Odi profanum vulgus et arceo

30/12/05

Desejo para 2006 ainda mais profundo do que o anterior

Uma gaja podre de boa, com "joystick" de série e com pilhas alcalinas (incluídas).

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Desejo profundo para 2006

Uma gaja podre de boa, equipada com botão "switch-off" de série.

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28/12/05

na praia

Vejo-te daqui, deste solavanco em que me encontro
Despedido, quase despido, e já sem areia debaixo dos pés
Cansado apenas; aqui estou, olhando para ti, pensativo,
Cofiando a barba que já não tenho (o que lhe terá acontecido?)
E tu ao longe, saltitante, distante, quase turva no horizonte.
Não compreendo muito bem como é possível, a tua sombra
Alegre e um pouco descomposta, não sei se nua se vestida
(as sombras não usam nem roupa nem nudez), a mulher dupla
Correndo, assustando as gaivotas e os chorões das dunas
Com o teu riso subtil e o teu sorriso estridente, não entendo
Nunca entendi, porque me dizes adeus assim ao longe
Brincando com a distância, com o tempo e com a maré,
Correndo, correndo, sempre correndo, como se não
Soubesses o que existe para além da vazante.
Nem sei bem o que dizer, a tua imagem refulgindo, solene,
O ouro do sol em fim de tarde, os peixes de prata à superfície,
O bronze da tua pele jovem, esplendorosa, espantosa mulher.
Não digo nada. Deixo a minha alma emocionar-se livremente,
Vai-se cavando mais uma ou outra ruga, nesta velha face
Eternamente surpreendida pela simplicidade das coisas
E pela beleza das coisas ainda mais simples do que a idade.
Mas disfarço, disfarço bem, e digo também adeus, adeus,
Adeus, mas de muitíssimo mais longe.

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Rauchen Verboten

Estudos para uma nova sinalética anti-fumaica


modelo de letreiro para ghetto de fumadores em espaços públicos (aeroportos, gares, etc.)


modelo de etiqueta para fumadores, pendurada ao pescoço, afixada na lapela ou em braçadeira



Nicht rauchen macht frei! Sieg Heil!

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22/12/05

Mandamento de Natal


Não bajularás o teu semelhante, mas saudarás educadamente.

contemporâ/áneas
turno da noite
dragoscópio
inflexão
afixe
azimutes
espreitador
100 nada
emaranhada
minha rica casinha
sem wonderbra
-r!
diários do inesperado
a origem das espécies
apenas mais um
hridaya


Bom Natal

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Olho clínico


Quando o doente apresenta sintomas de grave flatulência, queixando-se, por exemplo, de não conseguir "parar de dar traques", utilizando esta ou expressão semelhante, o procedimento mais correcto é a traqueotomia.

Nos casos em que o doente se apresenta como lobisomem, com o respectivo focinho e patorras a condizer, deverá ser imediatamente aplicada a técnica conhecida por lobotomia pré-frontal.

Se o doente apresenta queixas de obstipação severa, e verificada a inibição total ou parcial de movimento peristáltico, o diagnóstico deverá ser de Volvo, implicando prescrição imediata de um 440 ou qualquer outro modelo daquela marca.

Sempre que se verificar morte clínica num paciente "ligado à máquina", é da máxima conveniência verificar se a mesma não terá sido desligada, por lapso, ou se a ficha está devidamente ligada à tomada, e se, em última análise, esta terá corrente (utilizar um busca-pólos). Se acender uma luzinha, é porque foi o doente que pifou, não a máquina.

Em casos de fealdade extrema, em especial se agravados por malformações físicas, as novas tecnologias permitem actualmente o transplante integral da cabeça, sem necessidade de qualquer intervenção a nível de cirurgia estética ou reconstrutiva. Posteriormente, quando a costura cicatrizar devidamente, é possível também proceder ao transplante integral do corpo.

A passagem do tempo é uma unidade de medida axiomática e abstracta, que pode ser representada pela frequência com que um indivíduo comparece perante um tribunal de instrução criminal (TIC) e é sujeito a uma tomografia axial computorizada (TAC).

O tipo de erupção cutânea vulgarmente conhecida por "impingem" é causado pelos contactos regulares com promotores de "time-sharing", os Mormons ou as Testemunhas de Jeová, vendedores da revista Cais e outras espécies de melgas.

Ao contrário do que geralmente se julga, a úlcera péptica (também conhecida, e imprecisamente, como "úlcera do estômago") não tem absolutamente nada a ver com a actriz Ursula Andress (19.03.1936 - ).

Experiências realizadas por um laboratório australiano, em dezenas de jovens voluntários, comprovaram a total inocuidade (e inutilidade) dos enxertos de células cerebrais; verificou-se não haver qualquer acréscimo de inteligência ou sequer melhoria de comportamento nos jovens, mesmo naqueles em quem foram enxertadas quantidades industriais de células cerebrais de adultos normais, pelo que se conclui ser muito mais eficaz, para os mesmos fins, o tradicional e ancestral enxerto de porrada.

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20/12/05

O músico


Eu aaaaahhhh acho eeeeeehhhhh que eeeeeeeeeeehhhhhhhh aaaaaaaaahhhhhhh aaaaaaaahhhhhhh eeeeeeeeehhhhhhhh eeeeeeeehhhhhhh uuuuuuuuuuuuhhhhhhh aaaaaaaaaahhhhh ver eeeeeeeeeehhhhh é aaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhh eeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhhh como aaaaahhhhhh eeeeeehhhhhh uuuuuuuhhhhh ouvir. Aaaaaaaaahhhhhhhhh e uuuuuuuuuuuhhhhhh vice-versa aaaaaaahhhhh.

Pedro Abrunhosa, RFM (em directo, ao telefone).

(nota: discurso presumido; tocado de ouvido, por assim dizer)

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19/12/05

Ensaio sobre a visão

O Portugal de Salazar
Mostrarei que Salazar nunca foi fascista, mas apenas anti-comunista.
Que nunca foi nem um décimo daquilo que hoje se diz dele.

A seguir (atentamente) no blog do vizinho João Tilly.
Salazar: http://joaotilly.weblog.com.pt/arquivo/cat_salazar.html

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17/12/05

Internakchiunal métches

internactional

Pequeno contributo para a fabulosa colecção do colega Obsecado (sic).

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15/12/05

Tráfico na baliza de aterragem


Porque o local onde nos encontrávamos acocorados em fila eram as superstruturas de um antigo draga-minas polaco da classe «Czaika», lançado à água em Modlin, terminado em Gdynia, o qual encalhara no ano anterior, a sudoeste da baliza de aterragem, fora do canal por consequência, e não perturbava o tráfico.

O Gato e o Rato, Günter Grass, pág 7.

Título original: Katz und Maus
Tradução de: Carmen Gonzalez
Tradução cedida por Europa-América, Lda.
© Steidl Verlag, Göttingen
© BIBLIOTEX EDITOR, S.L., para esta edição
ISBN 84-96180-01-8
Dep. Legal B. 8867-2003

Nem vale a pena enumerar todos os erros, gramaticais e de tradução, que existem no parágrafo transcrito. Seria de facto difícil fazer pior em apenas 49 palavras. Claro que se pode presumir ser o resto da tradução (159 páginas) de igual calibre, pelo que resistir até à página 7 já representa algum heroísmo em combate de leitura. Uma verdadeira desgraça, como se vê, a tradução em Portugal.

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Esse treco em Portugáu gruda não, gentchi!

Participe da campanha Eu Sei Escrever

Maiss isstá légau, essa idêa daí. Valeu, porreta mezmu.

(via BSP)

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12/12/05

A relíquia

S. Cristiano Ronaldo



Contributo para a substituição de ícones religiosos obsoletos nas nossas escolas, conforme judiciosamente avançado pela digníssima deputada Srª D. Ana Drago. Aqui fica a modesta sugestão. Cedem-se pedacinhos da relíquia, em nosso poder, em se comprovando a piedade e espírito crente do requerente. Enviamos à cobrança (apenas portes de Correio), em embalagem discreta, com o material devidamente acondicionado (Continente e ilhas).

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11/12/05


Consultório sentimental - XI

Bosch é brom(*)

(...)

O que acontece é que isto já se tornou uma mania, uma coisa obsessiva (e excessiva). Como disse antes, o que mais me excita num homem é a voz; e adoro ouvir coisas "picantes", palavrões do piorio, quanto mais brutais, melhor; geralmente, quando faço "aquilo", digo-lhe para me chamar "rainha do broche". Parece que fico maluca. Já tive orgasmos, várias vezes, só por isso. Até hoje, falei sobre o assunto com dezenas de amigas minhas, e concluo que devo ser eu a única a ter orgasmos enquanto faço um broche, mesmo sem ter de me tocar nem nada.
(...)
M. C. S.


broche, s.m., 6. P tab. acção de excitar o pénis com a boca; felação. ETIM fr. broche, do lat. vulgar brocca fem substv. do adj. lat. broc(c)us,a,um "saliente, proeminente, pontudo".
Dic. Houaiss, pág. 1478




Cara amiga MC,

Antes de mais, os meus parabéns pelo seu Português. E, devo acrescentar, a sua escrita é de tal forma escorreita e explícita que me vi forçado a transcrever apenas um pequeno parágrafo; nem imaginam o que perdem, os leitores deste consultório, de tal forma as coisas que a MC diz são excitantes (em sentido literal). Tive de parar várias vezes enquanto lia o seu e-mail, e não propriamente por ser um puto imberbe ou por causa de algum impedimento momentâneo. Enfim, adiante...

Bem, cara amiga, como vê pela citação do insuspeito Houaiss, o broche é uma coisa que existe, ah, pois existe, e nem vale a pena estar a chamar para aqui os termos técnicos respectivos. Diz broche, com todas letras, e diz muito bem; "felação" é broche, como "cunnilingus" é minete, até porque também esta designação é "atestada" pelo mesmíssimo Houaiss. Ora, se existe no Houaiss, é porque vale realmente. Deixemo-nos de tretas, portanto, e chamemos os bois pelos nomes, como faz a MC com uma coragem e uma frontalidade verdadeiramente admiráveis.

