Odi profanum vulgus et arceo

31/05/05

Havia, entre os Fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais entre os judeus. Foi ter com Jesus, de noite, e disse-lhe: «Rabi, sabemos que vens da parte de Deus como mestre, pois ninguém pode realizar os milagres que Tu fazes se Deus não está com ele.» Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: quem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.» Disse-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo já velho? Pode entrar segunda vez no seio materno e renascer?» Jesus retorquiu-lhe: »Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne, é carne; e o que nasceu do Espírito é espírito.»

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30/05/05

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29/05/05

SMS nunca enviados


Odeio povo e barulho. Há mt povo e mt barulho. Não sei k fazer k tanto ódio.
(27.03.04, 17:15)

Qd souberes o k keres, liga se kiseres. Se n souberes, n ligues. Se n kiseres... tb
(11.06.04, 23:11)

A tds amigos e familiares: GFY
(31.12.04, 00:02)

Impossível dormir. Tás bem? Cumps da Carla
(11.01.05)

Bruto? Pq? Muda de vida a ver s sou bruto. Assim n sei falar ctg nem me apetece + nada!
(14.01.05)

Comunas ganharam eleições maioria absoluta. FDP!
(20.02.05, 22:13)

Helder? K Helder? Jantarinho!? Nova akisição? Parabéns!
(02.05.05, 02:17)

VAI-TE FODER!
(03.05.05, 04:15)

Podes ligar?
(15.05.05, 22:10)

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26/05/05

Ler dá trabalho


26 de Maio, dia feriado. Pode-se legitimamente duvidar de que metade dos portugueses saiba o que diabo se "comemora" neste dia. É apenas mais um para não fazer nenhum. Para isso, para não fazer absolutamente nada, qualquer pretexto é legítimo; o "trabalhador" português típico é, de resto, um dos maiores especialistas mundiais na parte da legislação laboral que diz respeito a este relaxante e pevidelaureante assunto: férias, feriados e faltas. De férias, são 22 dias "úteis", pelo menos; feriados, 14 nacionais e 1 municipal; quanto a faltas, imaginação não falta: por doença (o mínimo legal é de três dias por cada "baixa", menos não pode ser), por "motivos inadiáveis", por "artigo" (dependendo do tamanho da empresa na qual se trabalha, que é proporcional ao tamanho do respectivo "contrato colectivo"). Tudo somado, mais truques diversos, como "pontes" e "tolerâncias de ponto", e contando ainda com a nacional instituição conhecida como Baldar, a maioria dos portugueses permanece no "seu" "posto de trabalho" cerca de 185 dias por ano. Ou seja, em média, cada "trabalhador" nacional "trabalha" anualmente em apenas metade dos 365 dias.

Acolitados pela chusma de parasitas dos sindicatos, cuja verborreia se restringe à perdigotagem de "direitos dos trabalhadores", os funcionários públicos - principalmente - e os do sector privado - também - estão hoje, por conseguinte, mais uma vez exercendo alegremente o seu "direito" ao "descanso". Evidentemente, aqueles profissionais dos "direitos" dos outros, os chamados "sindicalistas", são os primeiros, à semelhança de governantes, autarcas, deputados e outras seitas do Estado, a reservar para si mesmos algumas "regalias" especiais - porque, não menos evidentemente, defender os "direitos" dos "trabalhadores" é uma actividade excruciantemente cansativa.

Esta situação de parasitismo institucional, enformado pela herança genética de inamovível e galopante preguiça, conduz ciclicamente a situações de "crise económica grave"; uma tradição desde os tempos de Sebastião José, já interiorizada atavicamente pela personalidade colectiva nacional, que invariavelmente activa uma reacção típica e esmagadora, sempre a mesma: fingindo-se preocupado, inquieto, o nosso Governo chega-se à frente para "combater" a crise e determina as medidas "de emergência" que se impõem, as quais consistem unicamente, monotonamente, em aumentar os impostos. Por outro lado, a população em geral, e o chamado "povo" em particular, reagem com um muito típico e patriótico pensamento colectivo: isso que se foda, eu quero é praia.

Alguns comentadores da nossa praça demonstram tremenda angústia, nestas ocasiões de atrapalhação nas contas públicas, pelo menos a julgar pelo respectivo arquear de sobrancelhas e outros tiques característiscos da ansiedade que certamente lhes vai na alma. Arrepelam-se por vezes, uns contra os outros, conforme o clube político da sua simpatia, chegam a insultar a progenitura dos adversários, e tentam, de facto, contribuir com as suas achegas para iluminar um pouco o apagão económico geral. No entanto, mesmo estes arroubos da inteligência nacional costumam passar tão depressa quanto a própria "crise", porque invariavelmente o tempo, e apenas o tempo, se encarregará de resolver as coisas; geralmente, o que é atestado por qualquer livro de História de Portugal, as depressões económicas curam-se por si mesmas, de resto como os outros tipos de depressão, porque mais tarde ou mais cedo chegarão do exterior os anti-depressivos mais eficazes: dólares, euros, ienes. São estes, hoje e sempre, os ingredientes para a poção mágica da recuperação, para a salvação da Pátria e para, em suma, a remissão dos pecados. Quando, mais uma vez, a conjuntura internacional for favorável, quando refluir mais este período de recessão global, assim que as cem ou duzentas famílias que detêm 90% da riqueza mundial acharem que está na hora de re-investir, quando, enfim, Washington, Berlim e Tóquio entenderem e se derem à maçada, então a presente crise económica extinguir-se-á, como que por encanto.

A ninguém ocorre, pelos vistos, de novo hoje e sempre, que exista um fundamento genético para que as crises periódicas sejam tão sensíveis, e por vezes violentas, em Portugal ou em países tão diferentes como o Brasil, a Venezuela, a Tailândia ou o Quénia, por exemplo; quanto a estes, não interessará agora tecer considerações ou especulações de índole rácica, até pelas distâncias geográfica e cultural, e mais ainda pela falta de conhecimento específico de cada situação; mas quanto a Portugal, não parece assim tão difícil a conclusão, em jeito de diagnóstico, modesto e de mera opinião, como convém: os efeitos da crise global no nosso país são inversamente proporcionais às nossas capacidades de produção de riqueza.

Irrita supremamente, aos cinco ou seis produtores de pensamento nacional, que se estabeleça a seguinte comparação: antes do 25 de Abril de 1974, Portugal era o país mais atrasado da Europa; hoje, 31 anos depois, Portugal é o país mais atrasado da Europa. Irritará, ainda mais profundamente, os mesmos cinco ou seis e mais uns quantos, que se alvitre, ao menos, estar o fundamento não em motivos conjunturais ou sequer estruturais mas apenas tendo por base uma figura de base genética: o Português odeia o trabalho, em resumo; não produz riqueza e, portanto, não existe riqueza para "distribuir", como se diz em linguagem comunistóide; o Português vive tipicamente de esquemas, de "conhecimentos", de "cunhas" e de golpadas. A maior indústria nacional é o "chico-espertismo", actividade à qual se dedicam freneticamente dois terços da população e que consiste basicamente em fazer o menos possível dentro do prazo mais dilatado possível e roubando sistematicamente o máximo que puder - à entidade que lhe paga por uma prestação que não prestou, àqueles a quem era suposto ter prestado um serviço ou fornecido um produto e, por fim, à entidade abstracta e difusa que é o Estado. E acha, tipicamente ainda, o Português, que é muito bem feito roubar o Estado, porque o Estado é o maior dos ladrões; que marimbar-se para o cliente ou para o utente está muito bem porque, vá-se lá saber, se calhar ele também é um gatuno do piorio; e que fazer pouco, ou nada, e mal, é da mais elementar justiça para castigar o patronato, essa corja de fascistas e cabrões.

Praia, café, ir "passear", ir "à bola", ficar "na palheta", descansar "de papo pró ar", emprego "fixo", uma "ganda bomba" e uma casa com piscina, eis o condensado de aspirações e aquilo em que consiste o ideal de vida do homo lusitanicus. O que, mesmo sem tecer quaisquer juízos de valor, torna ainda mais admirável o simples facto de que Portugal ainda exista. Sustentado por 10% da população, que trabalha dez vezes mais do que a "média", o que seria este país se tivesse apenas um terço dos naturais com deformação genética! Se houvesse três milhões de Portugueses nascidos sem o gene da alergia ao trabalho, este até poderia ser um local agradável para viver.

Digo eu. Porque 26 de Maio é dia feriado. Não é Dia da Árvore, nem Dia da Mãe, nem Dia do Pai. É Dia de Porra Nenhuma.

