Odi profanum vulgus et arceo

29/09/04

O vernáculo revisitado - subsídios para o estudo da c*r*l*ada, em três actos

Uma parte (1) dos nossos (3) leitores ocasionais tem manifestado repetidamente algum incómodo com a incongruência que existirá entre a nossa reiterada mania da perfeição - que se manifesta em frases invulgarmente compridas e, ainda assim, gramaticalmente correctas, por exemplo - e a utilização quiçá abusiva do mais puro e duro vernáculo, por vezes de forma absolutamente deslocada e/ou despropositada. Que a mesma coisa pode ser dita (e feita, presume-se), de igual modo e com outra elegância, sem ser necessário o uso de grosserias a torto e a direito.

Pois minha cara amiga, quer-me parecer que se equivoca nesse ponto. Vejamos alguns casos mais significativos.

Dizer ou escrever "pénis", como em "vai para o pénis que te f*d*", em vez do equivalente vernáculo "vai para o caralho que te foda", há-de concordar, seria ridículo e ninguém se atreveria e usar tão pífia forma de insulto. Uma coisa é o termo técnico, outra bem diferente é a forma por assim dizer arcaica da coisa, isto é, caralho, com todas as letras, insubstituível expressão do Português corrente. Ninguém diz, por exemplo, mesmo se for mulher, "olha-me só aquele par de seios"; é "mamas" que se diz, neste contexto, não seios; só existem grandes pares de mamas, não estou bem a ver como pode alguma senhora transportar consigo um grande par de seios; seria incómodo, para não dizer que soa pessimamente. A mesma diferença, e não apenas semântica, existe em tudo aquilo que se refira a "cuzes", por exemplo, como dizia uma velha amiga, empregada de limpeza e pessoa muito dada a estas questões linguísticas; "cuzes" significa, no seu dela linguajar característico, o plural de "cu", como é evidente; é perfeitamente legítimo que se use a forma (entretanto caída em desuso) "peida", ou mesmo "peidola", mas nunca por nunca "nádegas" ou, muito menos, "fundo das costas"; é pindérico e não fica bem. Cu é cu, mamas são mamas ("tetas" já é um bocadinho brutal), não se pode dizer de outra forma e acabou-se.

É como dizer (ou escrever) "ganda" em vez de "grande". Não confundamos "grande treta" com "ganda treta". Trata-se de tempero prosódico, de lascívia verborreica, sei lá, é uma espécie de êxtase linguístico - coisa bem diferente de ter língua viperina, como sabemos, isso sim uma ganda merda.

Se mando alguém para a puta que o(a) pariu, nem me refiro à progenitora do indivíduo, a qual, de resto, muito provavelmente não conheço, nem sequer pretendo insinuar que estou assacando à senhora tão desprestigiante, ainda que antiga e imprescindível, profissão ou modo de vida. O busílis frásico reside mais no verbo (mandar) do que em qualquer dos complementos ou elementos prosódicos. Vá para a meretriz que o deu à luz não quer dizer porra nenhuma e seria, parece-me, muito mais insultuoso, porque tecnicamente radical, irreversível, cirúrgico. Numa palavra, badalhoco.

E há depois essa coisa altamente desopilante que é não se ficar a gente pelas meias tintas; dizer-se o que se tem a dizer, em certas ocasiões, só pode ser de uma maneira, e esta é, quer queiramos quer não, debitando grandes caralhadas, alto e bom som, como manda a sapatilha. Levante a mão quem nunca disse na vida FODA-SE, ao menos uma vez. Dizer FODA-SE não é dizer foda-se, simplesmente; é expelir com veemência um dos mais profundos sentimentos que o ser humano pode experimentar; e quem diz foda-se diz outra coisa qualquer. Existem mesmo expressões populares completas, verdadeiras rituais de desopilanço, como PORRA PORRA PORRA PORRA PORRA PORRA PORRA PORRA, assim, infinitamente, até que a crise passe ou, quem sabe, o chefe deixe de chatear, lá na repartição. Trocadilhar ou usar de fina ironia são duas das inúmeras formas de que se pode revestir esta naturalíssima forma de expressão, aquilo a que se chama vulgarmente "deitar cá para fora". Daí o uso do vernáculo ser considerado, por algumas nada estúpidas sumidades, como uma terapia existencial eficaz, uma alternativa credível a coisas tão violentas como o Prozac ou o irmão do Dr. Jorge Sampaio.

A propósito, escreveu não sei que psiquiatra que a vida humana se resume a esconder a merda (vê, cara amiga, até um psiquiatra diz "merda" e não "fezes"); no original, dizia ele que il faut toujours cacher la merde, querendo com isto significar, em suma, que o ser humano passa a vida tentando descartar o seu lado animal; tentamos por todos os meios fingir que somos seres superiores, que não urinam, não defecam e não têm relações sexuais da mesma forma que outro animal qualquer. Para este ilustre pensador, as actividades humanas regem-se por este impulso básico, meras tentativas de elevação e de fuga à humana condição; "cacher la merde" implica fechar a porta da casa-de-banho, com certeza, e ainda bem que assim é, mas implica também muito mais subtis coisas, como fingir superioridade e distanciamento em relação a tudo o que nos possa recordar o nosso primitivismo essencial. Não esqueçamos que o ser-humano é um animal como qualquer outro, uma perfeita besta, para simplificar, e que, se porventura tivessemos evoluído a nível fisiológico em paralelo com a nossa suposta evolução civilizacional, hoje nenhum de nós teria necessidade de comer, beber ou procriar; se o resto do nosso corpo tivesse acompanhado a evolução do cérebro, hoje em dia ninguém teria aparelho digestivo, porque não seria necessário comer ou beber, e a questão reprodutora estaria resolvida por meios tecnológicos. E então, de facto, não existindo qualquer dos aparelhos digestivo, urinário ou reprodutor, extinguir-se-ia 99% do acervo grosseirão. É esta incongruência entre o nosso alto nível civilizacional, que não tem absolutamente nada a ver com o que era "no início", e o nosso lado bestial, que ficou exactamente na mesma, aquilo que nos faz tentar esconder a merda, custe o que custar.

Nesta ordem de ideias, e por apego ao pormenor, poder-se-á deduzir que evitar o vernáculo é uma das inúmeras formas de "cacher la merde"; o que tem o seu quê de ridículo, até pelas formas de que se reveste essa espúria e por vezes desesperada tentativa de "purificação"; não é por não se dizer nunca "merda" que a merda deixa de existir; não é por se substituir algumas letras, num "palavrão", por asteriscos ou por outros sinais gráficos estranhos, que o "palavrão" deixa de o ser; apenas se consegue, com essa estúpida manobra (escrita, totalmente escrita, porque não existem asteriscos na oralidade), chamar ainda mais a atenção para o calão que supostamente se pretendia evitar. Lê-se muito, por aí, mesmo escrito por pessoas que não são perfeitos idiotas, coisas como "F***-se!" ou "ai o c**alho" ou ainda, com grafismos de banda desenhada, "seu grande f*#!o de uma p#$a"; por exemplo. Ora aí está la merde pas si bien cachée.