Na mesma ordem de ideias, começo por referir algo que certamente não será para si grande surpresa, mas que muitas mulheres desconhecem completamente: um dos atractivos mais decisivos que uma mulher pode ter é, precisamente, a qualidade do broche que faz. Sempre ouvi, desde muito novo, a amigos e conhecidos, que namoravam ou tinham casado com Fulana de Tal, mesmo sendo esta feia ou mal feita, porque ela era "um broche cinco estrelas" ou porque "faz um broche de fazer ver as estrelas, menino". Certo amigo meu, já de há muitos anos, moço conhecido pelo elevadíssimo número de namoradas que sempre teve, apresentou-me a senhora com a qual tinha acabado por casar; fiquei estarrecido; coitada, era um perfeito "batoque", um pesadelo (mais uma vez, em sentido literal) de carnes a mais e de cuidados a menos, o cabelo desgrenhado, vestida às três pancadas, nem uma réstia de escova, de aprumo, de elegância. Um caco, enfim. Nem de propósito, aquilo que pensei imediatamente, quando a conheci, foi "mas que grandessíssimo broche!" Aqui em sentido figurado, é claro, porque o substantivo pode também transformar-se em adjectivo e, nesse caso, não é grande qualificativo. No entanto, esse meu amigo, apercebendo-se da minha surpresa, representou, nas costas da esposa, uma pequena sessão de mímica: primeiro, pôs os lábios em bico, levantando os dedos de ambas as mãos em cacho, como fazem os cozinheiros italianos típicos, sempre que dizem "bellíssimo"; depois, fez o gesto de levar a mão direita à boca, os dedos em tubo, enquanto abria a boca e fazia com a língua uma das bochechas salientar-se. Clarinho como água; sem uma única palavra, aquele camarada transmitiu-me o equivalente ao seguinte discurso: «Pois é, pá. É feia, sim senhor, mas faz um broche que nem queiras saber; um mimo; estou apanhadíssimo por ela.»

E diga lá, amiga MC, se isto não é amor verdadeiro. Portanto, já vê, bem sei que se trata apenas de um caso fortuito, e se calhar excepcional, mas ainda assim não há que negar: o broche é, de facto, uma poderosíssima arma feminina. Outro tanto acontecerá por certo em sentido inverso, salvo seja, pois com certeza existirão verdadeiros mestres na arte do minete; e também por esse atributo, e por nenhum outro, serão eles os escolhidos por esta ou por aquela mulher. Mas isso são outros trezentos, como soe dizer-se. O facto permanece: a amiga MC nem sabe a prenda que tem, essa é que é essa. Não faço a mais pequena ideia de como será a MC, enquanto estampa, mas só essa sua prerrogativa é mais do que suficiente para que lhe não larguem as saias. Sabe que a fidelidade, inclusive, fundamenta-se naquilo a que a Igreja católica chama, muito sabiamente, "vício"; isto é, mesmo não se tratando de uma pessoa viciosa, um homem pode ficar totalmente viciado numa mulher (e o contrário também) apenas por uma particularidade de índole sexual - que pode muito bem ser essa, o broche (ou o minete). Refira-se, a propósito, que o sexo oral - se executado a preceito - pode tornar uma relação absolutamente indestrutível. O broche pode perfeitamente ser o betão do casamento e o minete os tijolos, ou pela inversa. O que é necessário é que haja também um tecto por cima disso, e esse será inevitavelmente o dinheiro.

Note-se, de passagem, o carácter intrinsecamente fidelizante do sexo oral, nas suas três variantes. Nos tempos que vão correndo, é de todo improvável, para não dizer imbecil, que alguém tenha relações sexuais deste tipo com parceiros ocasionais. Não apenas o risco de transmissão de doenças é elevadíssimo, porque não é fácil sexo oral "protegido" (a), como é imprescindível um alto grau tanto de confiança, como de intimidade, como até de cumplicidade entre os envolvidos (que é conveniente serem apenas dois). Esta cumplicidade apenas se obtém após um relativamente longo historial de vida em comum ou, pelo menos, de vida sexual em comum. Acresce que tanto o broche como o minete são as únicas "posições" sexuais nas quais existe explicitamente uma oferta ao outro e, simultaneamente, uma renúncia à auto-gratificação; é algo que se faz para dar prazer ao outro, primordialmente, sem pensar no próprio prazer. O celebérrimo "69" (também está no Houaiss, esse grande malandro) é o expoente máximo da oferta amorosa; não cabe aqui explicar exactamente como se processa tal "posição", toda a gente sabe, mas o ponto bate em que deve ser, com alto grau de probabilidade, a maior invenção do homem (e da mulher) depois da roda; é o cúmulo e o cume daquilo que actualmente se designa por "relação a dois" (como se fosse fácil uma relação a três ou a quatro); em nenhuma outra actividade humana sucede tão intensa e emaranhada troca de presentes como no decorrer de um belo sessenta e nove, quando e se laboriosa e persistentemente desenvolvido. Logo, sendo o broche, por maioria de razões, tipicamente (e também) um preliminar para o referido número, há que realçar a importância de uma boa "mamada" nas relações entre os elementos do casal e na respectiva descendência, cuja existência acaba por depender da dita mamada.

Ora, no seu caso, MC, tem o acréscimo de sorte de isso mesmo, e apenas isso, lhe dar a si um enorme prazer. É muito raro, de facto. Para um homem, confesso, a coisa pode mesmo não ser lá muito agradável. Não vale a pena entrar em grandes e de certa forma escatológicos pormenores, mas acontece que, em resumo, o homem (com minúscula inicial, reparou?) dispõe de uma língua mais apropriada para colar selos, por exemplo, do que para fazer grandes e prolongados malabarismos. Para um homem, um minete de presente pode acabar por resultar numa dor nada meiguinha nos maxilares e no pescoço. Para a mulher, presumo, deve ser muito mais fácil.

Para a MC, então, prefiro nem imaginar. Deve ser uma coisa tranquilíssima. Hmmm... Bem. Talvez seja melhor ficar por aqui.

Respeitosos cumprimentos.

D

(a) Existem no mercado preservativos com sabores sortidos, para este fim, mas isso entra no campo da relação (felação) esporádica e/ou profissional, que não está no âmbito desta "cumbersa". Aquilo de que aqui se fala é de broche por amor, por dádiva, por simples preferência ou gosto; não da mamada "tipo" sempre a aviar, a tanto o minuto, e venha o próximo. Para este género de "fellatio", digamos mais despachadito e industrializado, é favor consultar o nosso distinto colega Murcon, mais conhecido por Tio Cantigas.


P.S. 1: o amigalhaço ao qual me refiro nesta resposta, o que desposou a brochista avantajada, divorciou-se uns meses depois; um belo dia, saiu de casa para o emprego e foi esperar o autocarro (ah, bons tempos aqueles, éramos todos uns tesos); quando o autocarro chegou, viu que se tinha esquecido do passe social; então, voltou a casa para o ir buscar; entrou tentando fazer o mínimo possível de barulho, porque a mulher ainda devia estar a dormir; mas não, não estava; estava até bem acordada, de joelhos em frente à cama de casal; sentado nesta, com um ar ligeiramente comprometido e com as calças pelos joelhos, o vizinho do 2º Esquerdo.
P.S. 2: uma fotografiazinha, não se arranja? Tem aí o e-mail. Aí em baixo. Mais abaixo. Só mais um pouquinho. Mais. Isso. Aí.


(*) autor do trocadilho: Alexandre O'Neill (?)
Radiografia de Médico Explica Medicina a Intelectuais

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O branco do rádio de pilhas


Pendura iluminações de Natal em todas as árvores do largo. A grua está montada numa carrinha; tem um comando para subir e descer no rebordo da plataforma. O braço da grua onde engata a plataforma tem também um guincho na ponta; pendurado no gancho do guincho, um rádio portátil balança.

O trabalho consiste em fazer-se subir até meio da copa, fixar uma ponta do cordão de luzes ao tronco, enrolar umas quantas voltas em redor da ramada e depois ir descendo até ao fuste; aí, o que há para fixar a toda a volta é uma espécie de rede com luzinhas brancas, minúsculas; já apeado, o trabalhador estende no chão ambos os fios, faz uma junção para depois ligar à tomada da rede de iluminação pública.

Cumpre a rotina com paciência e com método, árvore por árvore, a toda a volta da praça. Sempre que desmonta da plataforma, vagamente contrariado, o homem das luzes aumenta ligeiramente o volume do rádio pendurado no guincho.

Fim da tarde de Dezembro, dias curtos, já vai ficando escuro. Alguns miúdos, além dos reformados residentes naqueles bancos de jardim, admiram com expectativa e respeito o desenrolar dos trabalhos. Um ajudante vai estendendo, juntando e separando toda aquela complicação de cabos e fios; o condutor da carrinha, cuja única função é conduzir a carrinha, fuma placidamente com um braço fora da janela. E subitamente a ordem: podes ligar, Manel!

O Manel liga, ouve-se um "clac" e todas as centenas ou milhares de lâmpadas acendem em sequência. No seu púlpito móvel, a quase dez metros do chão, o trabalhador sintoniza melhor a estação e põe o som um pouquinho ainda mais alto, como se comemorasse o pau-de-bandeira da obra. Sorri com superioridade aos basbaques. Com um sinal, a carrinha arranca, e lá segue, importante e vermelha, o homenzinho na sua grua a meia haste, o rádio de pilhas balançando-lhe no gancho a vinte centímetros da cabeça.

O local fica por fim resplandecendo, órfão de escuridão mas cheio de um silêncio absolutamente radioso.


(o título deste post é paráfrase de "O negro do rádio de pilhas", da autoria do cantor e gajo porreiro profissional Rui Veloso)

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10/12/05

Ah, bem. Entendi-te e compreendi-te.


"O PIOR FORAM OS HÍFENES"

Não houve nenhum ditado sem erros. Ao presidente da estação privada de televisão SIC, Francisco Pinto Balsemão, “o ditado não correu mal, o pior foram os hífens”, conta. “Por exemplo: sub-repticiamente; eu não sabia que havia hífen, mas há. Agora erros daqueles flagrantes acho que não. Só alguns acentos errados.” Para o jornalista, este tipo de ditados – se forem feitos com uma componente lúdica e divertida – são muito importante para os portugueses.

“E estou perfeitamente convencido que são um bom incentivo para a língua portuguesa. Basta ver o número de participantes”, disse ao CM. Pinto Balsemão deseja que o encontro se repita anualmente e seja quase obrigatório para os telespectadores. Se o próprio também estivesse em casa: “participava”, confessa.