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24/05/05

terra do nunca


E depois é este espelho que me esconde
E depois este eco subtil que me falta
E depois parece que é este relógio avariado
E depois é este não saber nada, nem onde
E depois este passado que se revolta
E depois este absoluto vazio de sentido
E depois a água que não jorra desta fonte.

Como antes era a falta de sentido
Como antes era o relógio parado
Como antes era a raiva à solta
Neste campo de orquídeas secas
Em talhões de absoluta indiferença
Como depois de se acabar a esperança.

E sempre, sempre, sem nunca nem porquê
Este cálice cristalino, cheio de antes e depois
E de palavras sem qualquer significado.

Ocos ecos de coisa alguma.
Alma cósmica do vazio.

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do heroísmo


Olha, pá. Estou triste. Muito triste. Porque sei que não vou fazer nada daquilo que queria fazer. Se calhar sou um triste, eu mesmo, vá-se lá saber. Triste. Tristérrimo. Bem sei que é coisa de "roto", hoje em dia, estar triste, ou dizer que se está triste. Paneleiragem, coisa horrorosa. Homem que é homem não diz que está triste. Se não, se diz mesmo, se tem essa distinta lata, é panilas, o cabrão, só pode ser. Seja. Que se foda. Estou triste. Como a noite. Não sou panilas por isso. Espero. Acho que não sou. E porque diabo me lembrei desta agora? Isto é que é um trauma social, como se diz, ou lá como se diz, não é? Enfim, não sei. Mas sinto uma grande tristeza, essa é que é essa. Sangram-se-me as mãos com que escrevo, quando escrevo, tremem estupidamente, e esta voz nem sequer é minha, eu não falo assim embargado. Olha. Desculpa. Vejo tudo absolutamente vermelho, obscuro, opaco, turvo. Não é choro, não. Um homem não chora. Um homem pega nos pedaços daquilo que já foi, e cola-os com cuspo, lentamente, pacientemente, como quem faz um curativo no camarada que acabou de pisar uma mina, o gajo estoirado, retalhado, rebentado, desfeito. Um homem não chora. Que diabo, não chores. Palerma. Essa corda que se partiu no teu coração, camarada, volta a remendá-la. Remenda-te. Compõe-te, companheiro. Tem juízo, amigo. Aguenta-te.
Aguenta.
És um homem. Irmão, estou aqui contigo.
Aguenta. Isso amanhã não é nada. Já passou. Foi só uma tempestade. Mau tempo. O mau feitio de Deus. Resolveu por um momento meter-se contigo. Coisa passageira, vais ver. Aguenta.
Bem sei. Mas olha. Não te vais embora sozinho. Descansa. Eu estou aqui. Eu sou teu amigo.
Descansa.
Descansa em paz.

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22/05/05

sou benfiquista



Mas não papoila, ou troglodita, ok? Qualquer semelhança entre mim próprio e o Kadhafi dos Pneus, o Bandido Advogado que Foi Expulso de Sócio, Manelito Damásio, ou qualquer outro mentecapto do género, de entre os "seis milhões" que de tal condição se reclamam, é pura coincidência. Não tenho nem quero ter nada a ver com semelhante escumalha. Não sou sportinguista, ou portista, ou adepto do Salgueiros, por mero acaso ou por simples fatalidade. "Ser de" um clube de futebol, ou "ser de" outra coisa qualquer, não é mais do que uma inevitabilidade sem a mais ínfima validade ou o mais microscópico significado. É como nascer coxo, ou cego, ou cigano, ou preto, ou detestando bacalhau à Brás. Cada um é como cada qual. Não me orgulho absolutamente nada disso e não ganhei porra nenhuma, nem pessoal nem colectivamente.
Mas o Benfica é campeão, nos próximos 365 dias, mais coisa menos coisa. Parabéns.

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17/05/05

(rigorosos) exclusivos aqui do Zé Maria Pincel


ganhar dinheira cem esforco

é proinido fumar em locais publicos

ser benfiquista lyrics luis piçarra alma

"tarefas dos porteiros"

xamon cheiro sabonete aspecto

logotipo UANE

meter partituras do dobrado militar 220

Obnóxio & Blog gondii

transleitor ingueliche

piças tesas baba

manahmanah + muppets

opticlinic óptica idade desconto

hino benfica letra piçarra ficheiro som

ser benfiquista é ter na alma luis piçarra lyrics

competência palavras acabadas em ura

"causas da poluição sonora humana"

words , loja de barcos em alcabideche book

alfabeto""sverige""pronuncia figurado

em russo o significado de CCCP sssr

gordas aberração "à força toda"

como comprar matrioska - URSS

os melhores lugat pra se fazer sexo

paralelipípedo basalto trigonometria métodos

ana zanatti nua molhada

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16/05/05

Ensaio sobre a piroseira


Uma das mais pujantes indústrias nacionais e, de certa forma, nosso bilhete de identidade colectivo, a piroseira distingue-se das restantes actividades humanas pelo facto de poder causar danos mentais e físicos irreversíveis; os primeiros nos consumidores e os segundos nos abstémios. Ou vice-versa, ou ambas as coisas para toda a gente, para o caso tanto vale.

Veja-se, por exemplo, o que sucede com os elementos que apreciam José Cid. Isto para não irmos mais longe porque, se falassemos em casos mais radicais, tipo Village People ou, sem exagero, o próprio Julio Iglesias, teríamos de chamar à colação estudos insuspeitos e estudiosos igualmente, desde o antropólogo Desmond Morris ao songa-monga Richard Attenborough, passando pelo Jefferson Institute, a Yale University ou mesmo a valorosa Universidade da Terceira Idade de Lisboa, ao Rato. Fiquemos, pois, e até ver, por este exemplo mais minudente, por assim dizer, José Cid, e quem diz José Cid diz quejandos, verdadeiros mas medianíssimos "artistas", coisinhas curiosas como Toy, os Anjos, Clemente, etc. Enfim, não nos desviemos, que o parágrafo já vai comprido, era a modos que simples parêntesis e quando não a coisa perde-se em baralhadas e confusões desnecessárias.

Falemos então dos fãs de José Cid, esse enorme ícone piroso, e do que sucede nas respectivas cabecinhas. Note-se que existe até um blog com esta científica designação, o propriamente dito clube de fãs do José Cid, o que indicia, para início de conversa, que o fenómeno é matéria para estudo sério e aprofundado.

Pois o que sucede, em resumo, é um tremendo, visível, esmagador padrão de imbecilidade. Eis o que sucede aos desgraçados da piroseira cidiana. Estiolam. Embrutecem inexoravelmente. Acabam metidos numa espécie de cano-de-esgoto existencial. Numa linguagem um pouco menos técnica, poder-se-ia dizer que o apreciador do género Cid fica apanhadíssimo dos cornos e nunca mais diz ou faz coisa com coisa. O fã da piroseira distingue-se, numa perspectiva zoológica, além do fato-de-treino que invariavelmente enverga, pela mais profunda e rotunda estupidez que imaginar se possa; numa fase mais avançada deste género de dependência, o josécidiano evidencia tremendas agressividade e alheamento da realidade, acabando por fatalmente perder o usufruto da fala, passando a apenas grunhir e rosnar coisas ininteligíveis como "vivóbenfica", deslarguem-me, fóróárbitro, "nãoconcordo", não pagamos não pagamos não pagamos e coisas equivalentes; a sua forma de expressão previlegiada é uma coisa chamada "palminhas", que pratica sistematicamente, em qualquer lugar ou circunstância, batendo as palmas das mãos uma contra a outra com a destreza própria da paralisia cerebral (numa acepção corrente, vulgar, errónea) que, de resto, se vai insidiosamente instalando.

O piroso típico, também conhecido por "popular" ou, sinteticamente, "povo", é hoje uma subespécie humana largamente difundida, com tremendas, terríveis concentrações em certas zonas do globo, mas em especial no Brasil, em certas zonas de Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos da América e em todo o nosso Portugal, como é sabido; existem milhões de pirosos, em todos estes países e em mais umas quantas zonas exóticas do planeta, e são eles quem não apenas alimenta a indústria como quem a financia e, por paradigmático que possa parecer, quem a produz. É uma espécie de pescadinha-de-rabo-na-boca social, com o "artista" piroso a debitar piroseiras para milhões e, destes milhões, saírem novas e rebrilhantes estrelas popularuchas que irão, por seu turno, alimentar novas legiões de pirosos, e assim sucessivamente. É um círculo fechado, onde apenas entram os mais incapazes e mentecaptos, sendo isso mesmo, aliás, o requisito único para acesso ao clube; ser absolutamente primitivo, patentemente troglodita, refinado cretino ou perfeito imbecil, são tudo minudências que dão o seu jeito, mas a ninguém é vedado o acesso - a não ser àqueles mais capciosos que, segundo é opinião unânime da seita, se armam em espertos, os que lêm livros sem ser do Corin Tellado ou da Margarida Rebelo Pinto, os chamados "maluquinhos" das óperas e "dessas tretas todas". A essa gente, não será nunca facultada a felicidade suprema de comungar com o génio de uma Mónica Sintra, cantadeira, com o prestígio e a subtileza de um Luís Pereira de Sousa, animador de feiras e arraiais, um gajo com três nomes, caralhosmafodam, e outros que tal, com uma ganda pinta, e que também têm em casa, junto ao tecto, uns quadros da última ceia, ou com uns gatinhos, ou assim.