Enfim, minha cara amiga, findemos. Como vê, bem pode tirar o cavalinho da chuva. Mesmo concedendo que o 001, nosso agente secreto e rapazola inconsciente, por vezes se excede um pouco, há que admiti-lo com frontalidade, não será por causa desse pindérico do caraças (viu, esta foi para si) que deixaremos, cá no pasquim, de usar e abusar de tão categorizada forma de expressão. É que, e esta agora não é para si, cara amiga, como estamos fartos de dizer, a gente está-se bem cagando para quem lê ou não estas merdas que aqui pespegamos. Que se fodam todos mai-los seus pruridos da tanga. Que vão morrer longe, c'os respectivos geniozinhos do caralho às costas.

comentários

Alexis Ivanovitch


Duvidava eu das minhas próprias possibilidades? Mais de dezoito meses já passaram e estou, parece-me, numa situação bem pior do que a de um mendigo! E porquê um mendigo? Desprezo a mendicidade! Perdi-me por minha conta e risco! De resto, esta situação não pode comparar-se a nenhuma outra e não vou agora armar em moralista! Nada de mais absurdo do que a moral, num momento destes! Oh! As pessoas satisfeitas consigo mesmas! Com que suficiência vaidosa estão dispostas a ditar as suas próprias opiniões! Se soubessem como estou consciente do abominável da minha situação presente, não achariam palavras para me dar conselhos. E que podem dizer-me de novo que eu não saiba já? É disso mesmo que se trata! O que há de certo é que... numa só volta da roda tudo pode mudar, e esses mesmos moralistas serão os primeiros então (disso estou certo) a felicitar-me, gracejando amigavelmente. Não se afastarão de mim como fazem agora. Mas eu cuspo em toda essa gente! Que sou eu agora? Um zero. O que vou eu ser amanhã? Posso ressuscitar de entre os mortos e recomeçar a viver! Posso descobrir o homem em mim, antes de que ele esteja perdido!

Fiódor Dostoiévski, O Jogador (1866)

comentários

23/09/04

como ia dizendo


Não sou fascista. Imitando o inefável ex-porta-voz do Benfica (como raio se chama o gajo?), com aquela vozinha de bagaço característica: não sou fascista, repito, não-sou-fascista.

Para que não haja confusões. Escuso de repetir, presumo.

O termo em si não me dá qualquer espécie de abalo ao pífaro, compreendo o conceito e não o misturo com outra coisa qualquer, como fazem os das sinistras. Bem sei que fascismo não é a mesma coisa que nacional-socialismo e, portanto, que um fascista não é um nazi, e vice-versa. Tampouco, não sendo anti-fascista, me considero do lado deles, ao contrário da lógica vigente esquerdista, essa histórica e histérica lavagem ao cérebro que sobrou como despojo da 2ª Guerra Mundial. Uma coisa é ser fascista, outra bem diferente é não ser anti-fascista. Conceitos apenas na aparência retóricos, já que não é bem isso o que diz a Constituição da República Portuguesa, no "célebre", e já por diversas vezes aqui referido, ponto 4 do artigo 46.

Um simples e macabro exercício aritmético de contagem dos mortos, à mistura com algum bom-senso e equidade, implicaria que aquele preceito constitucional excluísse o direito de associação a fascistas e a comunistas, mas não, apenas é vedado aquele direito de cidania aos primeiros. O que, de resto, não admira nem um pouco, já que a CRP é ainda hoje constituída pelos restos mortais daquela que foi escrita nos idos de 75, pelo próprio punho dos comunistas e com a anuência dos seus paus-mandados, ditos socialistas e quejandos.

Ora, se não ser anti-fascista não é o mesmo que ser fascista, também ser anti-comunista não equivale a militar na extrema direita. De igual modo não quer isso dizer que se seja neutro, ou centrista, ou chame-se o que se quiser a tudo o que não é nem uma coisa nem outra, nem fascista nem comunista. Tive a minha conta de "compromisso" e de "diálogo", para já não falar de "conciliação" e já de há algum tempo julgo não passarem aquelas belas palavras de, respectivamente, tibieza, cedência e cobardia. O comunismo faliu em toda a linha, foi derrotado pela História, não vale um caracol, nunca valeu, foi o maior embuste de toda a História. Já cá se sabe. É uma carta fora do baralho e de toda a cogitação.

Mas o que importa agora é esclarecer este assunto: não sou fascista. Pronto. Nada disso. São demasiados cadáveres, contáveis, enumeráveis e presumíveis. É gente violenta e, exceptuando alguns ilustres, de um trogloditismo empedernido, broncologia militante, estupidez e obtusidade como modo de vida e como maneira de ser. Não estou interessado.

Bem sei. Isto é ser órfão político, é não ter onde cair morto, é, em resumo, chato. Não há cá camaradas nem coisa que o valha. É uma maçada. Não tenho nem grupo nem grupelho. Por mais etiqueta que tenha, não tenho rótulo. Nem região demarcada. Nem areópago. Não quero por companheiros nem torcionários nem bestas quadradas. Que se há-de fazer? A Democracia é um sistema vazio, que não resulta hoje como não resultou há 2500 anos. A alternativa é a não-democracia, ou seja, um regime autoritário, impositivo, quiçá ditatorial. Mas não me agrada nada, confesso, ver imbecis a mandar, atrasados mentais a governar, burgessos no poder, sádicos ditando aquilo que é melhor para mim e para os outros, mentecaptos debitando leis existenciais. Eles não fazem a mais pequena ideia daquilo que é a vida, ou para que serve.

De resto, nem eu.

O meu partido é o da conservação básica, isto é, manter-me inteiro e íntegro, o melhor possível. Fazer o que puder por mim próprio e pelo meu semelhante. Não confundir ideias com justiça. Salvaguardar a vida. Não recuar perante as adversidades. Ter consciência da minha própria irrelevância. Ver e tentar perceber o que vejo.

Se isto é ser de direita, então eu sou de direita. Quanto mais não seja, por exclusão de partes.

Mas não sou fascista. Não tenho nem tempo nem paciência para isso.

E isto é perigoso, não é?

comentários

22/09/04

as quatro estações de Vivaldi


É o que se ouve, interminavelmente, on and on and on. A pagar, evidentemente. A Netcabo, essa excelente empresa que representa o mais profundo espírito de funcionalismo público na Internet com ferrete português, raramente atende os seus clientes, ou não atende nunca, mas prima (a prima deles) pelo critério na selecção musical; lá disso estamos servidos; a gente, enquanto espera (e o contador de impulsos vai pingando, pim, pim, pim, pingue) sempre vai ouvindo essa coisa do pobre Vivaldi. Não as Quatro Estações mas apenas uma delas, a Primavera, macacos me mordam que já a não posso ouvir. Bem sei que aquilo é uma espécie de Dino Meira da chamada música clássica mas ainda assim, que diabo, soa a tortura. E, pelo meio do zoing-zoing, violinos e tal, lá vem a publicidadezinha marota, a "maravilhosa ligação ultra-rápida" e outras coisas espantosas e não menos maravilhosas lá deles.

