, quando aparece a bófia:
_ Ins: pira.

Paparoca
O que diz o pai Fuso, à refeição, a sua filhinha Roca:
_ Papa, Roca.

Papagaio
O que se diz em Gaia a um miúdo que não quer comer:
_ Papa, gaio.

Silencioso
O que pretende qualquer pessoa com um mínimo de gosto:
_ Silêncio, só.

Transacção
O que se pergunta no Brasil a qualquer Conceição:
_ Transa, São?

Picada
Os valores 3,14 e uns pozinhos, em qualquer equação.

Rotular
A casa onde vive qualquer roto.

Sopa
O que responde qualquer lisboeta quando lhe perguntam se é democrata:
_ Sou, pá.

Morena
O que diz qualquer lisboeta para o(a) namorado(a), durante uma visita à Joviflor:
_ Mor, ena!

Mormente
O que diz qualquer lisboeta para o(a) namorado(a), durante uma visita à sogra:
_ Mor, mente!

Pomada
O que diz qualquer brasileiro a sua mulher Mada:
_ Pô, Mada.

Salsa
O que diz certo comensal ao seu amigo Sá.

Semear
Como qualquer português deve pagar os impostos: sem miar.

Cereal
Diz-se de qualquer elemento da Casa de Bragança (com sotaque de Setúbal).

Compassiva
Diz-se dos verbos que se não conjugam de forma activa.

Descobridor
Aquele que chegou à sua décima "conquista".

Diligente
A população da capital timorense.

Dimanante
A palavra "diamante", mas mal escrito.

Expedição
O que se pedia mas já não se pede.

Harmónica
O que diz qualquer namorado à sua fogosa namorada Mónica:
_ Ar, Mónica!

Homofonia
Aparelhagem só para bichas.

Homografia
Maneira de escrever ou efeminada ou de "sapatão", conforme os casos.

Antepassado
Acto ou efeito presente.

Mariquice
Beijo de Maria, em Inglês.



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13/12/04

Começar de Novo

(Ivan Lins)

Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado ter me debatido
Ter me machucado ter sobrevivido
Ter virado a mesa ter me conhecido
Ter virado o barco ter me socorrido
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as tuas garras sempre tão seguras
Sem o teu fantasma sem tua moldura
Sem tuas escoras sem o teu domínio
Sem tuas esporas sem o teu fascínio
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena já ter te esquecido
Começar de novo



http://www.navarro.mus.br/letras/letras.php3?Comecar%20de%20novo.txt

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09/12/04

Afinal, o homem até tem piada

(...)
O pai olha para mim, e, apesar do meu ar perplexo, vejo que acaba por concordar com o energúmeno: claro, é preciso perceber isso, os miúdos diante do computador dizem sempre um caralho de vez em quando, pá, isto é assim mesmo, não tem mal nenhum, foda-se. Sinto-me um reaccionário num cybercafé de bairro de classe média. A classe da classe média já mudou, foda-se. Melhor, a tolerância e a pedagogia foderam-na. Estamos fodidos. Desculpem lá.

Aviz

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07/12/04

Caro Dragoscópio, tenha lá santa paciência. Esta coisa é recorrente e vagamente irritante, mas o que se há-de fazer? O amigo draga-me os assuntos, antecipa-se-me nos temas, ou pura e simplesmente é bruxo. Essa é que é essa. E mais uma vez calhou, desta a propósito de nosso Dâmaso Salcede.
Que raio. Mania.
Volta e meia, estou eu posto em sossego, a mais os meus botões, sem chatear ninguém, arquitectando mentalmente os meus "posts", qual deles o mais suculento e genial, respectivamente no conteúdo e na forma, e eis senão quando, à cautela, abro o seu "blog" e lá está: pimba, escarrapachadíssimo, o Drago escreveu primeiro sobre a mesma coisa, sacou-me de novo por adivinhação os planos da pólvora.
Você é bruxo, acredite. Já não é esta a primeira nem segunda, e suponho não será a última. Canudo. Andava eu há uns dias com um textozinho na carola, super catita, posso afiançar, sobre o Dâmasossalcedismo, precisamente, e nem de propósito - lá estava sua não menos brilhante crónica sobre a mesmíssima coisa. Irra. Ganda galo.
Mas enfim, como digo, tenha paciência. Sou absolutamente compelido a desalojar o arrazoado da minha pobre cabeça, para dar lugar a outro, evacuá-lo, por assim dizer, para este papel virtual.
Aguente-se. O tema é o mesmo, o latinório é que nem por isso. Aí fica, portanto, compulsivamente despejado, exactamente como era.



In dubio pro salcede


Dâmaso Salcede é um dos protótipos sociais mais fixos e mais nítidos, de entre a galeria de personagens criadas por Eça de Queirós. Excelentemente acompanhado por figuras de igual, cirúrgica, claríssima estereotipia, como o Conselheiro Acácio, Afonso da Maia, Basílio, o "Príncipe" de Paris ou o próprio alter-ego do autor, João da Ega; entre muitos outros, evidentemente, para sempre cristalizados por Eça como entidades identificadoras de géneros, perfis humanos e sociais: o "dandy", o patriarca, o nobre, o pulha (Palma Cavalão, por exemplo), o lírico empedernido (Alencar), o estafermo no feminino (a criada Juliana), e tantos, tantos outros, produzidos pelo "olho clínico" daquele que será talvez o mais espantoso escritor de Língua portuguesa de todos os tempos. A galeria de tipos queirosianos ou, melhor dizendo, a galeria queirosiana de tipos, não se restringe a estampas escritas que definem e caracterizam determinados tempo e espaço; a Lisboa do séc. XIX é ainda hoje a mesma, em traços largos e no essencial; o ambiente beato de Leiria, ou de qualquer outra cidade de província, permanece um lugar-comum e, como os outros ambientes fixados na obra de Queirós, universal e intemporal.
No entanto, não será abusivo especular que é na personagem Dâmaso Salcede, poltrão, rico e balofo, que se concentra a maior carga caricatural e, por consequência ou por paradoxo, a menor nitidez representativa; talvez seja esta a figura cuja personalidade, por mais discutível, se poderá tornar relativamente frágil, enquanto protótipo, e mais dúbia, enquanto carácter. O estereótipo do "bon vivant", anafado e muito contente de si, frívolo e ignorante, inconveniente mas jovial, não tem a mesma eficácia, o mesmo rigor, a mesma definição inquestionável de muitas das figuras do universo queirosiano. Dâmaso, o "dâmasozinho", representa não apenas a figura do tolo social como também, de forma subtil e nunca expressa, o estereótipo nacional da mediocridade triunfante; será, por conseguinte e apenas nesta medida, um "cromo" absolutamente representativo e actual, mas também passível de discussão e polémica.
É interessante verificar ser esta a única personagem que não sofreu qualquer espécie de modificação entre o original em bruto (A Tragédia da Rua das Flores) e a obra acabada (Os Maias). Irrelevante será agora analisar a bambochata editorial que permitiu a publicação do esboço como se de obra acabada se tratasse e como se fosse coisa distinta daquilo que o autor, mais tarde, reviu, remodelou, reescreveu e por fim publicou, em 1888: o romance Os Maias. Era e é esta a obra, o outro texto não passou de esboço guardado na gaveta, que nunca deveria ter sido publicado em edição regular - a não ser para efeitos de estudo, para quem se interessa pela cultura queirosiana e não para o público em geral.
Ora, precisamente, um estudo comparativo, ainda que superficial, entre esboço e livro, a análise da forma como evoluiu, como se passou de uma coisa a outra, permite concluir que apenas se mantiveram inalteradas duas coisas: a ideia-base original e a personagem Dâmaso Salcede. A Genoveva da Rua das Flores tem muito pouco (ou nada) a ver com a Maria Eduarda d'Os Maias; o Tio Timóteo sobe a Avô Afonso, perde a perna de pau, passa a senhor nobre e antigo; Vítor é agora Carlos, neto e não sobrinho, herdeiro rico e não pobre herdeiro. Tudo, ou quase tudo, muda radicalmente - mesmo o tema central, o incesto - e por fim, mesmo das duas excepções resta apenas uma: Dâmaso Cândido de Salcede. Além do mais, Dâmaso é Cândido... como adjectivo, como o de Voltaire.
O que indicia claramente alguma espécie de estima por parte do autor em relação à desgraçada personagem de apelido vistoso. Talvez alguma comiseração e, quem sabe, um certo carinho por aquele maníaco do "chique", o pobre "corno manso", pacóvio, estúpido, imbecil Dâmaso. A "besta do Dâmaso", pobre diabo, tinha talvez no próprio Eça o único amigo sincero, dele recebia em exclusivo um pouco de piedade, ao menos, ou, não sendo isso possível, nota-se-lhe na escrita, aqui e ali, um módico de caridade... cristã ou outra. Dâmaso representa, de facto, o que de pior se pode encontrar num ser humano - a cobardia, a vacuidade, a estupidez - mas tem em sua defesa, até por inerência de condição social, o ferrete da ignorância total, absoluta, esmagadora. Ao Dâmaso nunca poderia ocorrer o que o Dâmaso é, pela simples razão de que nenhum imbecil sabe que é um imbecil (se o soubesse, não o seria) como, de resto, ninguém tem perfeita consciência daquilo que é na realidade.
A figura concentra, em doses industriais, o que de mais odioso existe em cada um de nós, as características com as quais ninguém se identifica, tudo o que a decência manda se rejeite, o que a vergonha obriga a que se recuse. É facílimo bater no Dâmaso, como em qualquer fantasma, porque o Dâmaso não se defende; não sabe como; desconhece outra coisa que não seja o ataque soez, a maledicência, o disfarce. Quanto mais fala e faz, mais se "enterra". A forma canalha como toda a gente o explora indecentemente, a começar pelos próprios "heróis" da trama, Genoveva/Maria Eduarda e Vítor/Carlos, é um indício de que o autor nutre alguma simpatia pela personagem; não sendo nem de longe impolutos, os "heróis" e todos os outros, e não sendo eles próprios nenhuns modelos de virtude, pelas permanentes diatribes de Dâmaso perpassa um rasto de exorcismo, como se Eça concentrasse nele toda a raiva do universo, mas como se dissesse também aos seus leitores "coitado do Dâmaso, pobre diabo, não lhe batam mais, já chega". Uma espécie de mensagem subliminar, cristã, bíblica: perdoai-lhe, porque ele não sabe o que faz.
Não ter coragem, não ter inteligência, não ter cultura, são coisas que valem tanto como não ter qualquer resquício de beleza física; a estupidez, a ignorância e a cobardia são características do ser humano tão alteráveis, corrigíveis ou modificáveis como ter nascido sem orelhas ou com o nariz na testa. Não existe cirurgia estética, muito menos de valores, para o carácter. Um imbecil é perfeitamente inocente daquilo que a sua estupidez ocasiona; pode-se ser pessoa "portadora de deficiência" da personalidade, das conveniências, ou daquilo a que se convencionou chamar "normalidade", como se pode carregar cegueira ou paralisia, por exemplo. Não há culpados, apenas vítimas.
Coitado do Dâmaso. Dar bengaladas no Dâmaso é uma cobardia. Ter pena dele já é castigo suficiente.