Pois, de facto, mesmo para aqueles que, ou por pancada ou por outro motivo qualquer, a pimbalhada não agrada, não há como escapar ao fenómeno. É realmente avassalador, em sentido literal. Em especial desde a instauração da ditadura do proletariado, essência do chamado regime democrático, a nenhum cidadão (por mais bem formado ou instruído, e precisamente por causa disso) é permitido subtrair-se à piroseira geral: como previu George Orwell, é hoje obrigatória uma televisão, sempre ligada e em altos berros, em todas as casas, todos os andares, todos os cafés, todos os restaurantes, todos os locais públicos ou privados, em suma, e mesmo em muitos sítios ao ar livre; e, além de ligada e em alta berraria, é obrigatório que esteja sempre sintonizado o órgão central da ditadura pirosa, seja a TVI (ou a SIC, varia de tempos a tempos) ou, se não houver receptores de imagem, que seja ao menos a Rádio Renascença. As massas ignaras, alcançado o Poder, não permitem hoje se não a piroseira... massificada, a estupidificação maciça, o embrutecimento generalizado. Qualquer estrebuchamento ou, como se diz em linguagem oficial, qualquer mijadela fora do penico, dá direito a ostracização imediata, a isolamento sumário e radical, quando não a umas murraças na cornadura, uns quantos tabefes e pontapés no cu.

Gajo que se atreva a não ouvir barulho, ou que sequer ache que é barulho a merdorreia josécidesca, habilita-se ao estatuto de leproso social, irá por certo passar à classe dos proscritos e intocáveis e já vai com sorte se não for despedido do seu emprego, despejado da sua casa, recambiado para o quinto dos infernos, de onde nunca deveria ter saído. Ousadias várias, como achar pindérico um Toyota cheio de cromados, não usar a fitinha do António Sala no pulso ou, desfaçatez suprema, não gostar de sardinhas assadas, está, abreviadamente falando, completamente fodido; há-de ter a sorte que merece, ser trucidado, esmagado, espezinhado, cuspido e insultado. E chiu ou ainda levas mais, vais a ver.

Uma boa ou, pelo menos, razoável forma de aferir esta massificação, esta industrialização total da piroseira, é através da observação disto a que se chama a "blogosfera". Cada vez mais fera e cada vez menos bloguística, trata-se de microcosmos da realidade onde se patenteiam todas as vacuidades, onde se passeiam todas as vaidades, onde se produzem as maiores imbecilidades e onde, por fim, se promovem, se distinguem, se premeiam os mais cretinos, os mais incapazes, os mais burgessos; e também, seguindo o mesmo princípio, se ostracizam os - cada vez mais raros - casos de diferença, dissonância, independência ou simples honestidade.

Estarei a falar de mim próprio, neste particular? Com certeza. Claro que estou. Não só, não apenas, mas também. Bem sei que isso é mau, é péssimo, em especial num texto que se pretende de análise científica, ou coisa que o valha; perde-se a objectividade, quando se passa a primeira pessoa do singular. Mas, porém, contudo, no entanto, só a um completo bócó poderia ocorrer que eu escrevo ou sequer pretendo escrever qualquer coisa com o mais ínfimo vestígio de "análise", de "ciência", de "técnica". É a velha história do sapateiro e da chinela. Sapateiro será. Chinela, não. Como dizia Gabriela dos sapatos, digo eu da chinela: não quero. Nem que morra agarrado ao martelo e às cardas, hei-de resistir sempre a esse símbolo de normalidade, esse ícone da pacatez atabafante e da mediocridade triunfante; hei-de continuar a martelar a esmo, tentando emperrar a máquina trituradora do normalismo bacoco, à força de muitas letras. Hei-de, ao menos, mesmo sabendo que aqui nem os peixes ouvem, porque não há peixes, sussurrar o horror ao ruído, murmurar aversão à indústria piroseira, ao menos tergiversar e tentar confundir o inimigo: a gentinha de pouco ou nenhum tino que se julga algo. Os satisfeitinhos da vida. Sim. Talvez seja consigo, que leu tudo isto - até aqui.

(nota: excepcionalmente, e para que se não perca nenhum eflúvio mental, construção catita ou palavrinha pesporrente, este texto não foi passado a crivo em sede de corrector ortográfico)

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coração destrocado


Uma daquelas mulheres que fazem parar o trânsito. Ao primeiro relance, sinto não sei quê de orgânico a mexer, algures no peito ou na barriga. Linda de morrer. Murmuro qualquer coisa como "valha-me Deus", engano-me no sítio onde estava o pires, entorno café, dou uma topada com o joelho no balcão. O sol de fim de tarde entra pela montra e faz o cabelo dela brilhar, negro e espesso, com nuances douradas verdadeiras. Sinto as narinas dilatadas, e deixo entrar em golfadas aquele cheiro extraordinário, a banho, a espuma de banho, com um leve toque de algo indefinível, talvez almíscar.

_ O senhor importa-se de aquecer isto um bocadinho?

Que voz fabulosa, santo Deus! Não sei bem porquê, o colarinho aperta; e logo hoje, que nem sequer trago gravata. E devo estar mais do que pindérico, de resto. Mas também, que diabo, esperavas o quê, milagres, assim de repente, no café da esquina? Tem juízo, homem, vê lá bem o prazo de validade, esquece, este avião não é para ti, não querias mais nada, já agora.

Olhadelas rápidas, de cima para baixo, de baixo para cima, o mais discretas possível. Peço outro café, como se fosse um bilhete para sessões contínuas, não quero ir embora, sair dali e deixá-la desaparecer-me da vista, fugir para sempre. Parece irradiar todas as cores do arco-íris, mas veste a preto e branco, cheia de simplicidade, sapatos de verniz, discretos, saia preta, camisola de lã, branca e felpuda; de maquillage quase nada, apenas um pouco de bâton morango brilhante; duas pequenas pérolas nas orelhas e uma belíssima gargantilha em veludo negro. Tirou o casaco e pô-lo nas costas da cadeira. O rosto brilha e os braços nus, de mangas displicentemente arregaçadas, vão arrumando as coisas sobre a mesa, o bule de água quente, a chávena, o pacotinho de açúcar. O rosto, de uma beleza esfíngica, esconde-se e revela-se por entre madeixas indiscretas.

Num relance perturbador, coisa de fracção de segundo, o olhar dela cruza-se com o meu e sinto imediatamente como que uma pancada na nuca. Tenho a nítida impressão de que estou absolutamente alterado, devo estar "vermelho como um tomate"; totalmente "patareco", como se dizia na minha juventude. Verdes. Olhos verdes, pareceu-me. Ou seriam azuis, nem sei ao certo. Dois caleidoscópios cheios de vida, claros, profundos, emocionantes. Disfarço com uns goles de café mas, nada estranhamente, tenho de segurar a chávena com ambas as mãos.

Atrapalhado e confuso, vejo-a levantar-se e vir na minha direcção. O coração desata-se-me aos pulos. Mas é comigo? Isto é comigo? Será possível?

Aproxima-se. No último momento, passa por mim, rente, como uma nuvem de luzes, de todas as cores, e aquele cheirinho maravilhoso, oh, meu Deus, aquele cheirinho. Mas não. Afinal não era comigo. Cruza-me pelas costas e dirige-se ao empregado.

_ Olhe, se fazfavor. Por acaso destroca-me cinquenta euros?

Destroca-me? "Destroca-me"? Destroca-me, raios?!

A deusa caiu-me aos pés ali mesmo. Desabou logo, com estrondo, arrastando na queda a minha alma em sangue; desfez-se tudo em cacos, num instante, misturando-se com as cascas de tremoços, os papéis amarrotados, as mascarras e a porcaria uniforme em que estava aquele chão. Subitamente, o lugar deixou de ser um salão-de-chá requintado e voltou a ser a tasca horrorosa onde eu tinha entrado, uns minutos antes. Bem depressa me passou a paixão, com aquele maldito "destroca-me". Curei-me depressa, foi o que foi. Batidas cardíacas normalizadas, estancada a sudação, cafezinhos pagos, lá saí para o mundo, é certo que ligeiramente cambaleante e combalido, mas são e salvo. São e salvo, Deus me perdoe. De coração destroçado, mas vivo. E um bocadinho menos idiota, quem sabe.