Ora, portantos, quer-se dizer: a gente liga para o "número nacional único" e, pela módica quantia de "custo de chamada local" não apenas os gajos da Netcabo não atendem, como temos de ficar agarrados aos trrinfone, cheios de esperança, uma e outra e outra vez, e sempre a pagar, e sempre a ouvir a maldita Primavera, mai-lo maravilhoso não sei quantos. Paga-se para ouvir a publicidade deles! Não é giro?

Jo no creo en buen empleos, pero que los hai, los hai.

E depois é esta coisa do assassinato musical por telefone. Ouve-se a Primavera, depois a Primavera, depois a Primavera outra vez, e, por fim, a Primavera de novo. Irra que já não posso com a Primavera! Mas lá que são quatro, ora, uma, duas, três, quatro estações, são sim senhor, confere.

E assim, de coisinhas destas, não há quem fale? Hmmm? Nenhum dos notáveis se digna denunciar este escandalozito, esta suculenta roubalheira? Hem, pessoal? Nada de nada? E do crimezito melódico, hã, que dizeis? Népia?

Ah, ok, então está bem. Se nenhum VIB se rala com estas minudências é porque elas não valem um caracol. Deve ser impressão minha. A PT/TvCabo/NetCabo não tem lucros quase nenhuns, amealha poucochinho, não tem nada excesso de pessoal, que ideia, e nem sequer têm estes gajos ligação nenhuma com a Optimus, a TMN e a Vodafone. Em resumo, não existe em Portugal uma Mafia das telecomunicações. Nadica. Olha que estupidez. Eles nem combinam os preços entre si nem utilizam golpadas como a das quatro estações. É só impressão minha. Deve ser café a mais.

comentários

21/09/04

não tenho nada para dizer


Deve ser o único paradigma e é com certeza o mais extraordinário paradoxo trazidos pelo chamado "fenómeno bloguístico". É realmente um fenómeno e espantoso ele é, o paradoxo: não ter nada para dizer, e dizer que se não tem nada para dizer, é aqui tido por novidade. Não tenho nada para dizer mas, em vez de ficar muito caladinho, venho aqui e escrevo que... não tenho nada para dizer.

Tecnicamente, isto é uma "actualização". A coisa (dizer que não há nada para dizer) é "pingada" para a weblogs.com assim que se carrega no botão "publish" e uns minutos depois já a actualização (não ter nada para dizer) consta na lista de 2785226 blogs da blo.gs; depois, as pessoas ficam a saber que o blog tal foi actualizado, não porque tivesse alguma coisa para dizer mas precisamente porque não tinha e declarou isso mesmo por extenso, sendo que, não havendo ainda a arte do bruxedo nestas coisas, é necessário abrir o endereço para conferir o que há de novo; evidentemente, o que há de novo é nada e coisa nenhuma.

Por fim, serviços tão prestáveis como a weblog.com (note-se a falta do "s") registam quantas vezes o blog da pessoa que diz que não tem nada para dizer foi acedido, qual é o perfil do visitante típico desse endereço e, pela conjugação das diversas preferências (acessos) do conjunto de visitantes, deduz-se quais são os seus interesses genéricos, para fins publicitários - e outros; parece complicado, este processo, mas é muito simples. Já alcançou a categoria de especialização técnica, no espaço cibernético, e designa-se por "data mining", o que se poderia traduzir, em Português corrente, por "capinanço de dados" ou, melhor, ainda, por "meter o bedelho na vida do consumidor", este sim, uma verdadeira mina.

Ou seja, devem existir neste momento, em todo o mundo, dezenas de milhares de papalvos cuja óbvia preferência é declaradamente por nada de especial, ou que adoram ler coisa nenhuma. Beleza.

Ao menos isso é bem feito, para os garimpeiros das preferências. Calar a boca ou estar quieto num canto deixou de ser o que era, e que se resumia a isso mesmo, uma ou outra ou ambas as coisas. Agora não ter nada para dizer já é ter muito para dizer. É novidade. É actualização. É "post". É tão importante e tão actual como propalar a mais estarrecedora das asneiras, a mais profunda das vacuidades, a mais iluminada teoria ou a mais privada das confissões.

Não ter nada para dizer é hoje, finalmente, tão válido como escrever uma nova teoria da relatividade. O expoente de um radical livre, em ordem de factores absolutamente arbitrária. É como cuspir para o ar. Ou vice-versa.

Bem vindos ao absurdo.

comentários

17/09/04



Take the What
animal best portrays your sexual appetite??
Quiz


Olhe, desculpe, não têm testes para heterossexuais?


comentários

click para ver regulamento

Não, não é uma maratona de cunilingus.

comentários


DASS


Direito Ao Silêncio e ao Sossego.
Estar quieto sem ouvir coisa nenhuma, assim como os cadáveres mas em modo de "stand by", eis algo que deveria ser tão natural como respirar, pouco mais ou menos, mas que é hoje um privilégio cada vez mais raro. Institui-se, nas sociedades modernas e em Portugal, a ditadura do barulho - consequência natural do horror ao silêncio, mal geral de que sofrem 99,99% dos portugueses e cerca de metade das pessoas normais.

Aliás, como a bela Inês nos idos de quinhentos, não é absolutamente necessário que se esteja quieto para se estar posto em sossego; é perfeitamente viável ir tratando da vidinha, como ela fazia naqueles bons tempos, a magana, e ter ainda assim direito a um módico desse supremo bem. Nem é necessário que se goze de boa saúde, e também não é preciso que se disponha de grande arsenal psicológico ou cultural; basta um pouco de bom senso e alguma pouca dose de sensibilidade, algo de que gozam em abundância outras espécies de mamíferos, como os burros ou os gatos, por exemplo. É por isso que admiro os burros e que os gatos são a minha espécie favorita.

Parece-me que os surdos são insuspeitamente felizes e penso, seriamente, em arranjar maneira de me ensurdecer por completo; acho que o ensurdecimento medicamente assistido deveria ser acto médico aceite pelo Estado como passível de comparticipação, como a interrupção voluntária da gravidez o é, em se tratando de resultado de violação ou de relação não consentida. Ao fim e ao cabo, é a mesma coisa: também os meus ouvidos são violados, todos os dias e a toda a hora, é um facto; há sempre qualquer coisa que me fode os ouvidos e sempre contra a minha vontade; tenho sempre coisas bem encavadas em ambos os pavilhões, gritos, macacos pneumáticos, Roberto Leal, portas a ranger, as socas da vizinha de cima, enfim, um inferno. Sodoma e Gomorra em versão auricular, é o que é, caralhos me fodam.

Se há castração química, deve também haver maneira de induzir surdez, sei lá eu bem, ou com azeite a ferver pelas orelhas adentro ou com uns ferros espetados nas trompas de Eustáquio, esborrachando o martelo de encontro à bigorna; mas isto com anestesia, vê-se logo, porque uma porra destas deve doer um bom bocado. Ludere me putas?, como se dizia em Latim; não. Não brinco. Quero ficar surdo de vez, antes de que o cagaçal ambiente liquide o que resta da minha lucidez. Olha, nem de propósito, eis aqui há atrasado uma fixérrima palavra de ordem para a coisa: quero ficar surdo de vez, e tal, e tal, o que resta da minha lucidez. Cool.