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02/12/04

John Doe, serial smoker

A true story
My name is John. John Doe. I'm a serial smoker.
I was 7 years old when I had my first smoke. Well, it was a simple joke, back then. The real urge to smoke started a few years later, on my early twelve. Could never stop doing it ever since.

A não perder, a estreia deste excelente filme: no Cinema Condes, amanhã, 6ª Feira 3, às 21:00 horas.

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25/11/04

Muro de Silêncio

É por isso que não vejo qualquer beleza naquilo a que os humanos chamam amor. Lá fora, existe sempre - mais tarde ou mais cedo - o ruído, essa coisa ignóbil que derruba tudo em volta, quanto mais não seja com a decepção das palavras, pelo arbítrio das coisas ditas. Para cá deste muro, não existem nem amantes nem amor; e ele protege do ruído lá fora, dos sons, roucos ou estridentes, sempre contrários ao equilíbrio natural das coisas.

Aqui dentro não há disso a que os humanos chamam amor. Todas as minhas horas são iguais aos vossos pôr-do-sol e nascer do dia, as duas únicas em que vos é dado saborear um pouco de paz, aquelas em que vos é possível, se é possível a algum de vós, provar a quietude total, entrever o mundo em sossego, vislumbrar o paraíso em toda a sua glória. Vocês têm apenas essas duas horas, todos os dias, mas eu tenho as horas todas, todos os dias. Deste lado, os pássaros também cantam, mas raramente e em perfeita harmonia; a água corre e sussurra, mas docemente; o vento sopra, mas suavemente. Aqui é sempre Inverno e Verão ao mesmo tempo, e o ano é sempre o mesmo.

Não há aqui sequer linguagem, para não se cair na tentação e sujar o ar e a água e as árvores e a poeira dos caminhos. Ninguém aqui sabe falar mas toda a gente se entende, porque não é necessário nada senão aquilo que existe ou o que se pode fazer.

Aquilo a que os humanos chamam amor não faz qualquer sentido do lado de dentro deste muro de silêncio. Construí-o com as minhas mãos, pedra sobre pedra, em círculo, a toda a volta aquilo que me agrada. Todos os dias coloco mais uma fiada no muro e, cada vez mais perto do céu, são já muito poucos os sons que ainda vou ouvindo, e cada vez mais raramente.

É por isso. Não me peças que te oiça ou que entenda aquilo que dizes.


10 de Março 2001

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20/11/04

Máquina de ladrar

au au-au au au-au-au-au-au-au
bau
au-au-au-au
au-au-au-au au-au-au-au au-au-au-au bau
au au
au
bau bau
bau
au-au-au-auau-au-au-au-au-au-au-au-au-au-au-auau-au-au-au
au-au-au-au-au-au-au-au-au-au-au-auau-au-au-auau-au-au-auau-au-au-au
au-au-au-au-au-au-au-au-au-au-au-auau-au-au-auau-au
arf
bau
au
au-au-au bau
bau
uin uin uin
au-au-au-au-auau-au-au-auau-au-au
au-au-au-au-auau-au-au-auau-au-auau-au-au-au-auau-au-au-auau-au-au
au-au-au-au-auau-au-au-auau-au-au bau arf
au
bau


Maldito cachorro.
Existem, em todo o Mundo, 600 milhões de máquinas de ladrar. 600.000.000 máquinas de cagar passeios. Sacos de pulgas, com seiscentos milhões de diabos.
Também quero um. Serra da Estrela.
Depois de devidamente tratado por um técnico de taxidermia. Empalhado.

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18/11/04

Lisboa, 18 de Novembro de 2004

Assunto: SG Filtro; dialdrina; prova de vida

C/C Philip Morris International, USA



Exma. Administração da Tabaqueira S.A.,

Serve a presente para, por um lado, solicitar a V.Exªs um esclarecimento e, por outro, para manifestar o meu repúdio quanto às recentes notícias (ou boatos, conforme a perspectiva) postas a circular sobre matérias cancerígenas no tabaco.

Sou um fumador inveterado, nunca na vida tentei largar o "vício" e por isso confesso, em resumo, que já me começa a chatear à brava esta coisa do fundamentalismo anti-tabagista. Não suporto os imãs da "causa", tipo Hillary Clinton, com os seus paus-mandados locais, primeiros-ministros e Presidentes e até Reis incluídos; já existem mesmo regimes profundamente anti-tabagistas, como é o caso da chamada democracia; a democracia não fuma, ao contrário da República original, a de 1759, que escondia beatas no barrete, como todos sabemos. E se a coisa já chegou tão longe, aos recessos ministeriais e aos passos-perdidos parlamentares, ainda por cima temos que levar com os puristas da treta em todos os patamares da coisa pública, desde chefes de repartição a presidentes da câmara fajutos, dos quais o de Tavira, Macário Correia, é expoente e referência máxima.

Ora, tudo isto é muito triste, para não dizer deprimente, se tomarmos aquela macabra correia de transmissão da imbecilidade dominante como paradigma e exemplo do que nos espera, muito provavelmente, se deixarmos de fumar. Eu não quero ficar parecido com o Macário Correia, vou já declarando por extenso. Se aquilo é um exemplo de vida "saudável", eu quero continuar extremamente doentio. Prefiro de longe que uma gaja qualquer julgue estar lambendo um cinzeiro, quando me beija, do que pense estar lambendo o Macário Correia - longe vá o agoiro. Prefiro a morte dolorosa provocada pelo cancro do pulmão do que levar uma vida inteira, e comprida, de pungente estupidez.

Perdoe-se-me, Exma. Administração, a deambulação tergiversante em volta do fenómeno. Com tudo isto, e tendo por mim apenas a compreensível irritação que estas coisas provocam, lá me desviei do tema central. O qual era, por um lado, um esclarecimento e, por outro, um repúdio. A propósito, esta faz-me lembrar aquela do Herman, não sei se V. Exªs conhecem, vai um gajo ao médico e diz que lhe dói o peito. "O senhor fuma?", pergunta este. "Fumo sim, setor", diz o doente. "Pois", responde o médico, "mas olhe que o tabaco, se por um lado lhe dá prazer, por outro lado faz-lhe muito mal à saúde". E responde o fumador: "Pois, setor, mas eu cá nunca fumo pelo outro lado!".

Ahahahah. E com esta lá me desviei outra vez. Mas que tem sua piada, lá isso tem, V.Exªs não acham?

Bom. Voltemos então à vaca fria, salvo seja.

Sobre o esclarecimento, era o seguinte: gostaria de saber, em concreto, qual é a substância química menos tóxica no tabaco. Ou melhor perguntado: existe alguma substância química inócua, na composição do tabaco?

Pronto, quanto a esclarecimento era isto. Gostava de saber, pronto. É aborrecido morrer na ignorância. Dantes até havia uns cigarros de mentol, era a marca preferida pelas putas, perdoarão V.Exªs, dizia-se que dava mais tesão. Pessoalmente não sei, nunca tive precisão, mas ao menos o mentol devia fazer optimamente, acho muito bem esgalhado, a gente desentupia os brônquios enquanto fumava, olha que giro, vá-se lá saber porque diabo acabaram com isso.

Então, para despachar o outro assunto, o do repúdio, abreviemos.

Venho repudiar, junto de V.Exªs, veemente e completamente, as recentes notícias propaladas por jornais e rádios de muito má pinta sobre a presença de um veneno qualquer nos cigarros da marca SG Filtro. Repudio e volto a repudiar. Que os pariu, Excias. Podem mandar umas bojardas sobre aquilo que entenderem, esses ranhosos de merda, mas o SG Filtro não. Fumo SG Filtro há mais de 25 anos. O SG Filtro é meu amigo do peito, passe a redundância; trago-o sempre junto ao coração, passe a redondância. Senhores e senhoras da seita saudável, tirem as patas do meu querido SG Filtro. Ai tem dialdrina, ou lá o que é? Um caralhinho que vos foda, mas é. Qual dialdrina, qual cacete. Se aquilo é um pesticida, eu fumo pesticida há quase trinta anos, ó cambada de mentecaptos.Tóinos. Xóninhas.