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cataclismo não é exactamente o mesmo que autoclismo


"Não vendo grupo por menos de 80 milhões de contos"
Alentejano de gema, diz que dificilmente se desfazeria do seu império dos cafés. A expansão em França e a diversificação para novos produtos são os próximos caminhos que vai percorrer.
(título e sub-título de entrevista a Rui Nabeiro)
Diário de Notícias de 16.05.05, suplemento DNnegócios, página 2

Portanto.
Existe um novo verbo na Língua Portuguesa: DESFAZERER

- desfazerei, desfazerás, desfazerá, desfazeremos, desfazereis, desfazerão

- desfazi, desfazeste, desfazeu, desfazemos, desfazesteis, desfazeram


Não sabia.

Ler jornais é saber mais, diz-se. Diz-se e diz-se muito bem. Estou maravilhado. Sinto-me assim a modos que esmagado, a alma desfazida em bocados. Gago. Mudo. Não sei nem o que dizer. Vou desfazer a merda daquele dicionário de verbos que ali tenho. Trucidificá-lo em pedacinhos. Puxar a corrente do autoclismo. Deliciar-me com o holocausto de torvelinhos. Meter-me num buraco e fechar a tampa. Setenta Clonix no bucho. Escapulizar, em suma.

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14/05/05

11º: Não quebrarás correntes


1 - Não podendo sair do Abrupto, que blog quererias ser?

D.- Não entendo a pergunta. "Não podendo sair"? Como assim?

2 - Já alguma vez ficaste apanhado por um blog de ficção?

D - Tirando o Abrupto, o Aviz e os tipos do Blasfémias, não são todos pura ficção? Mas enfim, apanhado, apanhado, assim como quem diz "apanhado", não.

3 - Qual foi o último blog que leste?

D.- Leio umas dezenas por dia, quanto mais não seja na diagonal. Nisso, sou eu e o Marcelo Rebelo de Sousa, mal "acomparado"; ele é mais livros a granel, blogs nem por isso. Exactamente o último blog que li, deixa cá ver, ah, foi o Azul Cobalto. "Mais do que quantas letras as embrulham, importa quanto coração encerram as palavras" (cito de copy/paste).

4 - Qual o último que leste?

D.- Outra vez? Este inquérito tem perguntas em estéreo?

5 - Que blogs estás a ler?

D - Mau. Que merda vem a ser essa agora? Passaste-te dos carretos? Como posso eu estar a ler blogs se estou aqui a responder a estas perguntinhas da treta?

6 - Que 5 bloggers levarias para uma ilha deserta?

D - Bem, não as conheço pessoalmente. Ora aí está uma pergunta de fino recorte, salvo seja. Mas tá bem. Ora vejamos. Não querendo ser injusto, e não é fácil avaliar o material apenas pela maneira de escrever... ok: aaaah. Não posso responder. Peço desculpa. Seria deselegante. Um cavalheiro não expõe assim as suas damas ou, melhor dito, as damas de sua preferência. Vai-te catar, aí tens. Sem ofensa, claro.

7 - A que 3 pessoas vais passar este testemunho?

D - Eu? Moi? Passar? Bem me parecia que tu é que te tinhas passado. Nem que a vaca tussa! Há por aí uns quantos blogs que não gramo nem um bocadinho, mas nunca por nunca lhes faria uma tal maldade. E porquê três? Porque foi a conta que Deus fez, ou o caraças? Tem juízo. Mete mas é o inquérito algures, olha, por exemplo, where the sun never shines! Badalhoco. Parvalhão. Xô.


(aiaiaiaiai. Será que me vai acontecer alguma desgraça, por ter quebrado a corrente? Será que o Benfica perde, de castigo? Ó não. Afastai de mim esse cálice. Chegai-me antes o caneco maior, aquele ali, pois, esse, a taça de campeão)

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12/05/05

pixelart

Começar uma "pintura" pelo nome: duas palavras. A cada letra é atribuído um valor, o que resulta em duas sequências numéricas; estas serão então as variáveis da fórmula, que determina cores e localizações em função dos valores calculados.

Utilizei um nome que, por acaso, é também o de um blog: random precision. E deu isto


random art


Gostei.
Parece azulejo de discoteca, mas gostei do "quadro" virtual. E do blog homónimo também.

("pinte a manta" em Random Art)

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11/05/05

Educando o povão

Já repararam que os supermercados têm agora um balcão específico para as coisas gamáveis? Hmmm? Vejam lá. Confiram. Camisas-de-Vénus, artigos de perfumaria, lâminas de barbear, CDs (virgens e desvirgindados), whisky genuíno e whisky marado, está tudo num balcaozinho à saída; a gente não encontra esses artigos nas prateleira do supermercado propriamente dito; onde antes estavam aquelas coisas todas, agora só estão umas placas em plástico, o artigo em fotografia virtual; depois, é necessário pagar na caixa e ir com a placa plástica ao tal balcão especializado, levantar os preservativos, a garrafita de Chivas, o CD de Chill-out (ganda festa, hoje, hem?).

Mas, reparando melhor, há uma coisa intrigante neste balcão dos gamáveis: caldos. Pois. Os cubos de caldos Knorr, ou Maggi, os de carne, de peixe, de frango e assim. Mas que raio, agora os caldos valem tanto como o Chivas ou, vá lá, o Lochnagar? O povão surripia Gillette GII, compreende-se, aquilo custa um balúrdio escandaloso, mas agora caldos? Ó mistério do caraças, porque será?

Certa prestimosa funcionária encarregou-se de, babando inocência, esclarecer este que é mais do que um pai para vós: então não se está mesmo a ver?, os caldos são para "partir" o haxe, o xamon. Não há janado que se não avie de três ou quatro embalagens (a 12 cubos cada, 132 gramas), sempre que faz as suas compras matinais. Muitos, uns milhares, a bem dizer, nem se aviam de outra coisa, é só aquilo mesmo. O pessoal dos supermercados começou a achar a coisa esquisita, que diabo, não há assim tantos "gourmets" por aí, aos pontapés, caramba, tanto gajo sujo e roto a dedicar-se à culinária, não querem lá ver, aqui anda marosca. É. Cada um daqueles cubinhos dá para "cortar" um grama de haxixe em 10 ou 12; é dinheiro em caixa. Os caldos de carne, que são feitos com os desperdícios dos matadouros (peles, penas, ossos, pêlos, vísceras, carne fora de prazo), têm exactamente o mesmo aspecto de qualquer "sabonete", ou da mais trivial "pedra"; o cheiro também é parecidíssimo com o do verdadeiro Xamon. É uma coisa fantásica.

Há-de haver por aí muito janado que já está agarrado ao caldo. Caldo, agora, tem outro significado, muito mais giro do que o batidíssimo "cavalo" com sumo de limão; dar uma na veia com a castanha ou com a branca, vá lá, continua na boa, até já existem salas para o efeito, por essa Europa civilizada adiante, mas nos intervalos, para esmoer e intervalar, o que está a dar é a verdadeira "moca" de Knorr. Há gajos agarrados ao caldo de galinha! E aos cubinhos de peixe! Parece que não se nota nada, a "moca" é a mesma, é fixe, yá, tás a ver, bué, metes aquilo e ficas todo fodido, trrje.

Enfim, depois não digam que não foram avisados, ó povão: comprar caldos Knorr é suspeito na mesma, é merda na mesma, mas só ao balcão - contra o talaozinho de caixa. Fora disso, só em estabelecimentos especializados, como as Marianas, o Bairro do Relógio, a Cova da Moura e outros igualmente interessantes condomínios privados, por esse Portugal profundo afora.