Correio da Manhã, 13 Fevereiro 2005

Quer-se dizer: um gajo esquece-se de passar o corrector ortográfico num único texto e leva imediatamente na touca. Mas "convencido que", por exemplo, tá catita, é baril. Já vi de onde veio a pentelhice, companheiro. E o seu "obrigado por existir"? É tique?

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09/12/05

Particularidades do Lisboês(*)

Micro-glossário de Lisboês-Português

assoalhadas: as divisões de uma casa, exceptuando cozinha e WC; recentemente, deixou de se utilizar soalho, que foi substituído por mosaicos munta xiros, mas ninguém diz "mosaicadas".
bica: café em chávena; equivalente ao "cimbálino" no Norte de Portugal.
brigad: o m.q. "obrigado" ou "obrigada"; também se usa com diminutivo (brigadinho e brigadinha).
canito: cão pequeno; forma carinhosa de referência a canídeos; pode também significar "pequenito", quando aplicado a algo realmente pequeno (Marques Mendes e assim).
carcaça: a unidade mínima de pão; equivalente ao "trigo" no Porto ou ao "pom-e" no Minho.
espilro: o m.q. espirro; desconhece-se o mecanismo mental que induziu a corruptilha; presume-se que não tenha nada a ver com Pilro e as suas vitórias.
faira: o m.q. "feira"; usa-se para a de Carcavelos, por exemplo, e também para os dias da semana: segunda faira, terça faira, etc.
fáxavô: o m.q. "faz o favor"; pode ser usada na forma de interjeição, como no exemplo: "engravidaste? Outra vez? Da-se! Fáxavô!".
ganda: o m.q. "grande"; serve para enfatizar expressões, como em "ganda lata", "ganda melga" ou "ganda totó", por exemplo.
imprial: o m.q. "imperial"; copo de cerveja tirada à pressão; equivalente a "fino" no Norte de Portugal e a caña em España.
inclusível: o m.q. "inclusive"; vocábulo surgido por contaminação e analogia com plausível, confundível, admissível, etc.
klega: o m.q. colega; frequente no meio académico e nos ambientes tóxicos das escolas secundárias.
mata-biche: o m.q. "mata-bicho"; pequeno-almoço (com hífen), nas classes populares; nas classes impopulares, mata-bicho é pequeno-almoço mesmo, embora se pronuncie "pequênalmôce". Existe também o verbo matabichar.
mu-a: o m.q. "amor"; pronuncia-se repetidamente, como no exemplo: ó mu-a, mu-a, mu-a.
munta lôco(a, s): traduz-se como "muito louco(a, s)" e serve para designar aquilo que a juventude lisboeta considera digna de apreço, seja o que for.
munta xiro(a, s): traduz-se como muito "giro(a, s)" e utiliza-se para tudo e mais alguma coisa, principalmente para agradecer mais um "napron" pelo Natal.
nada a haver: não tem nada a ver. Ou melhor, tem: é um mistério da Santíssima Trindade, ao Caldas.
napron: do Francês "naperon", uma paneleirice que se usa para oferecer no Natal e que serve para pôr debaixo do prato, em vez de toalha.
papo-seco: o m.q. carcaça; não existe a mais ínfima diferença entre uma carcaça e um papo-seco, mas ter duas designações à mão é sempre melhor do que apenas uma.
puzi-o: forma verbal do verbo "pôr", 2ª p.s., p.p.i.; equivalente a "pu-lo", como no exemplo: fui à praia e achei um búzio, cheguei a casa e em cima da mesa o puzi-o.
que máximoooo; exclamação; ninguém sabe exactamente o que significa. Expressão popularizada por Lili Caneças (pronuncia-se "Kanieças") e outras tias.
tavêtavêtavêtavêre: bordão da linguagem utilizado pelas chamadas "Tias de Cascais"; interrogação traduzível como "está a ver?"
ténes: o m. q. "ténis", as sapatilhas utilizadas como calçado pela juventude lisboeta e pelos outros "gangs" em geral; não confundir ténes com "Nike" ou com "Adidas", por exemplo; se é de marca, é "uns Nike" ou "uns Adidas" que se diz, não "uns ténes".
truce: do verbo "trazer", 1ª e 3ª p.s., p.p.i.; equivalente a "trouxe"; ninguém faz mais pequena ideia de como uma coisa destas surgiu no Lisboês corrente. Talvez devido a contaminação por antraz.
trusse(s): cuecas de homem. Vá-se lá saber porquê, este étimo terá sofrido uma adaptação do substantivo abstracto Inglês "truth" (verdade). Além disso, como é uma coisa que se traz, funciona como no exemplo: "trucestes os trusses? Truce."
tudo baim: o m.q. "tudo bem"; pode ser interrogação circunstancial de coisa nenhuma bem como a respectiva resposta. Como no exemplo: "tão? Tudo baim? Tudo baim, brigad."
uáu: interjeição popularizada por um eléctrico chamado Amiga Olga; pretende significar "ena", ou "bóóóólas" ou ainda "uáu" propriamente dito.
xkulp lá: expressão equivalente a "desculpe lá"; bordão da linguagem, sem qualquer espécie de sinceridade ou educação, totalmente a armar ao fino.
xtors: o m.q. "estores"; umas coisas usadas nas janelas, para que a luz não entre; no Norte (de Portugal), as mesmas coisas chamam-se "persianas" (2ª vogal aberta). Os profissionais deste mister são, por conseguinte, estoreadores.






(*) Língua falada na chamada Grande Lisboa e arredores

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Dodo justifica-se sem ninguém lhe perguntar nada


Sobre o "post" anterior. Bem, atenção, note-se que aquela prestimosíssima pessoa ("quando os sinos tocarem, na torre de S. Deniz"...), que se deu ao trabalho de me corrigir o paleio (grato, companheiro), não é para aí um palerminha qualquer. Ou me engano muito, ou foi ele o distinto vencedor do Campeonato Nacional de "língua" Portuguesa. Evento no qual, de resto, foram servidos pratos suculentos, como Par de Mamas à la Bárbara, além do prato principal, a referida língua, com ervilhas e de cebolada.

Culinárias à parte, se me é permitido o aparte, acho curioso que ainda ninguém me tenha "corrigido" a capitalização inicial do substantivo "Língua"; desde há muito andava tencionando referir-me ao assunto; ora, é simples, são cá idiossincrasias minhas, cabotinismos e manias desta pobre cabecinha que não sabe fazer mais nada de jeito além de ler e estudar; essa coisada não consta de nenhum prontuário, que eu saiba, mas permita-se-me a liberdade de inventar eu próprio - como qualquer pode fazer - novas regras de escrita; são coisas da minha gramática particular e exclusiva, a do bom-senso (com ou sem hífen).

A escrita possui ferramentas próprias que não existem na fala. Ultrapassado o objectivo básico da comunicação em suporte gráfico, o código escrito deixa de ser mera tentativa de emulação da oralidade e ganha vida própria, autonomizando-se enquanto veículo da mensagem e mesmo para além disso, como objecto estético com identidade própria. À excepção daquilo que acontece na escrita com símbolos de transcrição fonética, ou em Línguas foneticamente figurativas, como algumas das "orientais", cada Língua utiliza um código de escrita em quase tudo comum para representar sons completamente diferentes; no entanto, as regras de utilização deste código variam de uma Língua para outra, sendo a pontuação o caso mais flagrante de discrepância: o uso da vírgula, por exemplo, bem como a hifenização ou a capitalização inicial, são muito diferentes nas Línguas românicas e nas Germânicas, para não ir mais longe.

Não é por isso que alguma coisa se perde (ou se ganha), em termos de eficácia comunicativa, sendo absolutamente impossível tecer juízos valorativos sobre um fenómeno absolutamente dinâmico, extremamente complexo nas suas interacções e mecanismos de evolução. De resto, não existindo nem sendo possível que exista regressão linguística, a sua reconstrução - mesmo que pareça ameaçar destruição - é perfeitamente legítima e, paradoxalmente, inevitável. Pode haver empobrecimento da Língua, como se verifica actualmente, nos níveis menos instruídos da população e mesmo no patamar da intelectualidade medíocre e triunfante, mas apenas subsistirá evolução como saldo final diacrónico: evolução, portanto. E esta não passa necessariamente pelo facto de algum académico, academicista ou teórico da Língua se dar ao trabalho de "atestar" um novo vocábulo ou uma nova regra.

Tipos que sabem escrever, como o Pedro Mexia ou o MEC, para citar apenas dois dos mais jovens, utilizam as suas próprias regras gramaticais... sem nunca atropelar a Gramática propriamente dita e sem serem, eles próprios, exactamente paradigmas da norma linguística e muito menos da sua fixação. Certos autores possuem liberdades perfeitamente admissíveis em quem sabe umas coisas, conhece perfeitamente a cartilha básica, leu seu Latim e estudou seus Clássicos (ou vice-versa). Ora, que diabo, então e um gajo qualquer - assim como eu, ó - não pode? Essa é boa. E atão, perquêi?

Utilizo sistematicamente a capitalização inicial, em "Língua", precisamente porque é possível fazer isso na escrita mas impossível na fala. Trata-se de aproveitar uma vantagenzinha minúscula, neste caso a maiúscula, mas ainda assim uma vantagem: seria fastidioso enumerar os casos nos quais "língua", quando significando "Língua", pode ser confundido com "língua"... de vaca, à bordalesa ou com batatinhas salteadas. Uma coisa é dizer "cuidado com a língua", outra, bem diferente, é escrever "cuidado com a Língua". Há diferenças óbvias entre uma República, regime político de certo país ou designação por extenso desse mesmo país, e uma "república" de estudantes nas imediações de qualquer universidade. Não é possível que alguém se refira a A Portuguesa, o hino nacional, e isso possa dar azo a chatices com uma portuguesa qualquer. Daí também, aproveitando as facilidades e ferramentas do código escrito, ser muito mais eficaz grafar Português - para significar Língua portuguesa - do que agrafar o adjectivo "português" ao idioma pátrio.

Qualquer prontuário diz que os nomes próprios "levam" maiúscula inicial, e diz muito bem. Caso contrário, por exemplo a Bárbara anteriormente referida passaria a ser bárbara, coitadinha. Cada uma das mamas da Bárbara é bestialmente bárbara, ou barbaramente bela, e assim por diante, é bem que se não misture tudo... em sendo possível evitar.