Como há o direito constitucional à habitação condigna, desde que se seja cigano, preto, drogado ou marginal indiferenciado, deveria existir o direito ao silêncio e ao sossego escarrapachado com todas as letras na Constituição da República. Upa, upa, como dizia nosso Eça: a coisa devia subir à Declaração Universal dos Direitos do Homem: como ninguém deve ser tratado de forma desumana nem sujeito a torturas ou sevícias, as pessoas (ou, pelo menos, eu) deveriam ter a garantia daquele famosíssimo papel de não mais serem incomodadas pelo basqueiro em geral, ficando legalmente ao abrigo de quaisquer torturas sonoras, como o Quim Barreiros, ou a sevícias, indignidade das indignidades, como a Mónica Sintra ou Os Anjos. Tornar-se-ia assim legal o extermínio metódico da música pimba em geral e do Clemente em particular; ah, que beleza seria metê-los a todos em vagões de mercadorias, de onde seriam conduzidos ao matadouro mais próximo, onde seriam recebidos pelo célebre jingle publicitário "arbeit macht frei", o nosso patriótico "vai trabalhar gandulo", mas em Alemão.

A saúde é um estado clínico transitório que não augura nada de bom, como dizia já não sei que figura, e o ruído é sem qualquer dúvida uma das suas maiores ameaças; para a saúde e também por causa dela, porque, é sabido, ninguém "berra a plenos pulmões" (odiosa expressão) se não estiver de boa saúde; o que é pena, de resto; berrar deveria ser motivo mais do que suficiente para que se despencasse de imediato sobre a cabeça do energúmeno um raio que o partisse. Nem Deus se lembrou dessa elementar justiça quando fez o mundo, mas também já cá se sabe que este mundo foi muito mal feitinho, benza-o O Próprio.

Os riscos do barulho para a saúde são enormes, por conseguinte, e muito diversificados. Por exemplo, quantas e quantas vezes me tenho pegado com este e com aquele por via desta minha hipersensibilidade auditiva; geralmente, quando digo a alguém "não grites, caralho" ou "fala baixo, foda-se", é certo e sabido que vai haver merda. Mas, que raio, um homem não é de ferro. E não apenas isso como há esta coisa minha de achar sempre que não se perdia nada se Fulano de Tal estivesse calado em vez de me vir cá dizer umas patacoadas, ou seja, falar alto, porque a asneira soa aos meus ouvidos como simples, insuportável ruído.

É por estas e por outras que aqui estou, volta-e-meia, pregando aos peixes como Santo António, esmurrando este púlpito com furor, irritado até à náusea. Bem sei que os ditos peixes se marimbam positivamente para o discurso, adivinho-lhes os pensamentos, tipo "vai-te foder ó Freitas", mas enfim, reconheça-se que este pregador da Causa do Silêncio fala baixinho e usa de voz o mais possível maviosa. Bem sei que, na mesma linha metafórica, tudo acabará por ficar em águas de bacalhau, trompas diversas continuarão a ser violadas, com as consequências conhecidas para os órgãos adjacentes. Mas ninguém calará a minha indignação contra a cultura ruidosa, contra o poder do barulho, pelo direito ao silêncio e ao sossego. Que a paz esteja convosco, peixinhos. Que mil momentos silenciosos floresçam. Avante por uma vida mais sossegada. Viva a revolução silenciosa!

DASS. O meu partido.

comentários

15/09/04

Assembleia da República abre hoje as portas a exposição de dinossauros


Título de notícia de hoje do jornal Público online (visto no blog Speakers Corner Liberal Social).

Sempre atentos às necessidades informativas da vizinhança cá do blogbairro, e das pessoas em geral, antecipamos aqui alguns dos mais significativos exemplares da mostra.



Broncossaurus Melus



Tyranossaurus Lex



Triceratops Mulus Glaucus



Velociraptor


foto do exemplar Tyranossaurus: tallahassee.indymedia.org/
foto do exemplar Triceratops: www.uc.pt/
foto do exemplar Broncossaurus: www.carloscoelho.org/
foto do exemplar Velociraptor: africa.sapo.pt/


mais info em http://www.rackershp.hpg.ig.com.br/dinosaur.html

comentários

14/09/04

ano lectivo 2004/2005


O uso de farda será reintroduzido, no próximo ano lectivo, em todos os graus de Ensino. Para já, a medida apenas se aplicará aos professores (de ambos os sexos), mas está previsto que também os funcionários dos estabelecimentos escolares, desde porteiros a empregados de refeitório, passem a usar fardamento adequado e condizente com as funções e o tipo de local onde exercem funções, de reconhecida perigosidade.

A produção destes novos uniformes decorre a bom ritmo, prevendo-se a sua distribuição em todas as escolas do país até ao fim do corrente mês. A capitação por escola será determinada de acordo com o que tiver sido previamente requisitado pelo Conselho Executivo de cada escola, sendo os custos da operação suportados pelos respectivos fundos de maneio.




farda pª professor (geral)

farda pª professor E.F.


Obs.: ambas as fardas são unissexo


(modelos de TacticalShop e Army Technology)

comentários

13/09/04

Never smile before Christmas


A violência contra professores cresceu mais de 40 por cento no ano passado. Insultos, agressões físicas e furtos são as situações de violência mais frequentes. Em 2003, o Ministério da Educação registou 2133 casos de acções contra pessoas.

(visto no blog ---enresinados!---)

texto com o mesmo título, assinado por Andreia Amaral


O funcionário da biblioteca era um daqueles velhotes simpáticos e calados, quase transparentes, que existem sempre nas escolas; uma daquelas pessoas que nos habituamos a ver mas de quem nunca nos lembramos, até que um dia, de repente alguém se lembra de perguntar "ah, é verdade, o que é feito do senhor Fulano?" e toda a gente já sabia menos nós que "ah, o senhor Fulano morreu, coitado, não sabias?"

Lembro-me perfeitamente de ver o senhor Fulano lá na biblioteca da escola, no seu "posto de trabalho" - uma secretária a um canto, onde se sentava de costas para a janela, todo o santo dia, fazendo conscienciosamente coisa nenhuma. Era um bom tipo, excelente ser humano, simpático, dava os bons-dias, as boas-tardes e as boas-noites e cumpria escrupulosamente o seu horário; de vez em quando levantava-se e ia arrumar um livro nas prateleiras, ou, mais esporadicamente, preenchia uma fichazinha para arquivo. Como tinha um defeito qualquer numa perna, pé-boto, se bem me lembro, e era um pouco marreco, estava sempre e automaticamente dispensado de qualquer outro serviço, além de vigiar os livros e as estantes.

Naquele ano, estava em curso mais uma reforma, tão experimental como todas as outras, e já era proibido "pôr na rua" um aluno. No ensino "básico", dizia o espírito daquela reforma, era anti-pedagógico expulsar adolescentes da sala-de-aula, pelo evidente transtorno psíquico que isso poderia acarretar à "vítima" e pela evidente violência da medida, além de que se tentava, de igual passo, contribuir para a abolição de factores de exclusão, ou lá o que era. Eram umas coisas assim, não me recordo bem, mesmo que um aluno urinasse no quadro negro ou espancasse uma colega, por exemplo, o que havia a fazer e o que se podia fazer era chamar um "auxiliar de acção educativa" para que este conduzisse o pobre incompreendido à biblioteca da escola, onde este permaneceria até que fosse tomada uma decisão sobre o caso.