Não será dialdrabice? Hem? Que vos parece a vós outros, aí na Philip Morris? Não era de os mandar a todos para o caralho mais velho? Não acham V.Exªs que estamos perante um mais do que evidente caso, de intoxicação sim, mas informativa? Olha que caralho! Então eu fumo veneno desde os tempos do Preparatório e ainda não morri de morte macaca?

No fundo, a questão está em não apenas repudiar esta e outras alarvidades do género como em procurar esclarecimentos, também, junto dos cientistas da corda, primos do Professor Pardal, que são capazes de parir tais merdas. 1º esclarecimento: quantos anos é preciso viver para se ser considerado "saudável"? Algum de vocês, seus moinantes, é maior de 150? Não fumar equivale, muito, pouco ou nada, à figura bíblica de "vida eterna"? Quando absolutamente ninguém no mundo estiver agarrado à nicotina, fecham todos os hospitais? Acaba-se a doença em geral e a morte em particular? Um fumador que chegue aos 70, ou 80, ou mais ainda, é o quê, um criminoso, suicida, desleixado, sádico, masoquista? Ou o que caralho? Um velho fumador não pode vir a ser um fumador velho? E, mesmo assim, tem de largar o vício, à força, mesmo que não queira? Para quê? Para chegar a muito velho, a velhíssimo? Para ser o mais saudável do cemitério?

Uff. Macacos me mordam. Perdoe-se-me o desabafo. Estou com eles por aqui, mai-la dialdrina. Mas já me sinto melhor, depois deste supracitado repúdio, esdruxulamente exarado. Isso e uns quantos cigarritos da minha marca, igualmente referida, e eis-me revigorado, pronto a continuar incomodando V.Exªs, a quem rogo me perdoem o arrazoado e uma ou outra caralhadazita que possa ter escapado.

E , de resto, apenas para concluir. Gostaria ainda de aproveitar a boleia electrónica para sugerir criassem V.Exªs um abaixo-assinado, à escala mundial, que subscreverei de imediato, no sentido de que venham a ser consignados em forma de Lei os direitos dos fumadores; estou absolutamente convicto de que, pelo andar da carruagem, esta espécie em vias de extinção está mais precisada de protecção legal do que bichos como o diabo da Tasmânia, o lince da Malcata ou o caracol de Maupassant(*). Há que tomar medidas, lutar contra o assédio politicamente correcto e contra a perseguição sistemática; há que romper o cerco, contribuir para desanuviar o ambiente anti-tabagista, dissipar os ares inquinados pelo fundamentalismo; em suma, há que fazer alguma coisa antes que a espécie realmente desapareça da face da Terra. Um abaixo-assinado, aberto a fumadores e a não-fumadores, teria ao menos o impacto suficiente, na opinião pública mundial, para que os governantes de cada país, por esse mundo fora, se apercebam de que podiam ter bastantes mais assuntos com que se entreter, além do cigarrito: por exemplo, a fome, a ignorância, a guerra, o terrorismo, a violência em geral.

E assim concluo mesmo, na expectativa de que não tenha sido excessivamente maçador, e antecipando os maiores agradecimentos pela v/ futura, amável resposta.

Despeço-me, apresentando os melhores cumprimentos e sinceros desejos de que tudo corra a V.Exªs pelo melhor. Saúde.

Respeitosamente,

Zero Zero Um




(*) esta espécie não existe, acabei de a inventar, acho que fica bem junto aos outros dois e, além disso, porque não, bem podia ser a primeira espécie ameaçada de extinção a ser protegida antes mesmo de nascer o primeiro exemplar.

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O estilista Armari


Foi recentemente condecorado com uma medalha qualquéri.
Luís Figo usa roupa dele, é aquela que preféri.
Para um porteiro, se o cliente aparece de camisinha Armari, pode entrári.
Eu cá visto Armari, porque sou um gajo de confiári.
Existe muito disso à venda, na Feira de Carcavelos, venha ver freguesa, pode experimentári.
Se é Armari, é de confiança, não há que enganári.
Quem desdenha, quer comprári.
Pessoa de bom gosto não diz que usa Armari, mas faz questão de mostrári.
Há quem diga que é uma boa merda, mas isso é puro invejári.



Cartoon de Bandeira, publicação Diário de Notícias
Estas rimas singelas são candidatas ao Campeonato Nacional(*) de Língua Portuguesa, na modalidade versejári.

(*) Se é nacional, não podem concorrer brasileiros, angolanos, moçambicanos, guineenses, caboverdianos, sãotomenhos e timorenses.

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17/11/04

Conjugações "pós"-modernas


Verbo não ter tempo

Eu não tenho tempo para ti
Tu não tens tempo para mim
Ele não tem tempo para ela
Ela não tem tempo para ele
Nós não temos tempo para tudo
Vós não tendes tempo para nada
Eles não têm tempo sequer
Elas não têm sequer tempo

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Namastê!


You Are a Pundit Blogger!

Your blog is smart, insightful, and always a quality read.
Truly appreciated by many, surpassed by only a few
.

pundit: s. pândita, título concedido aos indianos versados no sânscrito, religião, filosofia, jurisprudência, etc.; (joc.) professor muito instruído, pontífice das letras.

Visto no 100nada, que viu no Adufe, que viu no Contrafactos, que deve ter visto algures.
Gargalhadas de Goldensurf.

(o gajo do boneco não sou eu; eu não sou canhoto)

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16/11/04

Respostas e adendas aos enigmas


1. O blog No Parapeito foi apagado, ao contrário do que se diz em post anterior, porque os respectivos conteúdos vão para publicação em forma de livro. Para quem quiser, alguns desses preciosos conteúdos ainda podem ser encontrados aqui. Parabéns à autora.

A propósito, e pela enésima vez o repito, os textos do blog O Meu Pipi ainda estão acessíveis na net: há AQUI uma data de links. Aquela Wayback Machine é uma pequena maravilha, e o "cache" da Google também.

2. O "jingle" publicitário da cerveja Sagres preta ("para uma esmagadora minoria"), conforme provado e comprovado AQUI, foi plagiado... daqui mesmo.

3. O autor do texto publicado no dia 19 de Outubro é Adolf Hitler, no livro Mein Kampf. Das nenhumas respostas recebidas, ninguém acertou.


4. O "post" do dia 31 de Outubro, com uma data de letras e números, continha a chave de respostas ao dificílimo teste de acesso ao Campeonato de Língua Portuguesa. Até ver, estavam (e estão) correctas, as respostas. Chavezinha catita, que teve umas dezenas de acessos antes do prazo limite. Seus copiões.



Ázordes.

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13/11/04

O estetoscópio no pescoço


Extractos de uma carta endereçada pelo Médico Alfredo Vieira a João Tilly:
(...)
A dor de garganta é uma urgência? A constipação é uma urgência? A diarreia aguda é uma urgência? A bebedeira é uma urgência? As borbulhas que apareceram no corpo são urgências? A febre que apareceu hoje é uma urgência? Estamos a falar de muito mais de 50% das situações que afluem aos serviços de Urgência. E têm que ser todos vistos, até se provar não se tratar, de facto, de uma urgência, a não ser que se decida acusar os médicos de não serem também adivinhos. O que era, em suma, o que o médico generalista (repito: um especialista que estudou 23 anos para chegar lá) deveria ter feito, se a pessoa tivesse a ele recorrido, e se ele existisse. Há um AVC em nº5 da lista de espera? Espera. Um enfarte agudo do miocárdio em nº9? Espera. Um abdómen agudo em 16º? Espera. Espera pelas borbulhas, febres, dores de garganta.... Se entretanto entrarem em paragem cárdio-respiratória, entram logo num rebuliço, mas geralmente já é tarde. E esses casos realmente urgentes também têm que ser tratados, não da forma ideal, mas da forma possível, ao mesmo tempo que o médico continua a ver as dores de garganta e as febres, dispensando mais ou menos atenção, conforme a sua maior ou menor perícia, a eles nos "intervalos". Com carência de estruturas físicas, de meios de diagnóstico e tratamento, de recursos humanos.(...)

(...)Nas urgências temos, de forma criminosamente legislada, médicos de serviço durante um mínimo de 24 horas seguidas por semana, 47 semanas por ano (já descontadas as férias)? Nesta situação está a esmagadora maioria. Esperam concentração para o vosso caso em particular, entre 50 mais ou menos graves que ele teve/terá que ver? Depois de 12 horas de serviço? Depois de 18? Esperam que ele não erre? Esperam simpatia? Depois de 3 toxicodependentes lhe terem feito choradinhos para lhes serem prescritos uns ansiolíticos nos intervalos das doses? Depois de uns quantos bêbados os terem ameaçado quando lhes foi transmitida a circunstância das suas situações não serem urgentes? Depois de um par de familiares desgastados pelos avós, que não estão em lares por falta de dinheiro, lhes terem tentado impingir um internamento em regime de hotelaria com base em queixas virtuais, chantageando com os óbvios maus tratos e falta de cuidados com que vitimizam os idosos inocentes? E tantas outras situações, tantas, que suas excelências, do alto das suas sabedorias e sentenças, nem conceber conseguem, visto nunca terem na vida estado tão perto do lado mais carente, mais decadente, menos educado, menos compreensivo e mais agressivo da sociedade que ignoram.(...)


Vai já longa, extremada e, pontualmente, um pouco deselegante (para utilizar um qualificativo inócuo), a polémica em torno do acto médico em geral e das urgências hospitalares em concreto. Sugere-se a leitura integral da referida carta e dos comentários que os visitantes vão fazendo, sobre o assunto, naquele blog.