Disse.

(aplausos)

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Caralhosmafodam


----- Original Message -----
Sent: Thursday, December 08, 2005 9:07 PM
Subject: O hífen sub-reptício

«... lá ia ele com os outros pentelheiros russos, escondidos num submarino, subrepticiamente pentelhando os americanos...»
 
 
Caríssimo Dodo
 
Mal imagina V. Exa. a trabalhosa e demorada demanda a que aquela passagem me obrigou.
E não é que acabei por encontrar o sacana do hífen ali mesmo ao lado?
Escondidíssimo, calado, invisível.
No submarino.
 
-----------------------
 
V. Exa. é do melhor que anda pela net.
Os deuses lhe dêem muitos anos de vida e tusa na caneta, para nossa delícia e edificação.
 
Muito obrigado por existir.
 
D**** M****** da C****
52 anos, empregado de escritório na ***   




sub-repticiamente escreve-se com hífen, para não constituir a sílaba "bre"
sub-repticiamente escreve-se com hífen, para não constituir a sílaba "bre"
sub-repticiamente escreve-se com hífen, para não constituir a sílaba "bre"
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05/12/05

Consultório sentimental - X

Onan? Amen.

Olá.
O meu nome é Luís tenho 16 anos e ando no 11 ano.
(...) e espero que desculpe a minha escrita, já vi que liga muito a forma que se escreve. Já sei que vai-me apontar uma data de erros mas enfim.
(...)
O que eu queria lhe dizer e se possivel que tivesse alguma resposta era o seguinte. A minha mãe apanhou-me a fazer masturbação no meu quarto ontem de manhã. Eu pensava que ela já tinha saido ouvi a porta bater e tudo e tava com uma revista da Newlook antiga, não é minha o meu irmão é que tem uma data delas, tava assim meio às escuras e entra a minha mãe pela porta dentro, eu tava de costas. Foi uma bronca. Ela não disse nada, só olhou pra mim e saiu sem dizer nada, ficou a olhar pra mime saiu logo muito depressa. Eu é que fiquei atrapalhado e agora nem sei como vou olhar pra ela, ou falar com ela, não sei que fazer. Podia responder-me qualquer coisa e de preferência não por isto lá no seu blog? Ou então por favor não ponha lá o meu nome se quiser passar partes desta mensagem como já vi antes. Mas queria saber se isto é mau, ou anormal ou assim. Quer dizer o meu problema é a velhota coitada, deve ter ficado chateada comigo e eu fiquei cheio de vergonha acho que devia era fugir daqui.
(...)




Amigo Luís (não te preocupes, "Luíses" há muitos):

O que me contas no teu email é uma coisa totalmente vulgar, no sentido de que não tem nada de especial, e muito menos te deve causar alguma espécie de incómodo ou sequer "atrapalhação". Não há nada a atrapalhar; o mais provável é ter ficado ela, a tua mãe, um pouco atrapalhada, mas apenas por causa do "flagra"; acredita que ela sabe disso perfeitamente, e deve ter até ficado muito satisfeita (e um bocadinho orgulhosa) por ver que o seu "menino" já é um homem.

Não sei se existem estatísticas sobre quantos jovens são "apanhados" pelas respectivas mães enquanto se masturbam, mas podes ficar absolutamente sossegado: aquilo a que tu chamas "fazer masturbação" (parabéns, ora aí está uma designação exacta, brilhante) é muito mais comum do que provavelmente imaginas. Mesmo sem essas estatísticas, e atendendo a que 99,9% das pessoas se masturbam ou já se masturbaram, pelo menos uma vez na vida, podemos presumir (imaginar) que isso acontece a um em cada três jovens... ou mesmo depois da juventude, porque não são apenas as mães que "apanham" os filhos em pleno "acto masturbatório"; quando casares, por exemplo, é muito provável que a tua mulher te "apanhe" também; ou que tu próprio "apanhes" a tua mulher; ou, mais provável ainda, um dia hás-de tu "apanhar" um filho teu (ou filha tua) a fazer o mesmo.

Ao fim e ao cabo, amigo Luís, todos nós - homens e mulheres - somos "apanhados", mais tarde ou mais cedo e de uma forma ou de outra. No fundo, a masturbação é um acto sexual entre duas pessoas, com o pequeno pormenor de uma estar presente e a outra ainda não ter chegado, ter-se atrasado ou, de alguma forma, não poder participar. De resto, ser-se "apanhado" ou não depende exlusivamente daquilo a que geralmente se chama "sorte e azar": sorte é ficar "apanhado" por alguém, azar é ser apanhado com alguém que não era suposto estar ali. Aliás, aquilo que agora te parece ter sido um grande azar que tiveste, dentro de muito pouco tempo vais achar piada ao caso; não conheço a senhora tua mãe, mas palpita-me que ela ainda agora deve estar a rir, e deve ter sido só por isso, para não te ofender, que ela saiu porta fora imediatamente. Concordo contigo, tiveste um bocadinho de "galo", mas - bem sei como isto pode ser irritante - podia ter sido bem pior; foi a tua mãe e não outra pessoa qualquer; imagina que tinhas sido "apanhado" por uma tia, ou uma vizinha ou, sei lá eu, a mulher-a-dias! Assim, pronto, deixa, mãe é mãe; andou contigo na barriga, e ao colo, deu-te de mamar, deu-te banho, etc.; tu, para ela, não tens nem segredos nem sombra de pecado, como se costuma dizer.

Não referes na tua mensagem uma única vez a figura do teu pai e, como expões o caso e fazes perguntas a um perfeito estranho, vais-me dar licença para presumir que - das duas uma - ou os teus pais estão de alguma forma separados ou tu não te dás lá muito bem com o "velhote". Seja como for, o que interessa é que o teu pai existe (ou existiu, espero que não seja o caso) e também ele - mas de certeza absoluta - se masturbou; se puderes, pergunta-lhe, assim, de caras: ó pai, por acaso já alguma vez se masturbou? Se ele desatar a rir, nem precisa de responder: é sim. Se ficar atrapalhado e começar a meter os pés pelas mãos, também: sim. Se nem uma coisa nem outra, idem: sim. Enfim, não adianta muito, afinal, tu perguntares coisa alguma, até porque não faz grande sentido perguntar, por exemplo, a um cão se tem pulgas. Não há-de faltar muito tempo para algum jovem (um filho teu, ou sobrinho, ou filho de um vizinho) te colocar esse tipo de "problemas". Assim como toda a gente se masturba, e ninguém precisa de lições ou de aulas sobre o tema, também toda a gente (ou quase) se sente pouco à vontade com isso.

Na tua idade (abençoada), não apenas a masturbação é normalíssima como é quase compulsiva e, de certa forma, obrigatória; a própria Natureza, a verdadeira mãe de todas as coisas, programou o ser-humano para "explodir", sexualmente falando, durante a adolescência; cresceste repentinamente e em pouco tempo, ganhaste musculatura, provavelmente já te começou a crescer barba (ou não é assim?); simultaneamente, iniciaram-se no teu corpo certos processos biológicos extraordinários que têm tudo a ver com a função reprodutora. Neste momento, segregas hormonas que induzem um comportamento próprio da juventude, e produzes esperma em quantidade suficiente para engravidar todas as mulheres do mundo (mais de 3 mil milhões). Esse comportamento implica maçadas - para os adultos - como sentido exploratório, a chamada "irreverência" juvenil ou a necessidade de marcação do território, com "graffittis" e coisas que tais. Ora, quanto ao esperma, o que há-de um jovem fazer? Expulsá-lo, evidentemente. Nem outra coisa é possível, de resto. Esta expulsão de sémen, imprescindível e inevitável, pode resultar da masturbação, ou das chamadas "ejaculações nocturnas", ou ainda através da forma mais óbvia, a relação sexual. Ou ainda, e isto vale sobretudo para o jovem adolescente, das três coisas em conjunto: se isso não ocorre já, meu caro Luís, dentro de pouco tempo serás capaz de ter várias relações sexuais completas, todos os dias, continuando mesmo assim a ter ejaculações nocturnas, e ainda te sobrará tempo (e energia) para "fazeres masturbação" não sei quantas vezes por dia.

Do fundo do coração, e falando como a um filho: aproveita, rapaz!

Esse estado de Nirvana sexual não dura muito, podes crer. Mais tarde, quando fizeres aquilo a que os mais velhos chamam "assentar", nem vais acreditar na maravilha que é ser jovem, ter saúde e, principalmente, "aguentar" três ou quatro namoradas ao mesmo tempo, ter sexo até lhe chegar com o dedo (também em sentido literal), e ainda mais, e mais, e mais, e nem sequer pensar em outra coisa senão em sexo. Pela vida fora, muitas vezes ainda te irás servir do então velhinho "cinco dedos". É que, por mais encavacante e obliterado (escondido) que seja o assunto, a masturbação não é uma coisa apenas com uma única finalidade, mas várias coisas com diversos fins.

Por exemplo, pode servir para casos não clínicos de ejaculação precoce; ou seja, para aquelas ocasiões em que um jovem, ou por inexperiência ou por puro nervosismo, costuma ejacular "demasiadamente depressa"; digamos que algo entre um e três minutos, incluindo preliminares, pode considerar-se (não sendo clinicamente comprovado como "ejaculador precoce") que estamos perante uma "ejaculação apressada". Ora, como qualquer jovem sabe perfeitamente, é conveniente "abafar o palhaço" antes de ir ao encontro da rapariga. Ou isso, ou aquela rapariga em concreto muito provavelmente nunca mais irá ao encontro daquele rapaz.

Numa escala ligeiramente superior, a masturbação pode ser também de extrema utilidade para o chamado (por mim) caso de "performance"; refiro-me a quando um homem sabe que terá de puxar dos galões de garanhão, com determinada mulher em particular. O que vale, evidentemente, para quase todas as "ocorrências" do género, em especial quando se trata de "primeira vez" ou de "one night stand" com mulher de alto coturno, extrema beleza ou simplesmente um grande par de mamas . Em concreto, sempre que um homem quer - como agora se diz, e não sou eu quem o diz - "satisfazer uma mulher", passar não uns minutos mas umas horas "naquilo", bem, o melhor é também "abafar o palhaço", devida e previamente.