Ora, aconteceu dessa vez que, estando o senhor Fulano no seu posto, foi-lhe entregue de presente uma pobre vítima, acabadinha de ser "retirada" da aula por desacatos vários, rapazinho de seus 15 anos, repetente até ao infinito, cerca de um metro e oitenta, noventa quilos de peso e algum mau feitio. O protótipo do excluído social, desfavorecido até à medula, carente e incompreendido como poucos. Uma jóia de menino, em resumo.

Ninguém sabe descrever com rigor o que se passou. Parece que o dito cujo se lembrou de atirar imediatamente com uns livros ao chão e, depois de alguns desenfastiantes pontapés na porta, saltar para cima de uma mesa de leitura e desatar a insultar o funcionário, de filho da puta e cabrão para cima. Este ter-se-á calmamente (e alegadamente, como se deve dizer) levantado e, em termos apaziguadores, tentou convencer o "estudante" a descer da mesa e a deixar-se daquelas manifestações de personalidade. Ao que este terá respondido, alegadamente, qualquer coisa como "tu vai-te mas é sentar, ó velhadas do caralho, se não eu fodo-te já aqui os cornos a pontapé". Alegadamente, o senhor Fulano, que pensava estar ao abrigo de violências, dada a sua condição de deficiente físico, terá estendido o braço, no intuito de, amigavelmente, ajudar o jovem a descer da mesa.

Foi quanto bastou, como provocação. Tendo ali aquela cabeça mesmo a jeito, a centímetros do pé mais à mão, o jovem terá, alegadamente, espetado com um tremendo pontapé na cabeça do velho, que desabou imediatamente. Ao que parece, alegam alguns - nomeadamente o pessoal "paramédico" que o conduziu ao hospital mais próximo - que, a julgar pelo número de equimoses no couro cabeludo, pelo braço partido e pelas três costelas que sofreram a mesma sorte, enfim, resumindo, dizem algumas pessoas que o rapazinho terá saltado por fim da mesa e pontapeado várias vezes o senhor Fulano, que jazia no chão, inanimado.

O senhor Fulano não morreu disso, não. Esteve "de baixa prolongada" durante uns meses e foi depois reformado, cautelosa e discretamente. O "aluno", após rigoroso e complicado "inquérito" foi condenado a uma semana de suspensão de toda a actividade lectiva. Uma semana, repito. O que, para o dito cujo, é rigorosamente igual ao litro, já que, por um lado, as "faltas injustificadas" não valem coisa alguma nem para coisa nenhuma, e, por outro lado, nunca o alegado jovem teve qualquer espécie de actividade lectiva, em toda a sua vida.

Resultam daqui diversos ensinamentos, como, por exemplo, que não devemos aproximar demasiadamente a cabeça de um pé mais mexido ou atrevido. Isso pode fazer pessimamente à saúde. Esgotadas as estratégias pedagógicas e as tentativas de diálogo com os excluídos, a população deve recolher a suas casas, trancar portas e janelas, permanecendo aí até que a crise passe.

Aos técnicos de educação (antes conhecidos como "professores"), dada a sua condição de privilegiados, recomenda-se a utilização de capacete de protecção de modelo devidamente homologado pela DGV, e que, principalmente, usem da maior urbanidade e prudência na comunicação com estudantes de índole mais sensível, como é o caso supracitado.

Mas, antes disso, regra número um: never smile before Christmas.

Save your smile! Save your teeth!

Get a life!

comentários

12/09/04

Iach!!!


Ementa:
Couvert: Pão, manteiga e azeitonas temperadas
Sopa: Caldo Verde
Peixe: Bacalhau com amêndoas e broa
Carne: Lombos de porco com molho de laranja e mel
Sobremesa: Mousse de chocolate, Mousse de manga
Vinho: Borba ( branco e Tinto ), Água Mineral, Cerveja
Café

O preço disto tudo por pessoa é de +_ 20 Euritos por cabeça.


Bacalhau com amêndoas e broa? Com amêndoas, bálhamedeus??? Pobre bacalhauzinho.
Lombos de porco com molho de laranja e mel? Com mel? Na carniça do reco? Mel??? Cruzes. Ptuim! Cachicha.
Borba branco e tinto? Bálhamedeus, repito. Não há pior zurrapa em Portugal. A sério que não há mais nada para molhar o bico?
Ah, pois, a água mineral. Nã. Obrigadinho. E cerveja, hem?, a cervejola, é o quê? Isso não é assim, "cerveja"! O que é isso de "cerveja"? Ou é Super Bock ou não vale. Preta, se fáxavor e estupidamente gelada. Se não, nada feito. "Cerveja", nada, népia, nã bebo, nem conheço a marca. Cheira-me a Sagres, isso de "cerveja".

Lá dos 20 euritos, enfim, pois com certeza, nada a objectar, caso o cardápio fosse tragável. Mas assim, bacalhau com amêndoas e carne de porco lambuzada com mel, que horror (gesto de levar dois dedos à boca), passo, macacos me mordam. Apesar de tudo, muito me sensibiliza o "convite", se é que é tal.

Mas enfim, para um animal extinto, ainda por cima, não apenas a ementa é uma valente merda como a simples perspectiva de levar com seres humanos a comer, nas redondezas, já seria suficiente para uma recusa liminar, se bem que educada. Munto agradecidos, mas não. Thanks but no, thanks. Nós, cá no Godot, somos assumidamente solipsistas e manifestamente anti-sociais. Todos os três. Se bem que nos peguemos à porrada, volta e meia, por dá cá aquela palha, há coisas das quais não abdicamos e temos, por assim dizer, algumas afinidades e subtilezas de gosto; por exemplo, essa da comezaina social; estamos perfeitamente de acordo neste ponto: comer é uma actividade que deveria ser efectuada por toda a gente da mesma escondida e discreta forma que se usa para a actividade inversa. Almoçarada e jantarada, para nós, só em privado, um de cada vez em seu cubículo. Os restaurantes deviam ter baias completamente fechadas, e com as fechaduras nos trinques, onde cada um se trancaria para o acto de nutrição. A similitude entre a absorção de nutrientes e a expulsão de desperdícios é tão evidente, note-se, que em ambas existe o mesmo tipo de papel, para os mesmos fins, sendo que apenas em comer se usa o papel para limpar o olho da boca e não o outro, em princípio.

Enfim, o caso é este. Chiça. Ter gente "à mesa" é uma coisa horripilante. Não emporcalhemos a conversa, canudo, mas enfim, vejamos, é nojento ver os outros a refocilar, portanto nós seremos igualmente repugnantes, por mais que nos esforcemos em não sorver a sopa, não espetar os cotovelos na mesa, não comer de goela aberta, não palitar os dentes, etc., chega, que nojo. Só falar nessa estranhamente social actividade já é suficientemente nauseante, quanto mais praticá-la em público.