Porque ali se citam alguns casos particulares, alguns deles terríveis, reflectindo más práticas ou graves deficiências no sistema, parece-me não ser arrogância minha se citar mais um, em jeito de achega. Não o faço na caixa de comentários do blog de João Tilly porque, pelos vistos, existe ali um limite rígido para o tamanho do texto e, sinceramente, nem sempre a capacidade de síntese é o meu forte.

Aqui há uns anos, era uma 4ª Feira, acordei de supetão, agarrado ao flanco, com a nítida e excruciante sensação de que me tinham espetado uma faca nas costas; vá-se lá saber porquê, após alguns minutos notei que não conseguia articular som algum, nem uma palavrinha nem um simples ai, porque simplesmente tinha parado de respirar; não sei quanto tempo aquilo durou, mas posso afiançar que não é nada agradável estar vivo e consciente enquanto não entra nem sai nada de e para os pulmões. Por fim, evidentemente, voltei a respirar (estou aqui a contar a história, não é?), primeiro muito "de fininho", depois arquejando como os cachorros.

Abreviando e saltando já uma data de capítulos: na 5ª Feira, um médico de clínica geral, após um estranhíssimo exame (virando de perfil, depois dobrando para a frente, braços em cruz, coisas assim), diagnosticou "nevralgia intercostal". Lembro-me perfeitamente deste médico, porque tinha (e tem, ainda lá está, no mesmo consultório) de nome o mesmo que o estádio de uma equipa que está agora na III Divisão nacional. Um apelido e uma divisão perfeitamente adequados a ambos, clube e médico. Fui aviado com um medicamento chamado Nimed, e chuta pra cá sete continhos.

Desconfiado porque a coisa não melhorava, no dia seguinte - 6ª Feira, por conseguinte - consultei um pneumologista (12 notas de mil). Contado e recontado o episódio, comecei a sentir-me um pouco apreensivo quando o Doutor se levantou e se pôs a fazer-me palpação dos gânglios linfáticos.

_ Fuma?
_ Dois, três maços.
_ Há quanto tempo?
_ Vinte e tal anos.

Seguiu-se a trivial via-sacra das "análzes" a isto e àquilo, mais as radiografias da ordem. Houve um episódio curioso, na sala de espera do RX. Em 99,9% dos casos, as pessoas esperam, são chamadas, tiram "a chapa", voltam à sala de espera e, uns minutos depois, são de novo chamadas pelo nome e é-lhes entregue um envelope, acompanhado com a fórmula "bem, pode ir, boa tarde". E pronto, tirar radiografias é isto. Mas comigo, daquela vez, reparei que já tinham saído muitas pessoas que tinham chegado depois de mim. Mas que raio?! Perderam as minhas "chapas"?

Finalmente, aparece uma senhora de óculos, que pergunta, com um ar bastante esquisito: "quem é Fulano de Tal"?. Como um puto na escola, levantei o dedo. Venha comigo, diz ela. Canudo. O que diabo se passa?

A senhora dos óculos aponta-me uma radiografia encaixada naquela coisa que tem luz por dentro. "Ora então, diga-me lá: o que é isto?" E apontava uma mancha branca, do tamanho de uma mão aberta, na parte inferior daquilo que devia ser o meu pulmão direito. Sei lá bem o que é isso, disse eu. Diga-me a senhora o que é!

Das duas uma: ou pensou que eu era um perfeito idiota ou que estava a gozar com ela. "O seu médico é perto? Ah, é já ali. Pronto. Então leve isto, vá lá, mas vá já, não leva relatório nem nada, o Doutor vai logo ver o que é e diz-lhe. Não. Não insista, não me compete a mim dizer-lhe, eu não sou médica, o sôtor que lhe diga. Vá lá. Depressinha. Adeus. Boa sorte."

Mau mau mau. Uma nevralgia intercostal faz buracos nos pulmões?

_ Xôtor, trago aqui o raio X e as análises.
_ Sente-se aí.
(clic, chapa no vidro com luz)
_ Heixe!
_ Como?
_ Tchh.
_ ...
_ Ó amigo, olhe, eu não sou de meias-tintas e nem gosto nada de encanar a perna à rã, como se costuma dizer. Vou-lhe dizer a minha opinião, já, e esteja absolutamente à vontade para consultar quem entender, pedir uma segunda opinião, ou terceira, ou as que quiser. O que o senhor tem é uma neoplasia. Noventa e nove por cento de probabilidades. Há ainda uma hipótese, remota, mas enfim; pode ser que seja um derrame organizado. Ou pode ser que seja benigno. Nunca se sabe. Quer que lhe explique?

Queria, claro que queria. O homem puxou de umas folhas e começou a fazer desenhos, as pleuras (eu sabia lá que a gente tem duas e não uma), o que acontece quando um tumor se começa a desenvolver, se for ali, ali, ou ali; as diferenças entre os tipos de tumores, o que é uma massa consolidada.

Havia uma esperança, uma boa esperança, excelente, de um por cento, de que a coisa fosse o tal derrame organizado. E, atendendo ao meu estatuto de veterano em SG Filtro, uns 10 ou mesmo 20% de que, a ser neoplasia, não fosse tumor cancerígeno. Até podia ser que, se acertasse no totoloto (os tais 1% do derrame organizado), não fosse necessário abrir-me o "capot"; vazava-se a coisa com umas sondas e umas punções. O excelente pneumologista despediu-me com as seguintes aligeirantes, animadoras palavras:

_ Se for derrame, não se esqueça de fazer o totoloto, porque é sinal de que você anda com uma sorte dos diabos.

Pois, era exactamente como eu me sentia, o tipo mais sortudo do mundo. Um felizardo. Foi assim que passei aquele fim-de-semana: todo contente, como é fácil imaginar.

Não esquecendo que estas chatices, como as avarias nos automóveis, apenas sucedem às 6ªs Feiras, e que, em Portugal, nada funciona senão no primeiro "dia útil" seguinte, na 2ª lá fui fazer a TAC (tomografia axial computorizada). O director lá daquela coisa, provavelmente avisado, fez questão de vir pessoalmente dar a notícia: derrame, nada de grave.

Ora bem. Eu, que nunca tinha feito mais do que um mísero "4", acabava de ganhar o totoloto, a lotaria e o acumulado do bingo, tudo junto e a pronto, livre de impostos.

Capítulo CXII: as punções não resultaram. Fui internado no serviço de "cardiorrespiratórias" (acho que é assim que se designa) do Hospital de Santa Maria e operado no dia seguinte.

O que dizer do que vi? Excelente, é pouco. Lembro-me de entrar na "sala de preparação" (também acho que é assim que se diz) como quem entra num filme; da sala de cirurgia, enquanto me enfiavam uns tubos e umas mangueiras, chegava-me um som celestial, pareceu-me Mozart; à minha volta, não sei quantas pessoas atarefavam-se em silêncio, cada qual sabendo perfeitamente o que fazer. Trabalho de equipa na perfeição, equipamento pronto e reluzindo, aparelhos e instrumentos por todo o lado, numa ordem quase marcial. Tudo em volta ressumava competência e profissionalismo. Naqueles breves instantes, ou por causa da anestesia que já ia fazendo efeito ou fosse pelo que fosse, senti um imenso orgulho em ser Português.

_ Isto é tudo por minha causa?
_ É. É tudo para si.
_ Que giro.
_ Olhe. Agora vou-lhe pôr esta máscara, vai sentir um fresquinho, deixe estar; vê? É bom, não é? Agora vou contar de 10 para trás. Sossegue. Oiça. Dez nove oito sete seis cin...

Estou vivo e fumando de novo. Dois diagnósticos errados depois, se bem que um deles apenas estivesse 99% errado. O primeiro poder-me-ia ter custado a vida. De facto, aquele clínico geral com nome de estádio deve ser uma perfeita besta. Ou estava bêbedo, ou gostava de ginástica. Tanto faz. O pneumologista estava apenas 99% enganado, mas também estava 1% certo. E foi ele, o médico e não a percentagem, quem me salvou a vida. Com todos estes incidentes de percurso, ainda assim, tive - por via desta série de azares - a insubstituível sorte de conhecer o sistema nacional de saúde (SNS) por dentro, de conhecer verdadeiros profissionais de saúde e de, principalmente, ficar a saber que um e outros funcionam perfeitamente. Como doador de sangue, não paguei nem um tostão pela operação, da ridicularia que é cobrada pelo Estado português numa intervenção cirúrgica deste calibre - a qualquer cidadão, em quaisquer circunstâncias.

Claro que trocaria toda esta sorte que tive por um murro nos dentes, ou por um valente soco no estômago, mas, ainda assim, parece-me que sempre é melhor poder emitir uma opinião a respeito (seja do que for) tendo conhecimento de causa do que não o tendo. E não é tomando, como se costuma dizer, a árvore pela floresta, que se pode fazer (ou ter) qualquer espécie de juízo: sobre os outros ou sobre nós mesmos. E é claro também que, a respeito dos casos terríveis de má prática médica, aqueles que são referidos nos comentários do blog de João Tilly ou quaisquer outros, existem apenas duas opções, ou acções concomitantes: por um lado, o mais absoluto e respeitoso silêncio; por outro, a óbvia e cívica exigência de que sejam apuradas responsabilidades e accionados os meios de punição legais.