Em certas ocasiões, quando sucedem aquelas tentações absolutamente impossíveis, que não convêm mesmo nada ou quando a gente tem a certeza absoluta de que "é melhor não", ora aí está outra, não há nada melhor do que... coiso. Havendo uma atracção irresistível por, não indo mais longe e não entrando em grandes confusões, a mulher do nosso melhor amigo, mais vale "bater uma" de substituição do que, muito provavelmente, perder o amigo e a mulher dele; em casos assim, que são o e do Diabo, uma "punhetazinha" até pode evitar uma balazinha na cabeça. Nunca fiando, por isso.

O que há-de fazer um seminarista, por exemplo, se não agarrar-se desesperadamente ao punhetame(*)? O voto de castidade, obrigatório para o clero, vale rigorosamente o mesmo que o voto de fidelidade no casamento: raspas de cacete. Isso não está devidamente comprovado, mas não custa muito presumir que os fluidos de carácter sexual, quando não são expelidos regularmente, podem provocar apodrecimento de massa cinzenta, feitio azedo como rabo de gato (nunca provei, mas calculo), moralismo exacerbado e outros distúrbios mentais, como aderir a seitas religiosas, pregar o fim do mundo ou aderir ao PCP. Sem a "punheta" (termo técnico para acto sexual realizado com o punho e uma imaginação porreta), qualquer infeliz está condenado a que aqueles fluidos se deteriorem em diversas partes do corpo, procurando desesperadamente uma forma de sair. Assim, é tunga-tunga, regularmente, e as pessoas vão passando menos mal.

De resto, a masturbação não se reduz sistematicamente a um acto isolado ou solitário. Não apenas a masturbação mútua é vulgaríssima, em qualquer casal, como representa a forma mais comum de "preliminares". Dito de outra forma, se é evidente que não existe masturbação sem sexo, também não há sexo sem masturbação. Que pode acontecer, inclusivamente, sem qualquer espécie de toque. Especialmente com as mulheres, é recorrente a forma "distraída" ou "casual" de masturbação: andar a cavalo é o "truque" mais conhecido (e um pouco falacioso), mas existem outras formas ainda mais imaginativas, tipica ou exclusivamente femininas, de sexo com "coisas" ou com a força da imaginação apenas. Mas enfim, este particular até não era muito para aqui chamado, porque não me refiro nesta resposta, a não ser de forma superficial, à masturbação feminina, por duas razões: porque é fundamentalmente a mesma coisa, mas também completamente diferente, e porque o assunto agora é a "carta" de um Luís e não de uma Luísa. Quando e se a coisa se proporcionar, cá voltaremos ao assunto, mas nessa mais subtil, escorregadia (salvo seja) perspectiva.

Enfim, por tudo isto, e porque a resposta já vai longa (já adormeceste? Luís? Ó Luís!), deixo-te com uma citação de um velho sabido (ao pé daquele Mestre, eu não passo de um aprendiz imberbe):

Pode-se ter o sexo na cabeça e ser puritano, ou ter a cabeça no sexo e ser leviano. Portanto, nem é fácil ser simultaneamente leviano e puritano nem é possível ter apenas sexo ou ter apenas cabeça.
Dodo

Traduzindo para linguagem mais corrente: não é grave. Tudo o que é natural não é grave(**).

Um abraço, e manda sempre.

001


(*) Luís, filho, desculpa lá a linguagem de carroceiro, mas enfim, se me escreveste já sabias que este consultório é assim mesmo, desbocado e com seu quê de troglodita. Mas esta linguagem não é para repetir, ok? Vá. Juízo.
(**) Tirando a fome, a ignorância, a doença, a estupidez, o Katrina, o Saddam, o Luís Filipe Vieira, a sarna, as pragas de gafanhotos, o Lobo Antunes, a SIDA, o Cavaco, o...

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O chouriço



(...)
Mas também pode ser normal, se a escola quiser, que ele(*) esteja ausente ou seja substituído por outros símbolos adequados à comunidade escolar. Sobretudo, não são activistas ou burocratas a centenas de quilómetros que têm o direito de definir a decoração das paredes, em vez dos alunos, famílias, professores e funcionários.
(...)

João César das Neves, Diário de Notícias, a páginas tantas



Joãozinho, filho, ó fáxavore: "decoração das paredes"? Hem, moço? O crucifixo é lá coisa para decorar as paredes, santinho!

Varreu-se-me assim de repente quem disse que às vezes é melhor estar calado, em especial quando existe risco de incontinência verbal. Não sei quem foi que disse, mas disse muito bem e devia ser muito lá de casa de nosso JCN; conhecia certamente, esse tal do outro, a sua proverbial mania de meter argoladas a trouxe-mouxe, de defender teses da forma mais eficazmente destrutiva e contraproducente, de venenosamente atacar aquilo que pretenderia defender. Qué-se dezere: lá vem ele, todo chateado, fremente de impaciência, a zurzir os ímpios que pretendem agora apear o sagrado crucifixo das salas de aula; a cruzada era meritória, o artigozinho até lhe estava a sair bem esgalhado mas... pimba, aí vem bacorada: afinal, o crucifixo é simples artefacto para "a decoração das paredes".

Ele há gajos do cacete. Bálhamedeus, ó João! Depois da música pimba, temos agora também jornalismo pimba; opinião pimba; catolicismo pimba. Este artigo não é crónica, menino; é mas é doença crónica, fosga-se.

A talhe de foice, algumas dúvidas:

1. Em não sendo "activistas ou burocratas", as pessoas com poderes para mudar a "decoração das paredes", já poderia ser? Ah, sim? Ora bem, e exactamente quais são as profissões ou os perfis adequados para tão importante tarefa?
2. Se essas mesmas pessoas, mesmo sendo "activistas ou burocratas", estiverem não a centenas mas a dezenas de quilómetros, como é? Já podem apear o Cristo e decorar as paredes com enchidos ou cabos de cebolas?
3. Caso se arranje alguém que não seja nem activista nem burocrata, e que viva perto de escolas, assim ao virar da esquina, pode?

Eu cá, por exemplo, que não sou nem uma coisa nem outra, muito pelo contrário, e que vivo a 50 metros de uma escola, serei eu elegível como decorador de paredes escolares? Posso chegar lá e pendurar uma bandeira do Benfica? Um "poster" com uma gaja podre de boa? Podia até abrilhantar a coisa, não sei se seria boa ideia, afixava não apenas as cebolas, mas também uns cabos de alhos e de malaguetas e, é claro, a bela alheira de Mirandela, o cheirosíssimo chouriço alentejano, a esplêndida morcela de Estremoz e outros enchidos tradicionais. Decorando as paredes desta forma permitir-se-ia criar nas nossas escolas um ambiente acolhedor, de restaurante típico; além disso, e vantagem nada desprezível da remodelação, os nossos alunos poderiam, em todo o Portugal profundo, recolher das paredes algum alimento - propriamente dito - e já não apenas o parco, frugal, famélico alimento espiritual que advém das cruzes.



(*) Não é fácil de entender, para quem leu o texto integral, mas este "ele" refere-se ao crucifixo propriamente dito.

charcutaria (copyright e bandwidth): Diário de Notícias

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01/12/05

A chouriça


A deputada Ana Drago, esse excelente pito, escandalizou recentemente o povo cristão em geral ao comparar, em qualidade e em vigor reflexivo, um chouriço a um crucifixo. Segundo esclareceu a própria, a posteriori, já um pouco acagaçada pelo burburinho que as suas palavras provocaram, aquilo que estava em causa, na analogia do enchido com o símbolo máximo católico, era o carácter alegórico de ambas as coisas, se entendidas como referências culturais. Enfim, a miúda ficou obviamente atrapalhada e, tentando desfazer o sarilho em que se meteu, quanto mais desculpas esfarrapadas foi atirando para os media, mais se foi enterrando; deve estar ainda, neste preciso momento, a levar umas cachaporras dos seus apaniguados e chefinhos, a ver se aprende a estar caladinha e a não se meter em assuntos de religião. É que, evidentemente, nos tempos que vão correndo, o chamado "bloco de esquerda" já não é propriamente o grupo excursionista de militantes solidários que era ainda há cinco ou seis anos; agora, aquilo dá tacho a um não desprezível maralhal e, portanto, há que ter tento na língua; principalmente durante este ano, em que alguns dos dirigentes dessa prestimosa organização, em especial os deputados, estão a um passo de conseguir a abençoada reforma por inteiro, mais mordomias - para si próprios e para a sua descendência.

No fundo, no fundo, se, por um lado, há que admirar a total desfaçatez da rapariga, pela ingenuidade e pela aparente franqueza que demonstrou (há que desculpar a inconsciência e a infantilidade dos juvenis, até certo ponto), por outro lado é necessário que alguém assuma a sua defesa. É preciso defender, mesmo fisicamente, a chavala, tendo em atenção que se trata de pessoa abaixo de meã, e para mais mulher, fraca e desprotegida. É agora que ela precisa de ajuda, já que se meteu na maior alhada da sua ainda curta vida. Sabê-la rodeada de galfarros barbudos, num qualquer esconso onde a seita se costuma acolher, bem, convenhamos que não é uma perspectiva muito animadora para a saúde de nossa Aninhas. Corramos nós, cavalheiros honrados, em seu socorro; ergamos nós esta bandeira protectora por sobre a sua cabecinha, que se arrisca a rolar miseravelmente.

No fundo, no fundo, o que disse ela, afinal? Que um chouriço ou um crucifixo, nas paredes das salas de aula, era igual ao litro? Ora, ora. E isso que tem? Então não existe, só para dar um exemplo, a Confraria da Alheira, em Mirandela? Trata-se de um produto de charcutaria ligeiramente diferente, mas de igual modo bem respeitável é, com toda a certeza! E porque não, apeado o Cristo, uma garrafinha do nosso afamado vinho do Porto a impor o devido respeito a discentes e docentes? Ou então um galo de Barcelos, esse expoente máximo da cultura lusa, já que a cultura se referia a rapariga, sem querer ofender.