Nada feito. E também, que não fora isso, não é por acaso que nós somos membros fundadores do movimento B.O.I. (blogs olimpicamente ignorados). Não temos sistema de comentários, essa masturbatória engenhoca, para que não venha cá pessoal chatear, cuspilhar, marretar em cima da nossa bela, excelente, catitérrima prosa. Se bem que algumas pessoas mais teimosas não nos levem a sério, honra nos seja feita, sempre declarámos, expressamente e por extenso, que nos estamos nas tintas para quem nos lê, se alguém nos lê ou, para abreviar, nem queremos saber, sequer, o que pensa a vizinhança do blogbairro sobre as nossas mijadelas por escrito. Cais jantaradas cais quê, por conseguinte.

A gerência agradece, mas declina. Ora, portanto, desculpe, com licença.





comentários

11/09/04



click para ouvir o hino dos EUA
9/11



comentários

memo

E Deus, para onde partiu de seguida que nunca mais o vi depois dessa noite?

O escândalo da Casa Pia

Um "post" para aprender alguma coisa. E depreender. E surpreender.



(obs: não tem permanent link; 11.09.04, posted by Aluno 10388 - aluno10388@yahoo.co.uk 11:38 AM)

comentários

Princípios de pedagogia

Dez regras infalíveis para produzir filhos delinquentes

1ª Comecem cedo a dar ao vosso filho tudo o que ele quer. Assim ele convencer-se-á, quando crescer, de que o mundo tem obrigação de satisfazer todos os seus caprichos.
2ª Se, enquanto pequeno, o vosso filho utilizar expressões grosseiras, achem-lhe graça. Isso fará com que ele se convença de que é espirituoso e levá-lo-á a refinar a sua linguagem ordinária.
3ª Não lhe dêem educação religiosa nem lhe inculquem princípios morais. Esperem pela sua maioridade para que, feitos os 18 anos, seja ele a fazer pessoalmente a sua escolha.
4ª Evitem recriminá-lo, para que ele não crie um complexo de culpa. Estes complexos, como toda a gente sabe, não deixam que as crianças desenvolvam a sua personalidade.
5ª Façam sempre tudo aquilo que devia ser o vosso filho a fazer. Arrumem as suas coisas e apanhem o que ele deitar para o chão. Desta maneira se habituará a empurrar para os outros as suas responsabilidades.
6ª Deixem que o vosso filho leia tudo o que lhe vá parar às mãos. Tenham o maior cuidado em esterilizar os talheres, os pratos e os copos, mas deixem que o seu espírito se alimente de imundícies.
7ª Discutam e zanguem-se em frente dele. Isso é muito útil para que ele se convença de que a família é uma instituição nociva e de que não deve qualquer respeito aos seus pais.
8ª Dêem-lhe todo o dinheiro que ele quiser. Evitem que ele o ganhe com o seu trabalho ou através do seu comportamento. Tem tempo. Deixem-no ser feliz enquanto é jovem.
9ª Satisfaçam todas as suas exigências ou caprichos, no que se refere a alimentação, vestuário e conforto, a fim de que o vosso filho não possa nunca sentir-se frustrado. As frustrações, como se sabe, não permitem que a personalidade se revele e torna as pessoas mais infelizes.
10ª Defendam sempre o vosso filho! Dos seus amigos, dos vizinhos, dos professores e até - principalmente - da polícia. É tudo gente desprezível que apenas pretende embirrar com ele...

Transcrito do blog O Sexo dos Anjos


Estas dez singelíssimas regras deveriam ser afixadas nas paredes de todos os estabelecimentos de Ensino e lidos diariamente em todas as salas de aulas, no início e no fim de cada turno escolar. Quais dez mandamentos dos tempos modernos, o que talvez se perdesse com a repetição ganhar-se-ia certamente - a longo prazo - com a consciencialização dos estudantes, a metade mais interessada na questão. A outra metade, constituída por pais, professores, funcionários e outros agentes intervenientes no processo educativo, sairia de igual modo altamente beneficiada, como é óbvio, por simples inerência ou, mais simplesmente ainda, por ricochete.

Não adiantará muito, ou não adiantará mesmo nada, que à instituição "paizinhos" sejam transmitidas tais evidências. Com estes, sub-produto da abrilada e das ideias "libertárias" do século passado, já pouco haverá a fazer. Esses que fiquem entregues ao próprio umbigo, o misterioso e profundo lugar onde se entretêm a catar verdades metafísicas, amplas liberdades e outros ciscos ideológicos.

Hão de ser os próprios jovens quem se encarregará de, como agora se diz, interiorizar que é do seu próprio interesse quebrarem eles mesmos o ciclo vicioso de mediocridade e imbecilização para o qual foram atirados pela geração anterior. E, com essa consciencialização, interromperem também a espiral de violência social que se arriscariam de outro modo a passar às gerações seguintes.

Algumas crianças, e mesmo alguns (raros) adolescentes, sabem perfeitamente que a liberdade a granel, que o "deixandarismo" e a bandalheira, são muito mais nocivas, para todos mas principalmente para eles mesmos, do que a ordem e a razão; sabem que o estabelecimento de regras de convivência e de procedimentos é incomparavelmente melhor do que a sua ausência pura e simples. Uma evidência desta consciência juvenil, ainda que difusa e debilmente expressa, está no facto observável de existirem cada vez mais jovens, e principalmente crianças, que impõem regras de conduta a si próprias e que vão mesmo ao ponto de as impor aos respectivos, pseudo-libertários, histéricos paizinhos.

Existem jovens que buscam, quanto mais não seja por instinto, a segurança da autoridade paterna... que não encontram; e, se a não têm em casa, procuram-na na escola, na figura do professor ou da professora, ou na rua, como última alternativa, se também ali a não encontram. Quem já deu aulas sabe interpretar os sinais, por vezes de quase desespero, dos alunos que suplicam alguma espécie de segurança; os que pedem com o olhar um pouco de firmeza e de ordem, algo que lhes garanta um sentido para o seu longo futuro e um significado para o seu breve passado. Ou, ao menos, um pouco de conforto no seu arriscadíssimo quotidiano.

O ser humano despreza por natureza tudo aquilo que lhe é imposto, e tanto mais veementemente quanto maior a violência da imposição. A "liberdade" sem responsabilidade que lhes é sistematicamente impingida pelos pais apresenta-se-lhes assim como aquilo que realmente é, ou seja, como libertinagem obrigatória e compulsiva; é natural que um jovem se sinta atirado fora, quando o Pai e a Mãe se demitem dele em toda linha; para estes jovens, o que os pais pretendem quando lhes dão todas as "liberdades" é verem-se livres deles, pura e simplesmente. E convenhamos que não devem andar muito longe da (triste) realidade.

Ora, se nem em casa nem na escola existir um módico de autoridade, a consequência natural será o adolescente buscá-la no único sítio que resta da sua pequena vida: o círculo de amizades, a vizinhança ou, mais prosaica e sociologicamente falando, a rua. Os bandos urbanos de jovens, com um tremendo potencial de delinquência, formam-se a partir de crianças abandonadas, muitas vezes sem qualquer familiar que os tenha a cargo, mas também com aquelas a quem é dada "toda a liberdade" - o que vem a ser, por conseguinte, uma outra, muito mais cobarde e insidiosa, forma de abandono. Não por mero acaso, a emergência de "gangs" organizados é cada vez mais um factor de perturbação e de convulsão sociais, com o consumo de drogas a pano de fundo, e varia na razão directa do tipo de educação instituído: quanto maiores a irresponsabilidade e a inimputabilidade, mais ferreamente e em maior número se constituem estes bandos. E, sem qualquer dúvida, é no seu interior que os jovens encontram códigos de conduta - incomensuravelmente draconianos, de uma rigidez incomparável a qualquer sistema social instituído.