Contudo, sempre me irritaram profundamente as lúdicas actividades, tão em voga no nosso país, da caça ao quadro e do tiro ao profissional qualificado. Ou seja, a perseguição sistemática e insidiosa a médicos, professores, enfermeiros, engenheiros, arquitectos, juízes, advogados e mesmo, de forma mais generalizante, a intelectuais ou pessoas do saber, como historiadores, cronistas, investigadores, academistas, etc. É uma moda surgida no PREC e que perdura ainda hoje, com outras roupagens e motivações, mas de igual forma assanhada, persistente, violenta, instituída e instilada de forma vertical no tecido social português. De toda a anódina massa de "privilegiados", os alvos mais comuns - provavelmente pelo seu número e pela maior proximidade - são os médicos e os professores; em Portugal, uns e outros são tidos geralmente por, abreviando um longo rol de mimos, grandessíssimas "bestas"; se é médico ou professor, é um cretino da pior espécie. A coisa, para os médicos, é um pedaço mais pesada, porque lidam não com saberes e competências mas com a saúde e o bem-estar ou, em última análise, com a própria vida; se os professores são, em grande parte responsáveis pelo futuro, os médicos lidam com o presente e podem, com as ferramentas de que dispõem, determinar se este ou aquele terá ou não futuro. Em suma, as coisas são diferentes para ambos os tipos de bata branca mas é aos profissionais de saúde que, por maioria de razões, toca o pior bocado.

Desde miúdo, sempre senti uma tremenda admiração pelas pessoas que trabalham com a doença, com a deformação e a malformação, com a dor e com a morte. É uma prova de que Deus existe, haver quem trate dos outros, haver quem saiba fazer uma simples tala ou abrir um ser humano, mexer lá dentro, coser tudo outra vez. Ou quem saiba mudar um penso, suturar uma facada, reencaixar partes desenculatradas, anestesiar sem ser para sempre, diagnosticar apenas com os olhos, os ouvidos e as mãos. Ainda mais espantoso quando muitas das pessoas que fazem tudo isto e muito mais o fazem por gosto, algumas com verdadeira devoção, sem nunca lhes ocorrer mudar para qualquer outro modo de vida.

Os médicos erram tanto como eu ou como qualquer outra pessoa, seja em que profissão for. Mesmo dando de barato que nenhum de nós, outros, tem nas suas mãos o saber e o poder de dar o alívio, a cura ou a própria vida a perfeitos desconhecidos. Se existem provas para condenar um médico, condene-se esse médico - não os outros. Crucificar é fácil, e atirar pedras também. Mas não serve para nada, nem ajuda ninguém.



(A propósito, e também como interveniente na polémica, veja-se o "post" do blog GinTónico sobre erro médico, e um outro concretamente sobre a polémica entre João Tilly e Alfredo Vieira)

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12/11/04

Vê se te avias


Foram muito engraçadas as reacções à breve, modesta, superficial, anterior análise ao fenómeno do sucesso bloguístico. Não fazia a mais pequena ideia de que a coisa iria ser lida, fosse por quem fosse além dos três indefectíveis do costume, quanto mais que espoletasse qualquer espécie de reacção. Pelos vistos, escrever sobre blogs, aquilo a que se chama metabloguismo, é que está a dar; mal acomparado, este metabloguismo funciona como um conjunto de espelhos, jogando imagens entre si e entrecruzando garatujas; os autores mencionados revêem-se no reflexo que lhes é devolvido, mas este já vem um pouco esborratado, como se alguém tivesse escrito recados, a traço grosso, na superfície do espelho. Em suma, foi muito divertido ler o que se escreveu sobre o assunto. A venerável Rititi e a respeitável 100nada (ou vice-versa, serão a mesma pessoa?), de entre os citados, é que não tugiram nem mugiram, a respeito, e fizeram muito bem; isto não há que dar cúnfia a anónimos, invejosos, provocadores e mal vestidos, ainda por cima. Além disso, fica sempre bem dar ao desprezo aquilo que apenas merece indiferença, tem seu chique não passar cartão e, sejamos sérios, a troca de mimos poderia ficar feia - caso elas (ou ela) tivessem (ou tivesse) entendido aquelas irrelevantes especulações.

De toda a maneira, e para que não subsistam equívocos, será bom declarar aqui expressamente, ou repetir, que é de saudar todos e cada um dos casos de sucesso blogosférico: que muitos mais aconteçam, que sejam aproveitados para mais e mais colunas de jornais e programas de TV; como se dizia nos velhos tempos, a blogação deve avançar a todo o vapor, que mil blogstars floresçam!

Como então vaticinado, em apenas três dias mais dois blogs saltaram para a pantalha mediática: o Barnabé e o Outro Lado da Lua. Ora, cá está: muitos parabéns! De novo, e sem quaisquer ironias, por extenso: muitos parabéns!

Se bem que já existam alguns blogs de barba rija, por assim dizer, isto é, com os quais ou com os autores dos quais não é muito conveniente a gente "meter-se", não será propriamente o caso destes dois nem dos anteriormente referidos. Uns e outros, pois com certeza, gente de educação e fino trato que aceita perfeitamente e de ânimo leve a projecção e relevância que vêm por definição anexas à mediatização. No fundo, saltar de um simples blog para uma qualquer forma de comunicação mediática e/ou de massas, equivale a perder (em conjunto com o anonimato e a modéstia) a virgindade na identidade; ou seja, concretizando, se um até então desconhecido e porventura obscuro autor de blog é convidado a escrever ou a falar num órgão de comunicação social, a partir desse momento acaba-se-lhe também o sossego, destrói-se-lhe a privacidade, definha-se-lhe a obscuridade e, numa palavra, passa a ser um conhecido. Ou seja, ainda, a partir do momento em que se cristaliza em figura pública, é tu cá tu lá com o público, essa broca pneumática dos costumes, essa massa crítica inexorável.

Geralmente, as figuras públicas, principalmente as de vão-de-escada, não estão preparadas para o serem. Não tarda nada começam a ter saudades terríveis dos bons tempos em que podiam dizer e escrever asneiras à vontade. Uma coisa é escrever umas larachas num blog XPTO, cheio de amigos e de comentários, outra bem diferente é escrever, mesmo que as mesmíssimas larachas, numa qualquer folha de couve nacional. A coisa pode tornar-se bestialmente maçadora, como já se terão dado conta alguns dos recém notáveis bloguistas. De resto, isso é atestado pelo fenómeno inverso, figuras públicas e cronistas a sério que se refugiam, anonimamente, num blog qualquer: buscam um sítio pacato onde possam escrever o que lhes der na real gana, sem a pressão do mediatismo em geral e dos chatos em particular; existem bastantes casos deste fluxo inverso (dos media para os blogs), aos quais deve ser concedida toda a camaradagem, por exemplo não lhes descobrindo a careca; excepção feita, é claro, ao omnipresente Abrupto.

Existem, de facto, pessoas que escrevem maravilhosamente, em forma de blog. Dos ainda assim mais conhecidos, mais antigos, e apenas por exemplo: o Dragoscópio, que ameaça fechar (ó amigo, por favor, não faça isso; olhe, a gente finge que não leu, apague lá o "post" e não se fala mais nisso); o Azul Cobalto, minimalista no aspecto mas com alma escrita e descrita; o Galatea, ainda mais minimalista do que o antecedente, no grafismo, mas igualmente escorreito, sincero e despretensioso; o mesmo valendo para o My Moleskine (este já foi apagado, é pena, mas parece coisa irreversível). Em comum, têm o excelente Português, requisito primeiro (e segundo e último) para a eficácia comunicativa, se não literária; têm também em comum o facto de não apenas dominarem a Língua como, fenómeno cada vez mais raro, a utilizarem para veicular algo de novo. Não plagiam e não intrigam. Têm, por fim, em comum a coragem de escrever sem qualquer objectivo em especial, sem caganças metafóricas mas com elegância. E pertencem ao restrito grupo dos "sem-amigo", ou seja, àquela minoria que não será sequer lida por qualquer espécie de caçadores de talentos - os quais, de resto, não existem em Portugal, pelo que podemos estar sossegados quanto a isso. Em resumo, são dos poucos não vendáveis, ou dos que não se vendem - nem a contadores nem a comentadores.

Mas quem sou eu para dizer quem sabe escrever e quem não sabe? Hem, ó caramelo, quem te julgas tu?

Pois. Ora aí estão duas boas perguntas.

E, de resto o que tenho eu a ver com tudo isto? Nada. Quem me chamou para a conversa? Ninguém. Alguém me pediu para dar palpites? Não.

Rabisquei estas amáveis coisas porque li hoje, de novo, a crónica de Sónia Morais Santos, no DNA. Achei que tinha tudo a ver. O título deste postzito é, de resto, o da coluna que ela assina, todas as 6ªs Feiras. E alembrou-se-me, como sempre às 6ªs Feiras, que aquela autora podia ter um blog. Podia e devia. Ou, se calhar, já tem. Só não sei é qual deles.

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11/11/04

Tirar um coelho da car(t)ola


Sent: Saturday, November 06, 2004 9:58 PM
Subject: Literatura é Aqui

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10/11/04

A.L.A. e as frasezinhas lapidares

Tenho a maior sensação de que não sou eu quem escreve estas coisas.
Tenho de escrever estas coisas, que vão ser maior sensação do que eu.
Maior do que eu, só a sensação de ter escrito estas coisas.
Estou a escrever as sensações do eu, mas tenho coisas maiores.
Tenho coisas maiores do que escrever sobre o meu eu sensacional.
Escrever coisas, tenho a sensação, é maior do que eu.
Eu tenho a sensação de que tenho coisas maiores a escrever.
Eu tenho a sensação de que estou a escrever as maiores coisas.
Das coisas maiores do que eu, só ter a sensação de que estou a escrever.

" Tenho a sensação que estou a escrever coisas maiores do que eu. "
Eureka!