No fundo, no fundo, a deputada do BE pretendia apenas dar um exemplo daquilo que é simbologia cultural, sem qualquer implicação ou menor respeito para com as convicções de cada um. Referiu o chouriço em vez do crucifixo, como poderia ter sugerido que se trocassem as fotografias do presidente da República por outras de Pinto da Costa ou de Luis Filipe Vieira, conforme a localização de cada escola, mais a Sul ou mais a Norte; o que não seria, de resto, nada mal pensado; ou isso ou escolher uma figura culturalmente mais consensual, como o futebolista Luís Figo ou o próprio Dalai-Lama, para não ferir susceptibilidades.

No fundo, no fundo, o que ela pretendia era tão somente fazer valer um ponto de vista que lhe ocorreu naquele preciso momento, sem a mais leve marca ideológica e muito menos imbuída de qualquer tipo de ideia preconcebida. Poderá ter sido mesmo um simples, e por consequência altamente compreensível, lapso mental, qualquer coisa semelhante a uma eructação cerebral - espécie de arroto ou flato, inopinadamente produzido em alguma circunvolução cerebral mais renitente; e destas coisas, como sabemos, ninguém está livre. Venha de lá o mais pintado que nunca se tenha descuidado na ocasião e no lugar mais inconvenientes. Há que perdoar, como ensina e manda a própria fé católica, de mais a mais em se tratando de coisas de tipo intestinal, que ninguém domina por completo.

No fundo, no fundo, ela nem disse nada de diferente daquilo que os seus pares pensam, propalam, propagandeiam. Meteram-lhe aquilo na cabeça, foi o que foi, e a miúda limitou-se a recitar o que julgava não ser proibido dizer fora do grupo. Aliás, o ateísmo militante é uma condição sine qua non para se pertencer à agremiação bloquista. Portanto, está-se mesmo a ver, coitada, puseram-lhe um microfone à frente e foi assim, aqui vai disto. Agora aguentem-se. Ah, não se podia comparar Cristo a uma chouriça, em público? Olha, paciência. A coisa fugiu-se-lhe, pronto, não se fala mais nisso.

No fundo, no fundo, o que é preocupante é que aqueles hipócritas do caralho são bem capazes de lhe dar cabo do canastro. Essa é que é essa. Olha que ricos meninos. A garota ficava bem na fotografia, era uma bela jarra para ter à direita do chefe (à esquerda costumava estar outra miúda ainda mais boa do que esta), mas agora pode ser que lhes foda o emprego a todos. E, isso, os gajos não vão perdoar. Se não chegar a acontecer nenhum acidente à jovem, ela vai certamente ao fundo. Ao fundo. Tão nova e já tão fumada, coitadinha.

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From: 001
To: 100
Sent: Thursday, December 01, 2005 12:47 AM
Subject: Caça ao pintelho ortográfico


Excelentíssima Senhora:

Queira V. Exa. relevar o topete, como de costume devido à minha proverbial irascibilidade matinal, mas não posso de forma alguma deixar passar sem resposta uma expressão - utilizada por V. Senhoria no próprio blog de V. Senhoria - que me parece ser dirigida, precisamente, a mim próprio. Ou que, não o sendo de facto, serviu-me perfeitamente como carapuça, que enfiei até ao garruço.

Com o devido respeito, passo a citar a frasezinha em causa:

"(...) ou lá o que é a classificação do que seja mesmo uma couve, que eu nisto de classificações de legumes, frutos, hortaliças, carnes diversas e até peixinhos, nos tempos que correm de perseguição ao pintelho ortográfico, parece-me que todo o cuidado é pouco..."

Temos que, portanto, hortaliças, e tal, e tal, e depois lá vem a alfinetada: profere V. Exa., e alega, por supuesto, que "nos tempos que correm" estará sucedendo uma verdadeira "perseguição ao pintelho ortográfico". Ora, cara senhora, permita-me que a contradiga, começando por referir esta verdade indesmentível: a Ortografia, uma das filhas da venerável Gramática, e por sinal a mais desprezada, não tem pintelhos nenhuns; posso mesmo afiançar que a dita, à semelhança das suas irmãs(*) (suas, dela, da Ortografia), é totalmente desprovida de "pintelheira". Nada. Nem um pelinho para amostra. A coisa que a Ortografia tem mais parecida com um "pintelho" é a chamada "cedilha", um sinal gráfico utilizado em certas Línguas românicas, do Português ao Francês, passando pelo Romeno; no entanto, ainda assim, não me parece poder surgir qualquer equívoco, no aspecto ou na finalidade, entre um "pintelho" e este simples sinal auxiliar da escrita; bem vê, a "cedilha" é curva, como qualquer "pintelho", mas as semelhanças ficam-se por aí; claro que a Ortografia compreende também os sinais de acentuação, o "til", os acentos grave e agudo e o acento circunflexo, mas não me parece que, mesmo munido de muito boa vontade, possa achar a mais leve similitude entre qualquer deles e um verdadeiro "pintelho", por mais retorcido que seja (o "pintelho", não eu). Que é, aliás, geralmente, recurvo e comprido, enquanto que a pobre cedilha e os inocentes acentos são muito mais simples e escorreitos.

De resto, não se ficando as diferenças por aqui, devo referir que a expressão de V. Exa. motivou-me a investigar mais profundamente o assunto, por assim dizer. Perdoará certamente que desate já caçando-lhe pentelhices ortográficas, mas sucede que o vocábulo "pintelho" não existe na Língua portuguesa. Consultado, a propósito, o Dicionário Houaiss - como saberá, os dicionários são uma espécie de Ghost Busters linguísticos - verifica-se que o termo correcto é pentelho - como diz a páginas 6238:

/a ou ê/ s.m. 1. tab. pêlo pubiano 2 B tab pessoa aborrecida, enfadonha, maçante 3 B in-frm. pessoa que exaspera com a sua presença, que importuna, que não dá paz aos outros GRAM fem. das acp 2 e 3: pentelha ETIM pente + elho; ver pente- HOM pentelho (fl. pentelhar)

Saiba V. Exa. que se costuma aprender umas coisinhas, nos dicionários, e eliminar uma série de dúvidas de uma penada só. De caminho, no mesmo sítio do pentelho, catei logo o verbo pentelhar (causar aborrecimento ou tédio), o substantivo feminino pentelhação (acto ou efeito de pentelhar) e o adjectivo correspondente, valendo este para os dois géneros, a saber, pentelhudo (homem que tem pentelhos em abundância) e pentelhuda (mulher com a respectiva pentelheira basto densa e farfalhuda). Cuidando desde já não ser o caso de V. Exa., até pelos inconvenientes e maçadas que daí lhe poderão advir, permitir-me-á certamente a ousadia de alvitrar que a sua confusão terminológica deve ter uma base muito mais displicente do que a simples distracção.

Em concreto, não pretendendo pentelhar excessivamente V. Exa, e mesmo arriscando a partir de agora o epíteto de pentelhudo ou, pior ainda, de pentelhudo p'ra caralho, manifesto com vigor o meu repúdio por semelhante afirmação. Não existe caça ao "pintelho" ortográfico coisa nenhuma, minha senhora, porque não existe "pintelho". Ora aí tem. O que existe, metendo actividade cinegética e ortografia, é caça ao erro ortográfico. Caça, minha senhora, não caca. Já viu a diferença que faz, uma simples cedilha? Como pode tal coisa ser uma pentelhice, não me explica? Então não está bem que se cace faca, s.f., por faça, v.? Ou coisas semelhantes, como possa, v., por poça, s.f., peça, s.f., por Pessa (apelido), ou por peca, v? Não acha V. Exa.? Mas qual caça ao "pintelho", qual cacete, ilustre senhora! Isso é tremenda confusão sua, nada mais. Uma coisa é um pelo púbico, outra um pecado público. Está claro? Ora bem.

Um pentelho serve quase exclusivamente para ser cuspido ("pfuim, que porcaria"), enquanto que um pentelho ortográfico serve para mais alguma coisa, além de também ser cuspido. Serve não só para pentelhar o parceiro, mas igualmente para que se entenda alguma coisinha daquilo que o mesmo parceiro diz. Essa sua mania da caça ao pentelho ortográfico lembra vagamente um célebre filme de Holywood, o "Caça ao Outubro Vermelho", protagonizado pelo Irlandês Chean Connery (Chean, porque ele fala achim, não assim); esse tal Chean fazia de capitão e tinha no filme a cara cheia de pentelhos, e óspois lá ia ele com os outros pentelheiros russos, escondidos num submarino, subrepticiamente pentelhando os americanos - como fazemos nós outros, os caçadores de pentelhos ortográficos. Muita honra, minha cara senhora, ora essa. É que a gente não deserta, como esse capitão. Aqui não há trânsfugas, compreende? Nós, os pentelheiros assumidos, prestamos um serviço público - sabe Deus com que sacrifícios, por vezes - a troco de porra nenhuma, a não ser umas quantas bocas foleiras. Como é o caso, foda-se. Não chupo esse tipo de merdas, que fique bem claro, minha senhora.


Tome e embrulhe V. Senhoria, com os melhores cumprimentos.

Dodo



(*) a Semântica, a Sintaxe, a Morfologia, a Fonética e a Fonologia
Nota 1: o tratamento por V. Senhoria refere-se a V. Exa., e vice-versa; não deve ser entendido como referência à vossa senhoria, no caso de viver V. Senhoria em casa alugada.
Nota 2: esta missivazinha não representa a classe dos pentelheiros profissionais no seu conjunto; apenas alguns deles; sobretudo, aqueles que não usam sobretudo.
Nota 3: à laia de presente de despedida, deixo-lhe outro pentelho: se bem que me tenha referido sistematicamente a elementos da prosódia gramatical, a sua ilustração das couves está muitíssimo bem esgalhada mas refere-se a elementos de classema gramatical, o que tem bem pouco a ver com a mana Ortografia.
Nota 4: não sei bem o que quer dizer classema, mas acho que é giro e que arrasa qualquer um.

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29/11/05

onomatopeia exclusiva


:-)

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É horrível, mas... olha que interessante (*)

The killing machine that is Marxism
Posted: December 15, 2004
1:00 a.m. Eastern
By R.J. Rummel
© 2004 WorldNetDaily.com




(*) Interessante, para quem ainda não sabia, claro. Ou para quem se interessa por números, por massacres, por factos e outras coisas horripilantes. Enfim, para os reaccionários em geral e para quem se está nas tintas para os intelectuais de esquerda.