Mas não duvidemos de que esta indústria de marginais acaba por fazer pagar bem caro, em assaltos, violações e outras diatribes, aos industriais que a criaram. A criminalidade atinge hoje números assustadores e, mesmo assim, a moral PC vigente persiste no benefício da dúvida, na condescendência, na protecção do criminoso em detrimento da vítima; a instituição "jovem" tem hoje, como o homólogo "delinquente", toda a protecção legal. Não admira. Os mesmos que fazem as leis que tudo permitem são os mesmos que antes tudo permitiram aos seus próprios rebentos. É coerente que, ao menos, não estranhem quando lhes caírem em cima, em sentido figurado mas principalmente em sentido literal, os amigos dos filhos, os colegas dos filhos, os filhos dos vizinhos, ou os próprios filhos.

Realmente, se não forem as nossas crianças a acordar antes que seja tarde, é muito possível que acordemos todos, um destes dias, tarde de mais.

comentários

10/09/04

Shirshásana




Ao contrário daquilo que possa parecer à primeira vista, a imagem representa uma posição (ásana) de Yoga. Consta que, em Portugal, não é muito fácil arranjar - ou não existe mesmo - o aparelho anatómico representado na figura, o qual, de resto, deve ser bastante caro.

Sempre atentos a estas coisas posturais, e extremamente preocupados com a boa forma física (e psíquica) dos portugueses, nós, aqui no Godot, resolvemos dar uma ajuda. Depois de muito procurar, encontrámos uma solução barata e igualmente eficaz. Na verdade, trata-se de uma solução absolutamente grátis que providencia rigorosamente os mesmos resultados.

Não se prive da sua Shrishásana matinal. Se não tem o aparelho anatómico, utilize a sanita. Vem a dar rigorosamente no mesmo, já que ambas as coisas apresentam sensivelmente as mesmas dimensões (altura, largura e diâmetro do buraco), sendo que a sua retrete é até muito mais ergonómica e funcionalmente ecléctica.

Diz que esta ásana, se executada com os devidos cuidados, "propicia intensa irrigação cerebral e aumenta a longevidade". Vai ver que não custa nada. Logo pela fresquinha, de manhã, antes do banho, meta a cabeça na sanita e, com os ombros bem apoiados no rebordo, levante as pernas até ficar na vertical e, por fim, estique ao máximo os dedos dos pés; então, nessa posição, depois de alcançado o equilíbrio físico e mental, realize a sua meditação transcendental; prolongue o exercício durante o tempo necessário, isto é, enquanto se sentir perfeitamente.

Garantem os especialistas que esta ásana "intensifica a auto-confiança, a segurança, a determinação". Nós cá nunca experimentámos, mas também não duvidamos.


Se Alfred Hitchcok tivesse nascido português, seria Alfredo Caralho de Empecilho? Não tem nada a ver, mas enfim.

comentários

07/09/04

O Pipi é dele, mas está na net

qué comprá?Clique!
13 € (2.606$00)



O Pipi dele foi apagado, à excepção dos últimos "posts" (29.09.03 a 15.12.03), e depois foi editada uma colectânea em Portugal. O sucesso foi tal que até já existe uma versão brasileira.

Parece-me que alguém se esqueceu de que muita coisa fica gravada na net, mesmo depois de apagada. É para estes casos que servem as "tags" meta "no-cache", "no-store", "expires", CONTENT="no-cache", "noarchive", etc. Isto foi outro esquecimento, um bocadinho desastroso, na medida em que não foram acautelados os interesses comerciais da coisa (salvo seja). De qualquer forma, é possível que tanto o autor como o futuro editor nunca tivessem previsto o sucesso que o blog iria atingir e, portanto, nunca tomaram precauções. Quando apagaram os conteúdos "históricos", já era tarde... pelo menos em parte(s).

A Google conserva alguma coisa durante algum tempo, em "cache", como outros motores de busca. Para os apreciadores do género, aí ficam alguns links para ficheiros do Pipi. Os comentários dos visitantes estão todos lá!

# 22 a 28 Junho 2003 (via Ask Jeeves)
# 18 a 23 Maio 2003 (via Lycos)
# 11 a 17 Maio 2003 (directo*)
# 29 Setembro a 15 Dezembro 2003 (via Waybackmachine**)




* directo: no endereço http://omeupipi.blogspot.com/2003_05_11_omeupipi_archive.html, por exemplo, substituir o dia (11) e o mês (05) pelos correspondentes à semana pretendida
** Waybackmachine: 8 ficheiros "históricos"


imagem: loja IOL

comentários

06/09/04

O barco


Deaddiep




comentários

De ouro



Em socalcos verdejavam laranjais rescendentes. Caminhos de lajes soltas circundavam fartos prados com carneiros e vacas retouçando: - ou mais estreitos, entalados em muros, penetravam sob ramadas de parra espessa, numa penumbra de repouso e frescura. Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela telha vã, o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, pôr cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espelhava alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pelas quebradas...
Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:
-Que beleza!
E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava:
-Que beleza!
Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Por trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. Todos os vidros duma casa velha, com a sua cruz no topo, refulgiram hospitaleiramente quando nós passámos. Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado, irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! Aqui vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras!


A Cidade e As Serras, Eça de Queirós


imagem de tukkk.fi

comentários

Mind your head, please

Encontro o túmulo exactamente onde tinha previsto, nas traseiras da igreja, uma campa rasa e uma pedra vertical, envelhecidas pelo tempo e sem qualquer decoração. A pedra vertical tem o nome de Espinosa e a inscrição «caute», o que significa «cuidado». O conselho é um pouco arrepiante quando se pensa que os restos mortais de Espinosa não estão, de facto, aqui, e que o seu corpo foi roubado, não se sabe de todo por quem, enquanto jazia na igreja, algumas horas depois do funeral. Espinosa tinha-nos dito que cada um devia pensar o que quisesse e dizer aquilo que pensava, mas mais devagar. Era preciso ter cuidado. Ainda é. Cuidado com o que se diz e se escreve ou nem os ossos se aproveitam.

António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, Europa-América, edição 154158/8296, Nov. 2003



Cristo morreu, Marx também, e eu próprio já não me sinto lá muito bem. Era o que se dizia nos meus gloriosos tempos de Liceu e é o que ainda hoje me ocorre, de vez em quando, ou seja, sempre que um autocarro me cai em cima. Cuidado com o que se diz e se escreve ou nem os ossos se aproveitam, diz ele. Ainda hoje é perigoso, diz ele. É preciso ter cuidado, ir mais devagar. Diz ele, e diz bem. O mundo está perigoso.