Anónimo de Matos
(grande dirigente e educador da classe operária)

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(...)
No combate ao Comunismo não há, não pode haver mas, nem meio mas. Qualquer mas que se formule é um auxílio ao Comunismo, dêem-lhe as voltas que quiserem.
E desgraçadamente estamos a viver uma atmosfera espessa de mas. Chovem os mas de todos os lados, de todos os sectores, de todos os horizontes.
Contra o Comunismo! — grito a um católico. E quando suponho que ele grita comigo, ouço-o a dizer: «mas... porém... quiçá...».
Contra o Comunismo! — grito a um monárquico. E quando espero que ele grite comigo sai-se-me com «mas... talvez... repare...»
Contra o Comunismo! — grito a um industrial. E quando imagino que ele me diga: «é claro!» ouço-lhe: «mas, mas...».
Contra o Comunismo! — grito a um proprietário. E quando calculo que ele vem comigo, lá me aparece: «mas... você vê...».
Contra o Comunismo! — grito a um soldado. E quando penso que ao menos este virá, também este não se coíbe de: «mas... mas!»; nem o católico, nem o monárquico, nem o industrial, nem o proprietário, nem o soldado são comunistas. Nenhum deles é, mesmo, sofista comunizante.
Então?
É uma questão de prisma.
O católico não vê o Comunismo pelo prisma de católico; o monárquico não o encara pelo prisma de monárquico; o industrial não o olha pelo prisma de industrial; o proprietário e o soldado não o julgam pelos seus respectivos prismas.
Todos eles abdicaram do seu prisma e se servem do prisma alheio. E é este que os leva a enfileirar na confraria do Mas...
(...)
E é por isto, Santo Deus! que estamos divididos.
Eu raciocino desta forma. O Comunismo é inimigo da minha Pátria; depois de Deus, é a minha Pátria que eu amo acima de tudo; estarei, portanto, ao lado de quem combate o inimigo da minha Pátria.
É a Alemanha? Estou ao lado da Alemanha.
É a Inglaterra? Estou ao lado da Inglaterra.
É a China? Estou ao lado da China.
É a Hotentótia? Estou ao lado da Hotentótia.
Mas a Alemanha bate o Comunismo para chegar à Inglaterra.
A Inglaterra bate o Comunismo para chegar à Alemanha.
A China bate o Comunismo para chegar ao Japão.
A Hotentótia bate o Comunismo para chegar aos polinésios.
E eu a ralar-me.
O que eu quero é que me destruam o Comunismo — inimigo primacial da minha Pátria, isto é, da minha religião, da minha civilização, da minha forma de ser e viver.
Estou com quem o combate, não me interessando absolutamente nada a intenção de quem o combate; estou contra quem o favorecer, auxiliar ou proteger, seja lá quem fôr.
De cama, doente, tenho na minha presença dois médicos; um que é muito meu amigo desde a infância, outro com quem não simpatizo nada. Os dois médicos são inimigos um do outro; o primeiro, o meu amigo, não atina com a doença; não crê no diagnóstico que faz o segundo e, para chegar a este, para eliminar este, está a alimentar a doença. O segundo médico, para chegar ao primeiro, para diminuir o primeiro, para ganhar fama, para ganhar dinheiro, para o que quiserem, ataca a minha doença a fundo, e vence-a e salva-me.
Pode ser, se fôr tonto, que eu continue a ser amigo do primeiro. Mas o que é indiscutível é que serei eternamente grato ao segundo, que me livrou do mal.
(...)
Alfredo Pimenta
(In «A Voz», n.º 5160, págs. 1/4, 20.08.1941)
fonte: blog Fascismo Em Rede

Eureka!


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10/05/05

How deep is your love (Bee Gees)

(...)
Assim, com a frontalidade de quem não reconheceria um pseudónimo a não ser que exibisse Bilhete de Identidade, ou usaria um heterónimo que não fosse bem apessoado, de modo a não perder a carruagem da elite blogosférica, que é algo sem o qual não durmo bem, e, sobretudo, para não lesar a boa opinião de pessoas cuja boa opinião não me podia interessar menos, deixo aqui claro que Prima não é um nick. É mesmo o meu nome. Completo.

Essa coisa dos comentários avariou-se-lhe, amigo Guarda-factos (que nome tão bem apessoado para um blog, desculpe que lhe diga). Respondo assim, por conseguinte, ao seu brilhante "post". A propósito, perdoará o corte cirúrgico, mais uma vez não pespego aqui todo o texto mas apenas a parte, o órgão dinâmico, o pedaço mais suculento, ou que assim me parece.

Este é um assunto cíclico e recorrente, volta a estar na moda de seis em seis ou de doze em doze meses, mais ou menos. Até o Abrupto repegou no tema, com as finíssimas verve e ironia que tanto o caracterizam. Isto é, e tal, o crédito, a credibilidade, etc.

Já outros vão rosnando, por esse bairro fora, que esta coisada é mas é tremenda cobardia, e tal e tal, que há quem se esconda por detrás do anonimato, ou da pseudonimia, o que vem a dar no mesmo, pela simples razão de que não passa de um porco, um poltrão execrável, uma doninha fedorenta - o que, agora sabemos, é uma espécie hortifrutícola em extinção, da classe dos chorões.

Ora, isto é demasiadamente muito, quer-me parecer. Doninha, e porco, ainda vá que não vá; agora chorão é que não! Desminto! Nem isso nem derivados, de choramingas a Madalena Arrependida, passando por Maria Vaicasoutras ou Puto Ranhoso. Nada. Népia. Prefiro, de longe, sem qualquer hesitação, passar por animal (o que, absolutamente, confere) do que por planta rastejante, parasitária, infestante e insaciavelmente bebedolas. E óspois, vamos cá a ver: eu assino, eu cá assino, não há um único naco de prosa por mim lavrado que não siga devidamente assinado. Dodo. Ó. Dodo. Ó pra mim a assinar, bistes? Já o 001 é mais cuidadoso, aquilo é "alias" (a.k.a.), topa-se à légua, são lá manias dele, parece que é problemas com a esposa, ou assim, se calhar ela dá-lhe cabo do canastro se sabe que o marido escreve merdas de semelhante calibre.

Mas, dizia, ó que chatice. Puta de mania. Mas agora um gajo tem de puxar do B.I. sempre que lhe apetece escrever umas coisas? Olha que porra! Quero bem que se fodam, vosotros, mai-la vossa obsessão por tudo direitinho e nos trinques, menos os vossos truques, tudo impecável e engomado, menos os vossos podres. Como se, alguma vez, algum de vós tivesse tomates para escrever alguma coisa de jeito, isto é, de inconveniente, politicamente incorrecto ou, na melhor das hipóteses, correctamente redigido! Sabeis o que isso é, ó corujas do cacete, sabeis? É inveja. Invejinha, pura e dura. O que vos fode todos, por dentro e por fora, é a consciência da vossa própria mediocridade. Abruptos do caralho! Ai ficais fodidos, ides positivamente aos arames quando topais com alguma coisa bem escrita? Ora fodei-vos, seus morcões. Faz-vos caraminholas na cabeça que alguém utilize a merdice de um pseudónimo? E isso que tem? Qual é o problema?

Estareis porventura preocupados com a capacidade estrogénea, com a masculinidade, com a virilidade dos que se estão cagando para tudo, incluindo os aplausos ou os apupos? No vosso mundozinho merdoso não cabe qualquer tipo de independência? E eu com isso? Que se foda o vosso mundozinho. Aqui não há chorões.

Digo mais. Até que não é má ideia. Vou deixar de assinar Dodo. Assim comássim. Vou passar a utilizar, se e quando me der na mona, um pseudónimozinho jeitoso. Assim, talvez ninguém saiba que foi o Dodo quem escreveu. Pois. É giro. É prudente. Com apelido e tudo, a partir de agora eu sou, em singela homenagem a meu Padrinho, o

Vosso

Conadamãe Ascostas

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09/05/05

Biútifule


Regra polémica nos exames do 12º ano britânicos Morte da mascote dá bónus na nota

Um estudante do Reino Unido que veja o seu animal de estimação morrer no dia do exame do 12º ano tem direito a um bónus de 2% na nota final. Se a morte da mascote se der na véspera, a compensação baixa para 1%. Este é o mais polémico dos critérios definidos pelo Conselho de Exames britânico, que fiscaliza os testes de "A Level", equivalentes às provas finais do secundário em Portugal.

As regras estabelecem ainda uma bonificação até aos 5% em caso de morte de familiar próximo, um valor que também baixa para os 4% se o morto pertencer a um segundo nível familiar. Mas os óbitos de parentes e animais domésticos não são o único cenário previsto para a concessão destes bónus.

Assim, um aluno que testemunhe um acontecimento dramático no dia do exame também merece o "estímulo" de 3% de valorização da nota, tal como quem parta uma perna ou sofra um ataque de asma em vésperas de avaliação. Uma alergia ao pólen dá um bónus de 2% e até uma vulgar enxaqueca é pretexto para um incremento de 1%.

Estas regras foram duramente criticadas pela fundação independente "Campanha para um Verdadeira Educação", que as considerou uma política de "desculpa para tudo".