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Nota escatológica sobre a consulta IX


Para quem andava por aí a dizer que eu era incapaz de escrever fosse o que fosse sem encher tudo com palavrões, ora aí está a resposta. Um "lençol enorme", como diz o outro, sem uma só caralhadazita. Toma. Nha-nha-nha-nha. Nem "mamas" nem nada! É "seios" que eu lá digo, foda-se. Seios, não mamas. Mas também, olha que caralho, quando se fala de cancro nesses deliciosos ditos cujos, diz-se "cancro da mama", não "cancro do seio"; cancro da mama é um termo técnico e tudo! Eu cá gosto de mamas (e de seios também, claro). Mamas. Mamas. Nhiam nhiam. Porra. O que me custou escrever "seios" em vez de "mamas". Ninguém imagina. Fartei-me de apagar "mamas" e de substituir pela forma politicamente correcta. Foi literalmente fodido escrever aquela merda. Nem uma caralhada, foda-se! Nem uminha só. Estou aqui exausto. Não me cabe um feijãozinho. Caralhosmafodam mai-la censura. Vão-se todos foder, mas é.

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Consultório sentimental IX

Atracção fetal

"Smooth-skinned and feminised looks are characteristics of youth. It's possible that these looks stimulate not only sexual but also maternal feelings. If women want to be more dominant, they will look for a little-boy face."
Desmond Morris

O maior mistério da existência, logo a seguir ao da própria existência: qual é a coisa qual é ela que mais nos atrai numa pessoa? Quem feio ama, bonito lhe parece. Porquê? O que é a paixão, afinal?

Desmond Morris, o velho sábio, diz - com a propriedade do costume - que se trata de uma manobra biologicamente motivada por cima da qual foram barradas diversas camadas de explicações mais "convenientes"; entretanto, estas camadas acabaram por recobrir tão eficazmente a verdadeira motivação da atracção, algures durante o processo evolutivo, que acabámos por já nem saber bem qual ela era, ao certo. Mas continua sendo rigorosamente a mesma de quando ainda havia mamutes sobre a Terra; hoje como há milénios, é ainda a velha e por vezes rezingona Mãe Natureza quem manda, tanto nisso como em todas as coisas: ide e multiplicai-vos, eis o fundamento bíblico, e simultaneamente natural, da atracção física. Mas trata-se de um princípio que se aplica apenas à nossa espécie, pelo menos de uma forma proactiva e não apenas reactiva, como acontece em algumas espécies de aves e na maior parte das famílias de primatas, bem como em outras espécies de mamíferos; por exemplo, algumas aves exóticas executam maravilhosas "danças nupciais", e casos existem em que elaboram complicadíssimas "pérgulas", decoradas com diversos materiais; existem rituais de "cortejamento" em espécies tão diversas como as renas, as focas, os golfinhos, ou mesmo entre espécies por nós domesticadas há milénios, como o gado bovino ou o simpatiquíssimo gato caseiro. Podemos também considerar que em quase todas, se não todas, as espécies, e mesmo entre os répteis, sucedem episódios de "conquista" - geralmente através da exibição de poder físico, por parte dos machos, que lutam entre si pelo direito de acasalar com uma ou mais fêmeas.

Porém, ao que se sabe, por exemplo a um cão será completamente indiferente se a cadela que vai cobrir tem um pêlo mais macio, se está bem lavada ou se costuma ser carinhosa com os seus cachorrinhos; ao mesmo canídeo pouco ou nada importará se à parceira ocasional faltar um olho ou uma pata, ou se terá mau feitio, ou se não passa de uma cadela vadia, em sentido literal e não figurado. O que está em causa, do ponto de vista do cão - e da cadela - é a reprodução da espécie... mesmo que disso não tenha a mais ínfima das consciências.

Connosco é obviamente diferente, tudo muito diferente. Da atracção física depende, em larga medida, o futuro do par, do casal, ou mesmo da própria consumação do acto sexual. Aquilo que é atraente para uns não será para outros, entre os sexos e para os elementos destes entre si, mas existem factores comuns que ajudam a compreender a mecânica quase reflexológica deste impulso básico.

Citando mais uma vez o sabidíssimo Desmond Morris, "o que não correu muito bem na evolução da nossa espécie, foi que o nosso cérebro cresceu cem vezes, ou mil vezes, enquanto o resto do nosso corpo ficou praticamente como era, no início". Ou seja, se a fisionomia da espécie humana tivesse acompanhado a evolução do cérebro humano, hoje em dia ninguém necessitaria de comer, beber, dormir, defecar, urinar. Assim, somos senhores de um pensamento livre, de uma cultura arreigada e complexa, mas ficámos agarrados a um corpo absolutamente primitivo, complicado, desgastante e, de certa forma, descoroçoantemente trapalhão: um corpo que engorda estupidamente, ou que emagrece irritantemente, que é necessário lavar permanentemente, um corpo sempre cheio de fome e de sede, um corpo que envelhece todos os dias, que ganha rugas, e cãs, e banhas; trazemos sempre connosco o nosso próprio cadáver adiado que, enquanto se não fina de vez, persiste em adoecer, ou cujas partes mais delicadas estão sempre em vias de quebrar em algum sítio. É um desespero, enfim, este corpinho que nos tocou em sorte. Temos a tecnologia para ir à Lua, ou mais além, mas um dos grandes problemas dos astronautas é como se desfazerem dos dejectos a bordo, ou como cortar as unhas no Espaço, por exemplo.

O conflito sistemático entre a nossa cultura, ou chamemos-lhe inteligência, e a nossa condição de simples e comum espécie animal é aquilo que mais nos confunde, de resto. A atracção, em qualquer das suas formas, seja a simpatia (ou o seu inverso, a antipatia), a amizade ou o chamado "amor", é a forma observável deste conflito: o que atrai (geralmente) um homem, numa mulher, as curvas mais ou menos voluptuosas do corpo dela, a sua voz ou a sua forma de andar, tudo isto não terá qualquer importância - e, por conseguinte, não implicará qualquer atracção - se, por exemplo, o cheiro dessa mulher for desagradável para aquele homem em particular; do mesmo modo, aquilo que (geralmente) poderá ser atractivo para uma mulher, num homem, a sua força física, o seu carácter descontraído, ou seja o que for, de nada tal servirá se, por acaso, esse homem for absolutamente inepto, ou brutal, ou simplesmente porcalhão. São, por regra, factores subtis e aparentemente insignificantes aquilo que provoca atracção (ou repulsa), mas em qualquer caso existe sempre uma base absolutamente primária para que ou uma ou outra das coisas suceda.

As formas "voluptuosas" que o homem vê, representam uma garantia de alimento para a prole; uma "gaja boa" é, por conseguinte, uma imagem geneticamente programada para o sexo masculino da nossa espécie; daí, simplificando ao máximo, o conceito de "beleza feminina" - que é uma ideia exclusivamente masculina. A força do macho, factor decisivo nos primórdios mas ainda hoje muito importante, representa a capacidade que aquele terá de defender a prole e a própria fêmea, além de que garante - previsivelmente - alguma qualidade genética para a constituição de uma prole saudável e com probabilidade de, por conseguinte, vingar. Beleza e força - ambos conceitos relativos - são dois sinais exteriores de saúde, garantia de qualidade geracional, e tanto mais quanto mais complexos se tornarem. A atracção, para ambos os sexos, consiste hoje em dia muito mais na apresentação do que na representação: a força física vai sendo radicalmente substituída pelas vestimentas que o homem enverga, pela viatura que conduz, pelo emprego e pela posição social que ostenta; o automóvel é hoje o símbolo maior do macho dominante, como era a moca para o homem primitivo, o machado para o troglodita ou o conjunto armadura e montada para o cavaleiro medieval. Por outro lado, a posição social garante alguma espécie de inteligência, o que é um factor não desprezível de outro tipo de força, igualmente ou ainda mais útil do que a simples força bruta.

Para um "bosquímane" da África central, uma mulher atraente não será por certo exactamente a mesma coisa que para qualquer camponês do Vietname; é claro que, para o hommo urbanus actual, muito provavelmente tanto a mulher bosquímane como a vietnamita não apresentariam o mais pequeno atractivo. Concluindo que a beleza física - e, portanto, a atracção - é um fenómeno cultural, poderemos talvez depreender que alguma evolução fisiológica ocorreu nas sociedades modernas, e especialmente no que às mulheres diz respeito. Os atractivos sexuais femininos evoluíram de facto, e estamos a falar de mudanças realmente fisionómicas: as formas físicas femininas, e em particular os seios, desenvolveram-se, apenas nas sociedades urbanas ditas "evoluídas", e transformaram-se num símbolo de fertilidade (e de atracção para o sexo oposto) absolutamente único em todos os seres vivos, mas isto somente ocorreu na mulher citadina, europeia ou ocidental - não nas sociedades tribais ou culturalmente herméticas. Digamos que a chamada "mulher moderna" se transformou num produto de consumo altamente produzido, tendo esta transformação sido mais interiorizada e assumida pela própria mulher do que induzida ou imposta pelo sexo masculino.

Acontece, porém, que a mecânica mental subjacente ao processo de atracção se afasta cada vez mais da motivação biológica original; aos olhos de uma fêmea humana, o automóvel, a "encadernação", o cabelo limpo e a dentadura rebrilhante de um macho representam algo de ainda mais evidente e rasteiro do que a simples viabilidade reprodutiva; ou seja, representam dinheiro, aquilo que viabilizará uma vida descansada e sem necessidades, muito mais do que a agora desprezível capacidade de cobrição. Como cantava Marilyn Monroe, um ícone da verdadeira boneca urbana, "diamonds are a girl's best friend". Os músculos perderam grande parte da atracção, sendo rapidamente substituídos pelos cifrões - esses sim, aquilo que mais cativa o sexo feminino; de facto, qualquer mulher é perfeitamente capaz de se "apaixonar" perdidamente por uma grande conta bancária e de passar a desprezar olimpicamente qualquer desgraçado que se ache, de repente, por exemplo, no desemprego. Se bem que este seja um tipo de "atracção" perfeitamente delimitado, ou seja, tendo em vista a formalização contratual de uma ligação, aquilo a que vulgarmente se chama "casamento"; porque, para efeitos mais imediatamente sexuais, ou lúdicos, por assim dizer, os factores de atracção primordiais alargam-se um pouco: já não é apenas o dinheiro que interessa, no candidato a companheiro sexual, mas voltam a ter importância decisiva os factores físicos, a força, a coragem, os dentes, o hálito, o cabelo, o cheiro, as mãos, os olhos, etc.; neste particular o arsenal feminino é imenso e, por vezes, absolutamente hilariante.