(Perdoa-se o errozito de português, na frase estudada, na entrevistazinha que lá saiu, hoje ou ontem, no DN. Parece que o homem foi condecorado pelo PR. Deve ser pelo insubstituível contributo para a língua. Parabéns ao laureado com a Ordem da Pevide, grau de Comedor de 1ª Classe)

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09/11/04

Blogamela


Cá no blogbairro sucedeu o mesmo que acontece em qualquer outro bairro, ou seja, assim que uma figura pública decide comprar ou alugar uma parcela do condomínio, a zona passa de imediato a ser chique e não há cão nem gato que não queira partilhar o espaço com tão ilustre vizinho. Assim que Pacheco Pereira veio para cá morar, foi uma corrida louca aos endereços, apareceram novas locadoras, agentes imobiliários, abriram serviços diversos, de polícias de costumes a lojas de conveniência, passando por grandes armazéns e lojas de ideias, estas por grosso e a retalho. Hoje, dir-se-ia que a coisa está a rebentar pelas costuras, a concorrência por um pouco de visibilidade é feroz, e já se começam a notar alguns sinais de desalento, em algumas almas mais sensíveis, que desistem e se vão embora, aborrecidas com o ostracismo a que são votadas.

O blogbairro tem também as suas elites, os seus grupos, já existem mesmo alguns gangs, e isto implica fatalmente o surgimento de excluídos: os que não são convidados (e os que se estão nas tintas) para almoços, jantares e outras comensalmente interessantes reuniões de condóminos; os "mais desfavorecidos", isto é, aqueles que não têm um capital mínimo de conhecimentos (em sentido técnico e em sentido literal); os que vieram aqui parar apenas porque sim, e que se marimbam altamente para a vizinhança, é bom-dia, boa-tarde e pouco mais, não têm sequer sistema de comentários ou utilizam qualquer outra forma de catadela social; e, finalmente, a imensa massa de "intocáveis", os pobres em geral, não apenas de espírito.

Mas, entretanto e apenas decorrido um ano ou dois, desde que chegaram os primeiros vizinhos, começa a despontar um fenómeno paralelo e, de certa forma, surpreendente: o blogjob. Ou, concretamente, dito de outra forma, como se pode subir na vida, melhorar pecúlios ou, mais prosaicamente, arranjar emprego. Só por se estar no lugar certo à hora exacta, às vezes, e apenas rabiscando umas coisas, são cada vez mais os casos de vizinhos que saltam daqui para as luzes da ribalta, ou equivalente. Nada de surpreendente, porém, se atentarmos não apenas na evidente qualidade de uns e de outras mas também na similitude de processos desta sociedade virtual em relação à sociedade em geral.

Primeiro foi O Meu Pipi(*), que reinventou a mina vernaculista. Deu em livro; o blog foi apagado (mal, como já aqui disse), para que todas as preciosas caralhadas pudessem ser editadas com os respectivos e merecidos direitos de autor. A coisa já vai na enésima edição e até existe uma versão brasileira, em brasileirês.

Depois foi A Coluna Infame, onde escreviam três sumidades sobre trivialidades de sucesso. Deu três colunistas, cada qual em seu galho mas irmamente repartidos pela imprensa do costume. Um deles, ou um tio dele, ou coisa que o valha, subiu a assessor de um ministro qualquer.

Seguiu-se a autora do elegante No Parapeito(*), que já antes se iniciara nas artes televisivas, em concursos e assim. Foi obrigada a fechar o blog, porque o tempo não dá para tudo, mas os conteúdos lá estão, quietos, desta vez não foram apagados nem se justificava.

Passados uns mesitos foi a Rititi quem foi convidada para escrever no DNA, após rigoroso escrutínio, durante o qual foram passados a pente-fino os melhores textos produzidos nesta meia-dúzia de quarteirões redigidos. Deu em ter sido ela a feliz contemplada, entre 3000 blogs, parabéns. O blog não fechou, desta vez, e por conseguinte a autora escreve em dois lados.

Agora foi o Gato Fedorento, muito mais do mesmo, que nunca li mas dizem ser coisa fina e com piada, a saltar para a pantalha. Deu em programa de televisão, que nunca vi mas dizem ser coisa fina. E deu também certo rapaz que pariu uma frase digna do panteão nacional, junto às veneráveis urnas de "não havia nexexidade" e de "eu ixpilico você compilica".

Admito perfeitamente que me possa ter esquecido de mencionar mais algum que se desenrascou à conta da escrita nos blogs. Presume-se que, a julgar pelos indícios, e fazendo um pouco de futurismo, os próximos a arranjar emprego sejam, por exemplo, os autores dos blogs 100nada, Blogotinha ou, para não ir mais longe, o do próprio Foo-I-Do. Se os critérios fossem aferidos pelo número diário de visitantes ou de comentários, o que se seria tão justo como os vigentes, por certo iriam começar a chover convites a breve trecho, não duvidemos. Ou, se calhar, nestes como em outros prestigiados e conhecidíssimos casos, tal deverá ter já sucedido, mas certamente a modéstia e parcimónia dos respectivos autores impede-os não apenas de aceitar como de publicitar os mesmos.

Devemos concluir que é surpreendente, este fenómeno. Em Portugal, as maiores habilitações académicas, literárias ou profissionais são, por ordem decrescente de importância, o apelido que se carrega, os nomes de quem se conhece e o índice de virtuosismo lascivo. Pois com a vizinhança cá do bairro nada disto se passa, ao que parece. Aqui, é tudo escolhido a dedo, sem clientelismos ou "cunhas". As provas da competência de cada um são exclusivamente resultantes da análise, por parte de entidades igualmente competentes, da produção escrita de cada qual - sendo que todos os 3000, por igual, são postos sistematicamente à prova pelas referidas entidades, as quais se dedicam por inteiro e em regime de exclusividade a esta actividade de caça ao talento. Honra lhes seja, pela pachorra.



(*) - ficheiros conservados em Wayback Machine; foram "mal apagados"...

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Iminência parva


António Lobo Antunes, o autor mais chateado da História da literatura, deixa escapar, em entrevista de duas páginas no DN de hoje, um misterioso lapsus linguae; citando de memória, é qualquer coisa do género "a maior parte dos meus livros fica na iminência de ir parar ao caixote do lixo".

Caramba. Já é azar. Pobre caixote. Como se vê, é apenas por um triz que temos de levar na pinha com mais um calhamaço dele, volta e meia. Deverá o macambúzio senhor querer dizer alguma coisa de subtil, para variar, e seria talvez acto de mérito a gente deter-se um pouco na frase lapidar; quem sabe alguém descobre o significado intrínseco e promissório de tão eloquente declaração. Tem seu quê de promessa, sem dúvida, o que já seria suficiente para alegrar alguns corações mais literatos, mas também aparenta algum carácter de ameaça - o que não é de estranhar, vindo de onde vem. Provavelmente, e nestas coisas de mentes simples há que não tentar vislumbrar ao longe o que provavelmente nos estará mesmo por baixo do nariz, o sempre adiado nobelizado novelista deveria querer transmitir a ideia de que seria uma pena fazê-lo, deitar aquelas merdas ao lixo em vez de as publicar. A subtileza do raciocínio, a mensagem subliminar, deve ser isto mesmo, esta coisa espantosa: "vocês nem sabem a sorte que têm, seus macacos, hem, olha só, ó pra mim, cá vai este livrinho pra vocês, esta obra genial, e só não a deito fora para não vos privar das maravilhas que eu escrevo, hã, seus ingratos". Pois. Deve ser uma coisa assim, levezinha, tão subtil e discreta como, por exemplo, Cavaco Silva a comer bolo-rei.

Falo por mim, caro aborrecidíssimo paragrafeador: não se incomode, ora essa, por quem é, esteja completamente à vontade, sempre que lhe der ganas, quando lhe der na veneta atirar fora um dos seus manuscritos, força, que a mão lhe seja leve. Coragem. Não hesite. Se lhe apetece deitar os escritos no caixote do lixo, vá em frente. Vá lá. Abra a mão. Deixe cair.

Não se poupe e poupe-nos a nós. Se lhe custar muito, ainda assim, ou se o vazadouro estiver longe ou já abarrotando, sugiro-lhe a lareirazinha lá de casa. É muito mais ecológico e fica-lhe bem a si, eminência, amigo do ambiente como é.



(foto de ALA, em pose displicente nº 3, da autoria de Jornal Digital)

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05/11/04

O calão revisitado - subsídios para o estudo da c*r*l*ada, em três actos - Acto II
(o 1º acto está aqui)



Pelos vistos, a nossa amiga e indefectível leitora que nos censura o calão não ficou satisfeita, ou suficientemente esclarecida, quanto à persistência e recorrência no tema, bem como não percebeu ainda porque não utilizamos formas alternativas de expressão. Pois, cara leitora; o que se passa é que ele há ocasiões nas quais não resta alternativa senão a mais pura e crua caralhada. Forma de auto-terapêutica mental, ou a única maneira, em muitas ocasiões, de conservar a sanidade, o calão ou é a sério ou não é calão. Experimente ler alguma coisinha de José Vilhena, esse ícone da literatura portuguesa, que utiliza, de forma genial, transversal, quiçá universal, o mais puro e perfeito calão que imaginar se possa. Também esse autor, referência para qualquer especialista, conhece o efeito calmante, relaxante, desopilante desta expressiva forma de comunicação.

É que isto, ó bálhamedeus, não há volta a dar-lhe. Como evitar? A gente abre um jornal ou liga a televisão e leva imediatamente com enormes bacoradas, coisas que entram pelos olhos, pelos ouvidos, por tudo quanto é buraco adentro. É o paradigma do "toma lá e não bufes", gajos praticamente analfabetos, jornalistas, ministros da República, colunáveis diversos, que ganham umas c'roas valentes sem saber ler nem escrever.