DN de hoje

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08/05/05

"Ma parliamo un pó del Portogallo, questo nostro verde amico"

(...)
Le cittá del Portogallo sono per la maggior parte tristi o bruttine. Nel nostro peregrinare ci siamo imbattutti in diverse cittá (nell'ordine: Coimbra 1, Nazaré 2, Obidon 3, Peniche 4, Vila Noiva de Milfondes 5, Sagres 6, Cabo de st.Vicente 7, Beja 8, Evora 9, Coruche 10) e sono rimasto soddisfatto solo da un paio (Obidon, ralmente sanmarinesca con le mura ed il castello e Evora). Per il resto é la natura a farla da padrona. penso che il Portogallo sará la prossima Romania in termini cineamtografici, ovvero: scenari magnifici e prezzi ancora abbastanza contenuti. Eh, la natura! Siamo ottimisti!
(...)

Erasmuporto

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07/05/05

Jorge Perestrelo



gravação: TSF
notícia: sic.sapo.pt/online/noticias/desporto/Morreu+Jorge+Perestrelo.htm
links: blog Vodka Maracujá

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Fórmer transleitor, rraite? Uáte a laveli ingueliche éccente; iu cepique véri uél inedide! Congratuleichones.
Abáute de láste gueime, léte mi sei disse: it uós a piti, áime sóri fore iór lóce, déte mádafaca rréferi - éveribódi só perfecteli déte da ból didenete pásse de láine!

Uél, éniuei, iu ár a chémpiom, déte nou uane quéne dinai.

Gritingues frome Portugale, diar Rrôsei.

(clique hiare tu ci disse texte transleitede in tu portuguise)

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06/05/05

Brandos costumes


Uma mãe portuguesa matou a filha, presumivelmente com a ajuda de outros familiares; deceparam e retalharam o corpo em pequenos pedaços e por fim atiraram os bocados para uma pocilga. Os porcos devoraram absolutamente tudo e agora não existe corpo de delito. Nem rasto. Apenas conjecturas e truques legais.

Um português emigrado no Brasil mandou executar e colaborou no massacre de um grupo de empresários. Alguns deles foram enterrados ainda vivos. Depois, o bando tapou o chão do local do crime com uma laje em cimento, para esconder os cadáveres. O português e os cúmplices, brasileiros, cumprem agora pesadas penas de prisão.

Numa praia de nome romântico, algures no concelho de Leiria, um homem liquidou, a tiro e à facada, todos os elementos da sua família e mais quem estava por perto. Nunca surgiu a mais pequena explicação para este crime, nem para a brutalidade e a facilidade com que o mesmo foi planeado e perpetrado.

Num bairro degradado da cidade do Porto, o pai e a avó de uma criança torturam-na e acabaram por matá-la, lançando depois o corpo ao rio Douro.

O chamado "estripador de Lisboa" degolou e mutilou inúmeras vítimas, durante os anos oitenta do século passado, não tendo nunca sido descoberto. Ainda hoje é um dos maiores mistérios judiciários da nossa História.


O horror tomou conta dos nossos hábitos. Crimes inconcebíveis são hoje triviais e merecem apenas uma fracção da nossa atenção, um olhar despreocupado, quando muito um esgar de indiferença, por vezes um leve arrepio de inquietação. Algo mudou, realmente, radicalmente, em Portugal.

O horror. Habituámo-nos ao horror. E isso é ainda mais horrível. Não há palavras para descrever, explicar o horror. E o hábito. Principalmente o hábito.

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05/05/05

National Education Channel


Acabo de ouvir na televisão uma anónima moçoila, envergando luvas amarelas, que proferiu a seguinte sentença, com o Cabo da Roca por fundo: "O chorão é uma planta doninha que mata as outras espécies em vias de extinção."

Conheci em tempos duas professoras, uma escocesa e a outra inglesa, ambas licenciadas em Francês (!), que nunca tinham ouvido falar em Passé Simple; sempre tinham utilizado o Passé Composé, davam-se muito bem com isso e, calculo, punham os seus meninos a fazer exercícios em conformidade. Ainda hoje estou convencido de que elas estavam a gozar comigo.

Conheci também, e não apenas no sentido bíblico do termo, uma coleguinha da área das Geografias que não fazia a mais pequena ideia de coisas tão triviais como a capital da Guiné-Conacri, o maior produtor mundial de café ou a diferença entre um "kolkhoz" e um "sovkhoz". Conhecimentos de algibeira, zero. Nunca lia um jornal ou uma revista, para além da "Holla" e da "Maria". Era, no entanto, altamente considerada, por docentes, discentes e empregados lá da escola.

Há uns anos, em plena reunião de avaliação, já não me lembro exactamente o que poderei ter dito para provocar a frase lapidar de uma colega de Alemão (a única daquela escola): "_ Mas eu ensino Alemão há mais de vinte anos e não sou fluente em Alemão..." Acho até que a senhora disse "não sei nada de Alemão". Claro. Mais uma brincalhona. Onde já se viu, uma pessoa ensinar aquilo de que entende!

A certa colega de informática, engenheira não sei das quantas, foi pedido que determinasse qual o sistema mais adequado para determinadas funções. Uma semana depois, lá apareceram os resultados: tantos registos vezes tantos dados, a tanto por dado, dá X de "memória de massa"; vezes tantos ficheiros, dá Y; logo, os computadores do sistema devem ser os que têm um disco rígido com capacidade igual a Y. Genial. Parece que agora está a dar aulas de Informática de Gestão, algures, com igual brilhantismo.

Nos meus tempos de estudante, onde isso já vai, chumbei em dois anos (3º e 5º) por causa de uma coisa que se chamava Ciências Físico-Químicas; naqueles bons tempos, se bem me lembro, passava-se "cortado" a uma Disciplina, mas não a duas; ora, já se sabe, raramente passei a Matemática, e nunca tive mais do que 10. Portanto, a questão para passar de ano era sempre "safar-me" a CFQ. Lembro-me perfeitamente daquilo que me fez chumbar, num ano e no outro: no 3º, foi por não saber o que é um "bico de Bunsen"; no 5º ano, foi por desconhecer a "natureza do nónio" que estava desenhado no teste. Em ambos os casos, se tivesse acertado naquelas duas perguntas... isso seria suficiente para o 10. Nunca utilizei um bico daqueles e acho que nunca vi um nónio na vida, Nosso Senhor lhes perdoe.

Sendo tecnicamente um perfeito imbecil, por não entender uma palavra de matematiquês, tive de, posteriormente, disfarçar: acabei por compreender alguma coisa de Matemática, cheguei à conclusão de que, afinal, aquilo não é nada de especial e, finalmente, passei a trabalhar quase exclusivamente com números, cálculos, fórmulas.

A diferença entre Matemática e matematiquês é a mesma que existe entre a Física e o fisiquês, a Química e o quimiquês, a informática e o informatiquês, a Língua Alemã e o alemanês, o Inglês e o inglamanês, o Francês e o françuguês ou entre qualquer Disciplina relacionada com Geografia e o correspondente "geografês". Existe uma linguagem própria, exclusiva para cada Disciplina curricular, em todos os graus de Ensino, que tem muito pouco ou nada a ver com a matéria à qual diz respeito. Para "passar", e mesmo com excelentes notas, ao estudante português não é exigido que saiba "a matéria", mas apenas que entenda e se desenrasque utilizando a linguagem concreta que se usa nas aulas respectivas. Por isso, é perfeitamente possível, natural, expectável, que um "bom aluno" passe com distinção a qualquer das cadeiras sem o mais ínfimo dos conhecimentos sobre os conteúdos.

Uma coisa é responder correctamente às questões de um teste, ou de um exame, outra bem diferente é compreender problemas, manusear soluções, resolver questões que o imediato e o quotidiano apresentam, em todas ou em qualquer das áreas do saber. Uma coisa é compreender a formulação específica escrita e responder conforme aquilo que "está no manual" ou "foi dito na aula", outra bem diferente é compreender uma situação real e responder conforme as circunstâncias. Em resumo, não existe necessariamente intersecção alguma entre aquilo que se "aprende", dentro do plano curricular e com os métodos pedagógicos aprovados, e aquilo em que de facto consiste o universo de conhecimentos de uma dada "cadeira".

Qualquer semelhança entre uma Disciplina nominal e a respectiva disciplina de conhecimento é mesmo pura coincidência. Um aluno "passa", ano após ano, com excelentes médias, acaba por se licenciar e provavelmente irá dar aulas, refluindo no sistema, sem nunca ter tido o mínimo contacto com a realidade intrínseca daquilo que suposta e teoricamente andou a estudar. E o processo repete-se, refina-se, torna-se cada vez mais paralelo: não é necessário saber falar e escrever correctamente em Português, Inglês ou Francês, para "ensinar" qualquer dessas Disciplinas; não é necessário, e torna-se mesmo um empecilho, saber seja o que for de Matemática para dar aulas de Matemática, ou de Geografia para leccionar I.D.E.S., por exemplo.