Como existem gostos para tudo, há mulheres que apreciam particularmente - e aferem daí a qualidade do macho que têm em presença - o pé masculino; consideram, e algumas chegam a proferi-lo descaradamente, que o tamanho do pé de um homem é rigorosamente igual ao tamanho do seu pénis. Curioso axioma. Também há algumas que afiançam tirar tais medidas, a priori, pelo tamanho de uma mão aberta; outras, apreciam e fazem equivaler de igual modo o tamanho do nariz com o respectivo "coiso". No fundo, e descontando estes palpites especulativos, o que resta como facto é que o tamanho interessa - ao contrário do que afirma a mulher politicamente correcta - e é mesmo fundamental, essencial, fatal como o destino. Isso e a "performance" do macho, a fama de garanhão que transporta colada à pele e que é passada de boca em boca pelas mulheres que vão conferindo as capacidades de cada um, ao longo da vida.

E chegamos por fim ao irónico desenlace de todo o processo. Aquilo que atrai uma mulher num homem (dinheiro, para casar, e hormonas, para acasalar) implica um tremendo esforço por parte daquela, para se tornar atraente aos olhos deste: a mulher pinta-se, produz-se, perfuma-se (e ainda bem, por amor de Deus) não para "se sentir bem consigo mesma" (como fica bem dizer-se) mas apenas para cativar a atenção do maior número possível de homens; é o princípio básico da manada de gnus em estado selvagem, ou do cardume de sardinhas, mas na perspectiva inversa: quanto mais elementos tiver a manada ou o cardume, menor probabilidade toca a cada um de ser caçado por um predador; para uma mulher, quanto mais machos "atrair", maior será a probabilidade de poder escolher vários e, destes, caçar os mais aptos (em dinheiro e em potência, preferencialmente, ou, se não for possível, ir-se-á testando cada coisa em sua vez). Ora, está bem de ver que a táctica resultou em pleno, após milénios de evolução e de informação genética aperfeiçoada: realmente, não existe qualquer alternativa nem pode haver qualquer resistência, do ponto de vista masculino, ao arsenal de atractivos femininos. Por regra e por definição, uma mulher é tanto mais feia, mal feita (e, portanto, moralista), quanto menos se importar com o seu aspecto físico ou quanto menos beleza natural lhe tiver sido distribuída, por fatalidade ou por deficiente combinação genética. As potencialidades atractivas, inerentes às condições físicas, têm o seu início ab ovo, em sentido literal; utilizando um jogo de palavras um pouco redutor, mas apenas para passar a mensagem, tudo começa no feto, continua no fato e acaba na foto; ou seja, tudo depende daquilo que se passar ainda antes da fecundação, a herança genética de pai e de mãe, das suas condições de vida e do seu estado de saúde, e da própria gravidez (o feto) ; depois, depende das condições sociais de cada qual e das incidências pessoais que ocorrem durante a infância e a adolescência, até ao resultado na vida adulta, profissão, estatuto, etc. (o fato); por fim, ou no fim, não resta nada, ou quase nada, a não ser recordações, memórias, aprendizagens (a foto).

Como a saúde é um estado clínico que não augura nada de bom, a beleza física é um estado de decadência transitoriamente agradável à vista. Bem como a atracção, a paixão, o amor, são as diversas facetas de uma mesma, deprimente, por vezes horrível realidade: a fase larvar e pulsátil que antecede o envelhecimento e a morte. Uma mulher pode ser espantosamente bela durante algum tempo, mas não o será certamente durante muito tempo, e muito menos durante o tempo todo. Como um homem pode ser o mais rico lá do bairro e arredores, ou o mais forte, ou o mais esperto, mas não será nunca mais do que o mais esperto, o mais forte ou o mais rico do cemitério onde for enterrado. E isto, ainda assim, se tiver a sorte de ser enterrado. Se tiver tido filhos, portanto. O princípio e o fim, portanto. Afinal, só isso é importante, portanto. Só isso é verdadeiramente atraente. Portanto.

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Cusca, Bóbi, cusca!


ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Lei n.º 53/2005
de 8 de Novembro

Cria a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social,
extinguindo a Alta Autoridade para a Comunicação Social

Artigo 6.º
Âmbito de intervenção


Estão sujeitas à supervisão e intervenção do conselho regulador todas as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam actividades de comunicação social, designadamente:

a) As agências noticiosas;

b) As pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem;

c) Os operadores de rádio e de televisão, relativamente aos serviços de programas que difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam, sob sua responsabilidade editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica;

d) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação;

e) As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.


Este post foi visado pela ERC





O "pointer" azul

Grandessíssimos filhos de uma senhora mal comportada. Efeminados de um enganado pela legítima. Ide mas é tomar no esfíncter, seus artistas circenses. O que vocês mereciam, ó pessoas desprovidas de sageza, era que vos enfiassem o decreto por onde o sol nunca brilha (do Inglês, "where the sun never shines") acima. Olha que grande órgão reprodutor masculino! Então agora passou a ser possível produzir conteúdos desorganizados, sem um todo coerente? Tenha-se relações!!! Como assim, um todo incoerente? Como é possível uma coerência apenas parcial? Hem, pergunto eu, ó democratas de pacotilha. Paizinhos e salvadores da Pátria, uma estrelinha que vos guie e um penizinho que vos fecunde.

Estão finalmente vingados, e em forma de lei, os paladinos da identificação compulsiva, os Abruptos e os Queridos do sistema, mai-los esbirros Bloguíticos e os histéricos tipo Granado. Evidentemente, uma das primeiras medidas desta coisa ERC será identificar todos e cada um dos autores de blogs nacionais. "Mas quem será este desnaturado?", matutarão aquelas cabecinhas autorizadas, "ora espera aí, filho, que eu já te fodo bem fodido; ai és anti-comunista? Por exemplo? Ah, então isso é conteúdo organizado. Fodeu. Deixa cá ver o teu IP. Ora, portantos, e tal e tal e tal, uma chamadita para a DCCB, ora bem, és Fulano de Tal. Já vai uma brigadazinha a caminho, ah ah ah ah, cacei-te, ganda morcão. Next!"

Entregue a "blogosfera" a esta bicharada, em pouco tempo restarão apenas umas quantas centenas de blogs absolutamente inócuos, uma babugem exclusivamente reprodutória, plagiadora, situacionista, conformada, um grupelho de indigentes mentais que se dedica a produzir banalidades coerentes, mas sempre, sempre, sempre devidamente identificadas. O blogger anónimo passa, a partir de agora, automaticamente à categoria de autor suspeito e, por consequência, de perigoso bandido intelectual, alguém que procura corromper as sãs mentalidade e convivência democráticas. Se é anónimo, presume-se que tenha algum motivo para o ser - e isso não augura nada de bom para a estabilidade do regime e para a segurança do Estado. Se é anónimo, é porque tem algo a esconder - e se tem alguma coisa a esconder, vamos lá a ver, só pode ser uma coisinha má.

No fundo, no fundo, esta malta que escreve nos blogs é como as crianças, que escondem caramelos numa mão e mostram a outra como quem diz "não fui eu, não tenho nada, não sei quem foi". Alguns até se comportam menos mal, principalmente aqueles que trazem ao pescoço a chapinha regulamentar, com nome e endereço; e, destes, alguns serão mesmo úteis à polícia virtual, porque certamente denunciarão os vizinhos que se acoitam por detrás de pseudónimos.

Os bufos começam de facto a meter o focinho onde não são chamados, gozando por antecipação o poder que a Lei 53 lhes confere. Espreitam blogs suspeitos, deixam recadinhos nas caixas de comentários, enviam umas mensagens estranhas, a ver se conseguem descobrir quem é Fulano, Sicrano ou Beltrano. A mediocridade sempre foi delatora, porque o bufo é, por definição, invejoso e mesquinho; quanto mais freneticamente assinam por baixo todos os dislates e imbecilidades que escrevem, mais assanhadamente se revoltam contra os párias heterónimos, esses anormais, pensam eles, que se estão nas tintas para a bajulação, a frivolidade, a notoriedade.

Entre agentes e informadores da nova Polícia Virtual (PV), a coisa rondará neste momento os 300 a 400. Os primeiros são pagos pelo erário público e os segundos recebem elogios da oligarquia bloguística, são convidados para umas palestras e umas mesas-redondas sobre o "Bloguismo", esse mistério, comparecem em almoços e jantares de "confraternização", organizados por grupos excursionistas; alguns serão os "eleitos", mas poucos os "escolhidos" para o Grande Conselho onde, sentados à direita e à esquerda do Grande Irmão, deliberarão sobre quem merece e quem não merece permanecer no blogbairro, quem deve ser promovido a blog "de referência" e quem deve ser excluído da irmandade, quem deve ter direito a dizer o quê e quem não deve ter direito a sequer pestanejar; tudo com fichinhas de avaliação devidamente fundamentadas, com referências e assinaturas reconhecidas.

Conseguiram, vocês outros, paladinos das "amplas liberdades", democratas geneticamente modificados. Conseguiram, por fim. Liquidaram, a golpes legislativos, a última réstia de liberdade que existia em Portugal.

Daqui, deste púlpito sobranceiro e recôndito, do alto deste anonimato que me esconde do mundo e da vergonha, lanço um anátema sobre as vossas cabeças: malditos sejam!

Que Deus vos perdoe, e a mim porque não sou capaz.


P.S. (salvo seja): a este respeito, ler aquilo que talvez seja o primeiro documento a fazer jurisprudência sobre o assunto publicado no Blasfémias.
Ler também as mais recentes deliberações da AACS, que incluem uma sobre certo blog de "alegado conteúdo racista e xenófobo". [citação](...) considera esta Alta Autoridade que se acha hoje impedida de tomar qualquer medida no âmbito descrito no presente processo, cuja denuncia, no entanto, considera procedente e provada.[fim de citação]. Qual poderia ser a "medida" a tomar, por estes senhores? Forca em praça pública? Açoites? Puxão de orelhas ao autor das "alegadas" diatribes? Multa? Prisa? Ou o que raio, então?




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