Prizemplos. No intelectualmente interessante diário desportivo Record:
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A Nota do Editor
Hugo Viana foi um dos jogadores do Sporting que começou muito mal a época.
Nada lhe saiu bem nos primeiros desafios. Neste momento é dos que mais joga e faz jogar.
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Assina este bilhetinho um tal José Ribeiro, que deve ser jornalista lá no pasquim.

Ó Zé: puta que pariu! Que merda mais mal escrita! Foda-se! Caralhosmafodam!

Não há outra maneira de qualificar esta coisa. Foda-se, permitam-me que repita. Mas qual é o cabeça de caralho que é capaz de escrever assim tão mal? Começaram, santinho! Dos que mais jogam, ó caramelo, tótó, ouviste, ó micose gramatical?! E fazem jogar, topas, ó compincha de tasca?!

Ainda por cima, junto a esta prosa mal parida, assim de ladecos, lá vinha sua fotografia com uma legendazinha - também ela erradíssima: um daqueles lances que tem pouco para contar...

Têm, caralho, têm, no plural. Ó Zequinha, desculpa lá, sabes o que é que me apetecia chamar-te? Hem? Sabes? Não sabes, mas eu vou dizer na mesma, macacos me mordam: seu rabeta linguístico, paneleiro do caralho, se fosses mas é levar na peida! A tua escrita só merece um comentário singelo, e este é o seguinte: vai-te mas é foder, pazinho.

AAAAAAhhhhh. Já me sinto melhor. Acabo de respirar fundo. Ganda fungadela, ora cá estemos, já quase passou a raiva. Não há nada como expelir umas quantas caralhadas, é imediato, vá-se lá saber porquê, sentimo-nos logo muito melhor, reconfortados, quase reconciliados com a vida. Porque não há nada a fazer, repito, além desta expulsão calúnica. Em certas ocasiões, a única solução é dizer uns quantos palavrões - a plenos pulmões, bem medidos e melhor articulados. Bem sabemos que não ficaria lá muito bem, mas a coisa devia constituir acervo médico: muitos achaques, da simples dor-de-cabeça à mais violenta cólica intestinal, poderiam ser resolvidos com o recurso (absolutamente grátis) à sessão de caralhadas a granel; quando, por exemplo, um pessoa de perfeita saúde entra num consultório e se começa a queixar ao médico, dói-lhe isto e dói-lhe aquilo, ao pobre Doutor deveria ser permitido (ou aconselhado, para não dizer obrigatório) a prescrição de sessões diárias deste meritório, porém tão esquecido e menosprezado, exercício de purga. Para um médico, seria muito mais fácil receitar uma hora de desopilanço por dia do que não sei quantos comprimidos sortidos. Em vez de "tome dois destes ao almoço e ao jantar", o médico deveria dizer "olhe, de manhã, ao levantar, abra a janela e fique dez minutos a berrar caralhadas; os vizinhos que se fodam (conselho de médico); antes de deitar, o mesmo, outros dez minutos; vai ver que isso passa num instante".

É que, na maior parte dos casos, aquilo "é nervos". Noventa e nove por cento das pessoas que atufulham os consultórios o que têm "é nervos", ou seja, "stress", ralações, chatices; nada clínico, portanto. Ora, entre o efeito dos medicamentos, que é geralmente nulo, independentemente da cor do fármaco, e o efeito realmente terapêutico da sessão de gíria, uma coisa ressalta de imediato, a favor desta e em detrimento daquele: não apenas é muito mais barato como não é passível de quaisquer efeitos colaterais. Pode ser que algum vizinho mais comichoso se chateie, por causa do barulho e assim, mas não há-de ser nada. O vizinho que se foda (conselho de médico). Pode perfeitamente começar por ele, de resto. Atire-lhe uns insultos, se ele se armar em esperto e em defensor do sossego, esse grande filho-da-puta, mande-o foder com todas as letras, de janela para janela, um caralhinho que te foda, vai bardamerda ó picolho, coisas assim.

Resultados garantidos. Experimente. Por exemplo, em vez de dar murros na parede, quando os jovens do apartamento ao lado não param de foder que nem uns leões, deixe-se de meias-tintas e mande-lhes com um valente "parem lá com a puta da barulheira, caralho" ou um não menos explícito "pouco barulho, ó seus caras de cu!" Mesmo algo de mais subtil, como "ó camaradas, quando acabarem de foder não se esqueçam de avisar", poderá ter resultados imediatos. Se, porém, nenhuma das fórmulas anteriores produzir efeitos, pode optar por uma solução igualmente em calão, mas numa versão menos verbalizada, mais muda, por assim dizer: pegue num martelo e foda-lhes o arranjinho, batendo na parede com toda a força (neste caso, tenha o cuidado de utilizar uma tabuinha, porque se não a patroa vai foder-lhe o juízo, pela certa, por ter escavacado o estuque).

Destes e de outros igualmente bons e úteis conselhos aqui iremos dando conta, conforme nos forem chegando as respectivas solicitações. A bem da nação.




foto copiada do blog Ditadura do Consenso

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Meu querido irmão:

Bem vejo como te dói a realidade, agora que a encontraste ou que por fim te caiu em cima, com estrondo. Conheço bem esse teu esgar de dor, esses trejeitos de incómodo insuportável, os tiques indisfarçáveis de desilusão total. O teu filho mais velho, meu sobrinho, vai cavando rugas cada vez mais profundas na tua cara; há quanto tempo não tens um minuto de paz? Tu, que tanto gostas de sossego! Logo tu, que sempre viveste na sombra da bem-aventurança, da segurança, dessa pacatez quase bucólica tão tua, tão típica... e tão fugaz! Tinha de ser contigo mesmo, especialista em resolver problemas, tu, que sempre detestaste coisas complexas! Era tudo tão simples, afinal, não era?

Não, não era. Como vês. O teu filho é um drogado. "Meteu-se" no haxixe, depois nos "químicos", rapidamente passou às anfetaminas, e daí à cocaína foi um passo. Por fim, o "cavalo", como não podia deixar de ser.

Lembro-me perfeitamente de quando ele nasceu, o puto, e que giro ele era. Criança perfeita. Sossegadinho como poucos, nunca vos custou uma noite, nem a ti nem à tua mulher, tão calmo era, pacato, daqueles raros catraios que mais parecem milagres com pernas; dormia toda a noite, de fio a pavio, sem choros nem birras. Lembro-me de brincar com ele, ainda bebé, e mais tarde, já garotinho, quando me começou a custar dar pontapés numa bola mas, ainda assim, me custava muito mais dar parte de fraco. Lembro-me de o ver, jovem transpirando promessa, com a primeira namorada - e depois com a segunda, já um pouco arrogante e convencido.

E finalmente as coisas precipitaram-se, mais ou menos na altura em que lhe perdi o rasto, de todo. Foi tudo muito rápido. Como é normal quando envelhecemos, o tempo vai perdendo valor, cada vez mais depressa, e, de repente, as coisas já aconteceram, tudo passou, já nada é como era. Fulano casou, separou-se; sicrano morreu, de cancro ou de outra coisa qualquer; beltrano desapareceu, nunca mais ninguém soube nada dele.

Aqui há uns dias definiste perfeitamente, numa expressão muito simples, como se passam as coisas com o tempo: "dantes, uma tarde nunca mais acabava". Exacto. Agora, um dia inteiro não é nada, um mês passa num instante, um ano é só mais um ano, as coisas contabilizam-se, recordam-se por décadas. De repente, já temos 40 e, pouco depois, 60. É horrível, não é?

Mas o puto ainda não sabe disso, como nem tu nem eu sequer suspeitávamos, há uns poucos anos. Que idade tem ele agora? Vinte e tal? 30? Lembras-te de quando andavas nos "vintes"? Sabias alguma coisa, tu? Alguma vez te passou pela cabeça que não fosses eterno?

Claro, os tempos eram outros. Mas, mesmo assim, tu, e eu, e toda gente, todos nos sentimos capazes de tudo, com aquela idade. Como dizia já não sei quem, a juventude é um estado fisiológico transitório que não augura nada de bom. É como a saúde.

E então o puto ficou agarrado ao cavalo. De repente, ou não tanto como isso. Algures num passado não muito distante, a meio caminho entre duas festas, o teu filho deixou-se apanhar. Ou quis ser apanhado, o que vem a dar rigorosamente no mesmo.

Lembro-me muitas vezes do meu amigo João. Aos 17, estava agarradíssimo: heroína, cocaína, álcool, tudo. O "Xamon" era (e é ainda), para ele, uma marca de cigarros; 10 ou 20 ou 30, por dia, nas calmas. Festas atrás de festas, "barrasquices" diversas, umas quantas chatices com a Polícia, enfim, o trivial nos meios suburbanos de classe média. Depois, um dia, o João teve um acidente de mota, caiu, bateu com as costas num lancil. Ficou paraplégico. Partiu duas vértebras cervicais. L2 e L3, concretamente. O que, para o caso, pouco importa. Paralítico da cintura para baixo. Estava tão bêbedo e tão drogado, quando pegou na mota, nesse dia, como estava sempre. Agora, quinze anos depois do acidente, o meu amigo João continua agarrado à droga na mesma e tão paralítico como antes. Quando teve o acidente, o João já era casado e tinha tido uma filha; a mulher dele achou, de repente, uns meses depois, que afinal já não gostava do marido; não esqueçamos que a lesão na coluna do João implicava paralisia "da cintura para baixo". Não é preciso fazer um desenho, pois não?