No caso da Matemática, o que citei por se ter passado comigo (logo, aquele que melhor conheço), o que acontecia era que o linguajar próprio dessa Disciplina exercia um estranho efeito de bloqueamento no meu cérebro; assim que lia, num teste, o início de qualquer pergunta ("considere a expressão..."), bloqueava imediatamente; já não conseguia raciocinar, pensar, fosse o que fosse ou sequer mexer-me; lembro-me de que desatava a suar; enfim, coisas daquelas ("seja o número..."), eram para mim como violentos pontapés na cabeça. Então quando a coisa envolvia os chamados "problemas", puff!, nada feito; não conseguia entender porque é que um pedreiro havia de construir 17,5 metros por hora e quantos metros por hora seriam construídos, em 45 horas, por dois pedreiros, "sabendo que" um deles era maneta e, portanto, presume-se, trabalhava metade do outro. Estas coisas nunca fizeram, pelo menos para mim, o mais ínfimo dos sentidos. E isso é que é "ser burro". Descobrir uma regra, determinar um padrão, formular matematicamente um processo, tudo isso são coisas que não interessam para nada.

Conceitos "farfalheiros", como burro, imbecil, idiota ou ignorante, decorrem por conseguinte não dos conhecimentos específicos, e da articulação entre eles, mas da capacidade reprodutora (ou reprodutiva) de conhecimentos nominais (gramática, regras, alíneas), se e quando debitados numa linguagem estabelecida.

O Passé Simple não existe, de facto, porque pode passar-se bem sem esse tempo verbal. A lógica informática pode bem ser a da batata, desde que se lhe espete um palito, a ver se está cozida. A capital da Guiné-Conacri é Bissau, como todos sabemos. Os rios nascem no mar, lá se diz na Ala dos Namorados, que era a estratégia utilizada por D. Nuno Pacheco Pereira na Guerra de Aljubarrota, no século XIX. O chorão é uma planta doninha, esse predador e carnívoro nocturno.

Caramba. O chorão é um mamífero. Está no manual.

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04/05/05

Consultório sentimental (2)

o casamento
(...)
Estou casado há quase 17 anos e sinceramente já não sei o que mais fazer para (como se costuma dizer) "manter a chama acesa" com a minha mulher. Isto ameaça derrocada a qualquer momento. Já estamos fartos um do outro, como ela me disse há dias. E acredite que já fizemos de tudo, a ver se resulta e... nada, ou por outra, é cada vez pior. Não consigo ver nela hoje absolutamente nada do que via quando nos casámos (ou até aqui há uns anos atrás); acho-a chata, implicativa, sonsa, gorda e, deus me livre mas tenho de dizer isto, quer-me parecer que ela deu em tarada sexual, ninfomaníaca; invento de tudo para me ver livre de "cumprir o meu dever" conjugal, desde fazer serões lá no escritório, a inventar jantares de serviço, e disto e daquilo, passando por organizar jogatanas lá em casa, com os amigos. Tudo mesmo, a ver se me safo da estopada; é que aquilo agora, como aliás deve acontecer em qualquer casamento, é pumba-pumba-pumba, uma coisa mecânica, sem a mínima emoção; ainda me lembro (velhos tempos), de ir a correr para casa, quando saía do serviço, já a salivar só de pensar do que iria fazer nessa noite. Às vezes, a maior parte das vezes, nem esperava pela noite; pousava a mala e era ali mesmo, na sala, em pé e à ganância. Parecíamos coelhos, acredite!

O que eu queria, e talvez (pela sua experiência) me possa (nos possa) ajudar, era voltar a sentir alguma coisa, algum entusiasmo, no meu casamento. Não digo que tudo volte ao que era, porque bem sei que isso é impossível, mas ao menos um bocadinho de... olhe, amigo, exactamente, isso: gostava de voltar a ter a tesão que tinha com a minha mulher. E acho que ela também gostaria, não me parece que esteja tão farta disto como eu, mas de certeza que havia de lhe agradar que eu voltasse a comê-la regularmente; já não digo todos os dias (muito menos várias vezes ao dia, como nos nossos primeiros meses), mas pelo menos uma ou duas vezes por semana (e não por mês, como a coisa é agora, veja lá).

Enfim, será que me pode ajudar com algum conselho?
(...)

A. P. - Caxias
(recebido por e-mail)


Ó meu caro amigo, veja lá no que me mete, salvo seja. Um dos ditados populares mais conhecidos, e mais excepcionalmente certeiros, é "entre marido e mulher nunca metas a colher". Como o amigo deve saber, de resto, mas, visto que ainda assim escreveu, cá vai o que me parece.

Primeiro, e mantendo o assunto no campo das generalidades, note que aquilo de que fala é o que sucede a quase toda a gente, senão toda, que está casada há um "ror de anos". Dezassete anos é muito tempo. O casamento é o único acordo, ou contrato firmado, para ser mais exacto, através do qual se adquire um produto em processo de fabrico; o produto acabado surgirá fatalmente apenas com o decorrer do tempo. A gente assina o papel, todos contentes, pensando que aquela pessoa que ali está, jovem, bela, engraçada, cheia de vida e de saúde, vai ser assim "para sempre". Talvez por influência de Hollywood ("e viveram felizes para sempre") ou das fórmulas pronunciadas durante a cerimónia ("juro ser-te fiel até que a morte nos separe"), ou talvez porque a produção maciça de hormonas, nos primeiros anos de vida útil, nos impede de pensar, o facto é que a nenhum recém-casado ocorre que tudo aquilo não vale nada: o casamento é um processo de degradação alucinante.

E repare que estas coisas são hoje em dia incomparavelmente mais difíceis do que eram, por exemplo, há 100, 200 ou 300 anos. Ainda mais para trás, na Idade Média, as pessoas casavam em idades que hoje dariam cadeia pela certa, sob a acusação de pedofilia, mas a esperança de vida era de 25 ou 35 anos; logo, não custava muito aguentar a jura (ser fiel) até que um, ou ambos, fossem desta para melhor; "para toda a vida" era coisa de 10, 15, 20 anos no máximo. Hoje não é assim. Se é possível culpar alguém pelo fracasso sistemático e avassalador do casamento, culpe-se a classe médica, os biólogos, os cientistas que prolongaram a esperança média de vida até ao absurdo. Não custava nada jurar fosse o que fosse, e mesmo aguentar o casamento, durante uma ou duas décadas; e aí cumpria-se literalmente e honradamente a jura, porque era esse o espaço de uma vida.

Mas agora a coisa é um disparate. Jura-se na mesma quando, em vez de 15 anitos, aí uns 50 (cinquenta!) ou 60 (sessenta!), ou ainda mais, nos esperam. Como? Aguentar a mesma pessoa durante eternidades? Isso é absolutamente contranatura. O período máximo expectável, para que um casamento perdure, pouco mais ou menos, mantém-se nos quinze, máximo de vinte anos. Findo este prazo de validade, o que é normal é que as pessoas comecem tudo de novo, ou seja, que casem outra vez. A julgar pela evolução das ciências médicas em geral e da geriatria em particular, parece-me não ser exagero prognosticar três casamentos durante o tempo de vida útil: por hipótese, o primeiro aos 18, o segundo aos 36 e o último aos 54 anos de idade. Talvez dentro de um ou dois séculos seja mesmo possível, previsível, normalíssimo, que haja uma média de quatro casamentos por cabeça(*). Isto ele há malucos para tudo, até para casar uma série de vezes.

Agora sobre a questão propriamente dita. A daquilo a que chama, muito apropriadamente, "a tesão". Pois bem, tem tudo a ver. O amigo A. P. refere-se a esta mesma coisa de diversas formas, como "manter a chama acesa", "cumprir o dever conjugal", fala em semelhanças com os coelhos, procede a contabilidade sexual organizada, etc. Tudo espremido, vem a dar no mesmo: é naturalíssimo, e outra coisa não seria de esperar, que lhe falte agora o "entusiasmo"; pois que, perfeitamente, era só o que faltava era agora, ao fim destes anos todos, ainda andar o amigo a "comer" a sua mulher "regularmente". Regularmente, ao fim de 17 anos, é aquilo a que se chama "quando o rei faz anos"... e isso é que está certo, é natural e fica bem; o que não é natural e não fica bem é um branco de carapinha ou um preto de cabeleira loira. Agora lá isso! Deixe. Toda gente faz o mesmo. Ou não faz, a bem dizer. Não se rale. A sua Maria pula a cerca tantas vezes como o caro amigo, ou duvida? Ou pensa que ela não acha que, afinal, você, que era um tipo tão elegante, agora não "amanda" essa pança descomunal? Não é só o A.P. que está farto e já não dá uma prá caixa com a patroa. Podes crer, mano, ela também já vai dando as suas voltinhas.

Quer-se dizer: então julgava o amigo que aquela boazona, giraça, elegantérrima chavala de há 17 anos não ia engordar? Que ia ficar eternamente bela, submissa, e que ia ficar para sempre ali, com aquelas belas e apetitosas pernas abertas, à sua espera? Ah, pois, agora o sinalzinho que ela tem ao pé do queixo, e que antes lhe parecia amoroso, agora mete-lhe nojo, ai agora é uma "verruga horrorosa"? Adorava o cabelo, que ela trazia sempre comprido e limpo, mas agora detesta que ela largue penugem por tudo quanto é canto? Já não suporta que ela lhe mexa? Nem sequer nos trastes?

Pois, repito. É natural. Já todos ouvimos dizer que há umas excepções, algures, eu cá nunca vi nenhuma. Esteja descansado da vida. Trata-se de uma lei da natureza. Os achaques, os traques, os truques, as manias, as taras, os vícios, os tiques, as idiossincrasias, os gostos, os amigos e os inimigos, são tudo coisas que só se aturam se forem nossos e nossas, respectivamente; no outro, e de mais a mais todos os dias, é normal que apenas aguentemos durante uns tempos; uma geração, no máximo.

Não há volta a dar, desculpe que lhe diga. Aguente-se. Não se sinta empalitado, que não vale a pena. E, se lhe apetece continuar assim, também não se preocupe: não pode haver "ameaça de derrocada" naquilo que já está mais do que em ruínas. Quer um conselho? É deixar andar. Assim comássim. Se ela diz que "estão fartos um do outro", é porque ela está completamente farta de si. Tudo bem, as vidas a dois colam-se com cuspo. E só se destroem, só há mesmo derrocada, é quando a coisa se descobre. Desde que ninguém saiba, ou desde que toda a gente finja que não sabe, isso nem estremece; o pior é se houver um azar, se ou um ou o outro descobrem um flagrante; aí, você que era "uma jóia de moço" passa imediatamente à categoria de "paneleiro filho de uma ganda puta cabrão de merda"; e ela, coitadinha, deixa de ser o "meu amorzinho quiducho" e ficará doravante com o cognome de "puta do caralho hei-de foder-te os cornos que vais ver, ganda vaca".

Mas não há-de ser nada. Espero ter ajudado com estas singelas observações. Ao dispor.




(*) não é bem este o argumento, mas já viu o filme "Quatro Casamentos e Um Funeral"?

P.S.: "aqui há uns anos atrás" é Português aramaico; não existe, é possidonismo, é merdoso. Irra!

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Presidência toda aberta


Nosso primeiro-cavalheiro anda por aí, parece, a ver como param as modas no trânsito. Diz que se trata de "presidência aberta sobre sinistralidade rodoviária", ou coisa que o valha, o que representa notável inovação em tão prestigiosa actividade do mais alto magistrado da Nação.

O programa decorrerá ao longo de uns quantos dias e inclui umas viagens a bordo de viaturas topo-de-gama da GNR-BT, por essas auto-estradas fora, a 160 quilómetros à hora; o que, convenhamos, demonstra não apenas a temeridade do Presidente mas em especial a inconsciência dos nossos serviços secretos. Bem sabemos que a figura não é propriamente imprescindível, muitos duvidam até de que sirva para alguma coisa, mas ainda assim é arrepiante imaginar nosso PR a 160 à hora, na bisga, em qualquer via pública nacional. E tudo isso para quê? Por acaso não acredita o senhor no que lhe dizem ou no que lê nos jornais? É preciso ir pessoalmente verificar?

Em Portugal, só um idiota arrisca tal conferência. Num país onde é necessário demonstrar permanentemente os níveis de testosterona que produzem as glândulas de cada um, é perfeitamente idiota uma pessoa meter-se à estrada - a não ser em casos de absoluta necessidade.

Toda a gente sabe que "fazer pisca" à direita é gay; que as motorizadas não necessitam de ter o farolim ligado, nem de dia nem de noite (principalmente de noite), porque ligar o farolim é gay; que ceder a passagem é tremenda paneleirice, é gay até dizer chega; e então respeitar a regra da prioridade, isso é que é gay!

O acto de conduzir não é mais do que a extensão da nacional-paranóia que consiste em ter um comportamento o mais possível "macho". Escarrar no chão, comer alarvemente, falar aos berros, são alguns dos tiques rácicos da mesma etiologia que identificam e caracterizam o macho-latino portuga - seja ele homem, ou mulher, ou simplesmente paneleiro, tanto dá: ter comportamentos de macho não é apanágio exclusivo de machos, e para tal se aferir basta observar o comportamento das mulheres ao volante. São machas como tudo, ultrapassam pela direita, à má fila, utilizam uma linguagem cavernosa para insultar toda a gente (vai-te foder, ó cabrão!) e traduzem por gestos a doçura que tipicamente lhes vai na alma (por regra, o dedo médio esticado).

Em Portugal, cada automóvel é um veículo blindado privativo com o qual se pretende, não ir de um ponto para outro, mas simplesmente amachucar, esmagar, trucidar, liquidar todos os outros, os blindados inimigos. Ao automobilista nacional apenas falta, para se sentir inteiramente confortável ao volante, uma carlinga no tejadilho e uma peça de 70 mm no "capot"; se, em vez da porcaria da borracha nos pneus, aquilo tivesse lagartas, tanto melhor. Daí o fascínio pelo "tuning" das carcaças rolantes, o gosto pelos carrinhos "artilhados", a ânsia de ter um "jipe" cheio de cromados e com os pára-choques em aço rutilante.

A viatura de hoje é o conjunto cavalo e armadura da Idade Média. Arma de assalto, primordialmente, mas também - e principalmente - arma de arremesso social; é comum os portugueses reconhecerem-se, não pelos sinais e características de cada um, mas por marca e modelo:

_ Conheces o Artur(*), aquele que tem um BMW Z3(*) azul? Pois, o vizinho dele, não me lembra agora o nome, é o do Peugeot Impresa(*), bom palerma. Bateu no Audi A4(*), que é da mulher do Artur, tásaver, ganda nóia.

Ao fim e ao cabo, verifica-se em Portugal a lei axiomática de Ford(*): you are what you drive. O resto é verbo-de-encher. Por mais que os nossos políticos, intelectuais e "jet-set" em geral se esmifrem, rien ne vas plus, como sói dizer-se. Não será pois de estranhar que, imbuída a população deste espírito, tenhamos a mais elevada concentração de automóveis Ferrari do mundo, e também as mais altas taxas de sinistralidade, de mortalidade e de estropiados rodoviários - do mesmíssimo mundo, porque não há outro. Morrem nas estradas portuguesas, todos os anos, mais pessoas do que todas as vítimas da chamada guerra colonial, que durou mais de uma década.

O código-da-estrada funciona conforme a tipologia das viaturas; as regras não são as mesmas, em circunstância alguma, para todos; depende de factores como a cor, o preço, o aspecto, a marca, o modelo e o ano de fabrico da viatura; para ilustrar com um exemplo, qualquer Mercedes(*) tem absoluta prioridade sobre todos os Fiat(*), Opel(*) ou Subaru(*) que se apresentem pela direita; em caso de dúvida ou de conflito, aplica-se a regra do cacau, ou seja, quanto mais caro for o pópó mais razão tem.

O condutor português indigna-se amiúde, e manifesta a sua revolta, com a simples presença à sua frente (à frente dele) de qualquer Corsa com mais de dez anos. Mas o que anda este gajo aqui a fazer? Manda essa merda prá sucata, ó caramelo! Atão? Isto é assim? Anda lá com isso, porra, e vai-te catar.

Mas cá vamos, fingindo e rindo. Nosso presidente resolveu portanto juntar-se ao pagode e prestar-se a mais uma das fantochadas cíclicas tão do agrado de toda a gente. Honra lhe seja feita, mesmo muito provavelmente borrado de medo, e com a patroa a moer-lhe o juízo em casa, lá vai no banco de trás do Alfa Romeu(*) branco, a palmilhar que nem um herói quilómetros atrás de quilómetros do teatro de operações. Horrorizado, esgazeado, prometeu já mandar fazer umas coisinhas, como campanhas de sensibilização e assim, a ver se consegue, ao menos, disfarçar a vergonha que sente. Isto, claro, enquanto não se sentar ele mesmo ao volante da sua "bruta máquina". Aí, saiam da frente que é melhor.

(*) ou outra coisa qualquer

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