Tu detestas, mano, e eu detesto se calhar ainda mais, aquela velhíssima rapsódia do "podia ser pior". Mas, se falo do meu amigo João, desculpa lá, não sei como dar a volta à questão, é só por causa disso mesmo: podia ser bem pior. O teu filho bem podia ter partido o pescoço, aqui há uns anos. Não me vou pôr agora com umas comparações bacocas, de péssimo gosto, facílimas e grátis para quem não está metido nelas. Mas o facto é que, entre ficar agarrado ao cavalo e ficar paralítico - digo eu, que não sofri nem uma infelicidade nem outra - a diferença não é grande. Imagina o que seria (cá está outra vez essa enervante coisa do "podia ser pior") se ele tivesse tido um acidente grave. Agora imagina se o teu filho estivesse, além de agarrado, paralítico. O horror existe, irmão. E não é só nos filmes.

Partir o pescoço ou cair na droga é o mesmo, no essencial. São ambas as coisas irreversíveis, incapacitantes e de igual forma terríveis. Mas nunca digas isto a alguém que tenha partido o pescoço.

O teu filho pode ainda voltar a andar, nem que seja apenas de vez em quando. Pode bastar-se a si próprio, ainda que mal. Pode correr, dançar, subir escadas, conduzir, passar despercebido. Existe para ele, como para qualquer drogado, uma ínfima réstia de esperança, uma possibilidade mínima de cura. Mesmo que esta seja apenas transitória, ou mesmo parcial.

Não o abandones. Não agora. Não nunca. O meu sobrinho é tão culpado de ter partido a própria vida, a tua vida, a vida da mãe e a das irmãs, como o meu amigo João é culpado de ter partido o pescoço: toda a culpa. São ambos responsáveis por aquilo que lhes sucedeu. Mas podia ter sido pior, realmente. Podia ser pior. Adivinha como. Sabes perfeitamente.

G.

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03/11/04

Ninguém há-de calar a voz da classe burguesa - V

Ora então concluamos o nosso cirúrgico, detalhado, pertinente estudo sociológico sobre as classes profissionais mais carapuceiras de Portugal. Em breve resenha, já nos detivemos na análise das vigarices e tropelias praticadas por, respectivamente, auxiliares (de saúde e educação), almeidas (varredores do lixo), calceteiros (de passeios e de estradas), mecânicos (de automóveis, claro), porteiros e seguranças (e quejandos) e táxistas (entre aspas). Portanto, o índice deste estudo ficará assim:

1. auxiliares
2. almeidas
3. calceteiros
4. mecânicos
5. porteiros e seguranças
6. choferes de táxi
7. vendedores ambulantes

Completando o estudo, à laia de epílogo, segue-se uma observação rasante sobre a classe dos vendedores ambulantes, essa troupe de marginais que tantas alegrias dá, por paradoxal que pareça, aos admiradores das classes populares.

7. Os vendedores ambulantes

A própria designação desta classe parece um pouco idiota, já que se é vendedor será também, em princípio, ambulante. A mobilidade faz parte da tipologia marginal da profissão, o que remete para a ideia de nomadismo e, daqui, para a mais que óbvia conotação com os ciganos. Existem alguns apreciadores também deste género de "tipicidade" e de "genuinidade" populares. Em boa verdade, há muito poucochinhas coisas assim tão genuínas e tão típicas; socialmente imprescindíveis, como é sabido, os ciganos distinguem-se pela sua enorme capacidade de trabalho, pela sinceridade e lisura de processos, e pela extrema urbanidade e simpatia no trato.

A variante cigana é, de facto, o maior expoente da classe dos vendedores ambulantes, actividade também conhecida como impingimento vagabundo, na presunção de que não existe vendedor que não seja um "impingidor". Basicamente, se alguma coisa necessita de alguém para ser vendida, é porque essa coisa não é nada de especial e, portanto, só passará se for impingida - que é aquilo em que consiste a profissão de vendedor em geral, e ambulante em particular. A íntima correlação entre venda e cigano é intrínseca, de tal forma que não é necessário nascer-se cigano para se ser vendedor - basta ser-se um vendedor "cigano". De substantivo colectivo não muito prestigiante, o termo adquiriu foros de adjectivo altamente insultuoso, o que não deixa de ser uma explicação, por si só, para o teorema da vigarice: um olho no burro e outro no cigano. Se bem que, sinal dos tempos, hoje em dia os ciganos já não vendam burros mas antes muito cavalo.

Alargando um pouco o espectro de análise, e metendo do mesmo passo outras etnias no mesmo saco, tracemos um quadro geral do vendedor ambulante típico: é absolutamente iletrado, mas especialista em fazer contas de cabeça; raramente ou nunca na vida toma um banho e faz questão de se rodear permanentemente de lixo, mas não apenas impinge sabonetes (haxixe), como atoalhados turcos e "branca da boa", puríssima; vive por regra numa barraca, bairro-de-lata ou outro tipo de enxovia inominável, mas leva a família (de 10 a 150 pessoas) aos melhores restaurantes, a comer lagosta, palitando e cuspilhando, satisfeito; não tem carta-de-condução, mas não dispensa a sua bela carrinha Mercedes toda artilhada, e um pópó cheio de pinta para cada filho.

O vendedor ambulante faz pela vida, com ligeireza, tem o beneplácito sistemático das autoridades (não é bem medo, é beneplácito) e o apoio e admiração da nata bem-pensante da nossa terra. Se, por exemplo, o proprietário de um simples talho de bairro tiver o azar de ter "a fiscalização à perna", se lhe descobrirem um cabelo numa prateleira ou caso alguém se tenha esquecido de despejar o balde dos desperdícios, em resumo, este "industrial" está completa e absolutamente lixado; tem estabelecimento, porta aberta, empregados, mas o braço da Lei lá virá, mais tarde ou mais cedo, em pressurosa defesa dos interesses dos "consumidores" (geralmente, estes são uma vizinha que foi mal atendida ou que não gostou da última perna de borrego). Ora, se um estabelecimento comercial pode ser encerrado à má-fila, ou passado a pente fino até que algo de irregular seja encontrado, já com o vendedor ambulante nada sucede: pode à vontade pesar a sua mercadoria em balanças maradas, pode comprar material roubado em contentores e vendê-lo a retalho, pode impingir Levi's genuínas made in China. Enfim, o vendedor ambulante pode experimentar toda a sorte de vigarices e cometer toda a gama de ilegalidades que imaginar se possa - sem que nada, obviamente, nada lhe aconteça. É que, além de ambulante, é pobrezinho. E, como já cá se sabe, até à náusea, nos pobrezinhos ninguém toca - por um lado. Por outro lado, se é ambulante é mais difícil agarrá-lo: não tem documentos, não sabe ler nem escrever, não tem residência fixa, etc., uma série de maçadas para as quais as autoridades e a própria Lei não estão preparadas.

No fundo, qualquer comerciante legalmente estabelecido está literalmente lixado por isso mesmo: porque está estabelecido e porque é legal. É facílimo, qualquer agente da inspecção económica ou das Finanças entala, com toda facilidade, seja que desgraçado destes for. Mas já com os ambulantes a coisa se complica enormemente: caçam-lhes a mercadoria num dia e lá estão eles outra vez, no dia seguinte, no mesmo sítio ou noutro; não há "boteco", fisicamente falando, para fechar a cadeado. Os gajos pisgam-se, essa é que é essa. E despacham material contrafeito, o que, a ser detectado, dá uma trabalheira administrativa impensável. Ninguém se mete nisso. Qualquer agente da autoridade sabe perfeitamente que chegarem-se aos ambulantes é não apenas uma maçada tremenda como não serve rigorosamente para nada.

E assim, nesta conformidade descontraída, o bom povo português, tias de Cascais incluídas, vai em cortejo às feiras de Carcavelos, ou do Relógio, ou de qualquer simpática localidade do chamado Portugal profundo. Ali se abastece toda a gente, de todas as classes sociais, de tudo quanto é lixo; ao preço da uva mijona, é verdade, mas puro lixo. Qualquer grande superfície tem produtos de melhor qualidade, ao mesmo preço ou ainda mais barato do que as "pechinchas" das feiras; mas isso não vale, para o português "médio", giro-giro-giro é dar um saltinho ali à Feira da Ladra e comprar umas coisas baris, baratíssimas, giríssimas. E roubadíssimas, como toda gente sabe, só que a graça está em fingir que não é bem assim.

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Mais receitas de Língua de Vaca


O ex-árbitro Jorge Coroado disse, ia a votação a meio e o jogo quase no fim, que "o jogador foi atingido nas partes pudengas" (simbiose de partes pudendas com a raça canina podengo).

A fulaninha da Sic Notícias que acompanhou as eleições americanas, via 4 TVs estrangeiras, disse que George Bush "qualquer coisa, não sei quê, e tal, não reaveu a maioria..." (do verbo reaver, como manteu para manter e coisas assim).

Aquele gajo com pinta de esperto, polivalente nos canais, Nuno Rogeiro Ou Lá O Que É, disse que "o Ohio foi um dos estados que esteve mais não sei quê" (até ministros usam esta conjugação alternativa, portanto deve estar certo).

De facto, o mundo está perigoso, mas não exactamente por causa do resultado das eleições americanas.

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Central de Cervejas

Plágio? Não. Criatividade.


busca Google.pt: "esmagadora minoria"+super bock

busca Google: "esmagadora minoria"+Sagres

busca Yahoo: super+bock+"esmagadora minoria"

busca Yahoo: "esmagadora minoria"+cerveja+preta

busca Yahoo: preta+esmagadora+minoria+sagres

cache da Yahoo (Junho 2004)

cache da Yahoo (Setembro 2004)

"post" do blog La Marée Haute

declaração: o autor jura, por sua honra, que nunca leu a revista Vogue e que o "criativo" do anúncio também não.
temas: cerveja preta; Sagres e Super Bock; publicidade; jingle; esmagadora minoria; Godot
imagem de Central de Cervejas

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