Globalizada a mediocridade, em regime único de ditadura do proletariado, cercados de "amplas liberdades" por todos os lados, dir-se-ia, amiguinhos, para simplificar e dourando um pouco a pílula, que estamos todos bem fodidos. Todos, isto é, a esmagadora minoria dos que pensam pela própria cabeça, os que não alinham em carneiradas de espécie alguma, os desalinhados por sistema. Eu cá não tenho cartão nenhum, portantosmente...

Pensar é, sempre foi, uma actividade subversiva. Perigosa. Tanto mais quanto não cumpre nenhuma função biológica ou atinente à conservação da espécie. Desmond Morris explica isso muito bem, com propriedade técnica e conhecimento experimental profundo.

Acho, de resto, curioso que o autor de O Macaco Nu, O Zoo Humano, Homens e Macacos, A Tribo do Futebol, enfim, que se lhe não tenha passado uma coisinha má, que ainda não tenha levado um tiro na mona. Como outros, cujas cabeças estão ainda precariamente encaixadas nos respectivos músculos deflectores do pescoço (o conhecido esternocleidomastoideo). Rushdie lá continua em parte incerta, condenado à morte, mesmo depois de se confessar "arrependido".

O Sol continua a rodar em volta da Terra, todos os animais e as plantas e as outras coisas foram criadas em seis dias, e o homem surgiu há 17.000 anos, e antes não havia nada, apenas o verbo, até que Deus disse "fiat lux" e se fez luz.

Luz, sim, mas poucochinha. Poucas velas e muito "abat-jour". Cuidado com o que se diz e se escreve ou nem os ossos se aproveitam.

comentários

02/09/04

Copirráite


Compincha

Macacaúba

Otário

Caterva

Solilóquio

Moleirinha

Portas-de-abanico

Pesporrência

Pilhéria

Chicha

Varrasco

Priapismo

Catilinária

Meia-leca

Contráctil

Berimbau

Regurgitar

Bolçar


Ainda não entendi bem se a coisa é só para adjectivos ou se também verbos e substantivos mas, com este meu maldito feitio mais a mania das listas por atacado, já devo estar aqui a marafar o assunto. Que é uma excelente ideia, esta do Roda Livre, lá isso é. Supimpa. Palavras de que se pode gostar mas que não têm grande (ou têm muito pouca) utilidade no quotidiano. Já houve quem, extraordinariamente citando o autor da ideia, seguisse a mesma bitola e lá está, "patati-patatá", a lista arrisca-se a ficar gigantesca.

Se bem que não vá muito com o meu feitio (bera com'á ferrugem, já tinha dito?) largar uma palavrinha de cada vez. Como dizia nosso Ega, eu cá sou assim: zás, aí vai disto, às mancheias. É uma questão de lhe pegar por uma ponta, salvo seja, vai tudo a eito. Enfim, uma canseira, mas aconchegantemente... hmmm... favónia.

comentários

Ele há coisas...

... do caneco. Então não é que estava eu, trecolareco tac tactacat, digitando um excerto de um livro, e eis senão quando tive uma inspiração (é raro, mas desta vez lá calhou): "ora deixa cá ver se isto existe na net", disse eu para os meus botões. E não é que existe mesmo? E, nem de propósito, a citação que lá está é rigorosamente aquela que eu estava a escrever. Nem mais nem menos. Na mouche:



«Docentes estagiários como eu fui, foram formados tendo por base princípios aberrantes, que ainda funcionam. A ideia mestra do paradigma das ciências da educação era de que tudo se devia centrar no aluno, ao professor cabia o papel de o ajudar a iluminar o caminho que conduzisse ao seu direito inato à felicidade. Daí decorria tudo o resto: os programas eram secundários e tinham de se adaptar às características dos alunos. Cumpri-los não era importante, desde que os alunos se sentissem integrados. A autoridade era uma questão secundária, pois o «bom selvagem» dela não necessitava e, caso fosse necessário, ele próprio construiria as suas regras. Mais do que a avaliação, a auto-avaliação deveria ser incentivada e foi mesmo revertida, em lei. Era preciso dar largas à auto-aprendizagem e ao aprender a aprender, mais do que transmitir conhecimentos.

Em suma, quanto mais apagado fosse o papel do professor, tanto melhor. Tínhamos de perceber que não ensinávamos, eram os alunos que aprendiam; não avaliávamos, era importante a auto-avaliação dos alunos; e, já agora, não modelávamos comportamentos, mas, acima de tudo, devíamos despir-nos de preconceitos culturais e de adultos e negociar regras. Para eventuais dificuldades existiam os contratos pedagógicos. Portanto, a nossa formação, enquanto docentes, servia para nos provar quão preciosos eram os alunos e quão inúteis eram os professores, numa espécie de esfarrapada autocomiseração docente.»

A Pedagogia da Avestruz
Testemunho de um Professor
Gabriel Mithá Ribeiro

FORA DE COLECÇÃO

Preço de Capa: 9.50 EURO
Desconto: 10%
Preço Online: 8.55 EURO
Nº de páginas: 160
ISBN: 972-662-917-9

comentários

imagem: "abortion set" (kit para abortamento) de Narang Enterprises

comentários

01/09/04


Vou ali (ao barco) e já volto

Olha que realmente, esta coisa do Borndiep não foi nada mal achada. É do mais puro agit-prop(*), e por isso é um burucuju muitíssimo bem esgalhado o que práí vai. Donde se conclui que estão vivos e recomendam-se, os camaradinhas revolucionários, por mais missas por alma que as gentes de bem lhes rezem e por mais serviços fúnebres que lhes possamos encomendar e recomendar. Não adianta, esse gajedo agarrou-se agora a esta teta libertária e vai mamando o seu leitinho, altruísta e vitaminado, de olhos angelicamente fechados - como sempre e como faz parte.

Digamos que, abusando um pouco de imagens e metáforas rebuscadas, o esquerdismo bem pensante é uma espécie de loba da lenda romana, com as suas oito tetas (ou mais, ou menos, conforme o boneco e as necessidades do momento); actualmente, as esquerdas mamam à vez nas tetas, revezando-se e alternando o bico, de acordo com a ocasião: a solidariedade em geral, o amor aos pobrezinhos em particular, a agressão ianque aos travessos iraquianos, a barbárie sionista, a ecologia, o meio ambiente (a teta mais pequenina, terceira fila a contar dos quartos traseiros), a protecção das espécies, o buraco do ozono. Oito. Oito mamas, oito causas, o que vem a dar rigorosamente no mesmo. Nelas se revezam, sôfregos e atropelando-se como bacorinhos, os ideólogos da coisa - seja ela qual for em determinada ocasião - grunhindo docemente e rebolando-se de gozo.

Nesta mesma acepção metafórica, Rómulo e Remo simbolizam os cabecilhas da seita; conforme o nível de comparação ou de análise (de cima para baixo, ou do geral para o particular, ou ainda do mais rasca para o menos rasca), teríamos então Marx e Lenine, ou Staline e Mao Tse Tung, ou, cá pela paróquia e por puro gozo tergiversante, Francisco Louçã e Carlos Carvalhas.

Este barquito que agora deu à costa é também um símbolo, mas é antes disso uma prova, uma evidência da técnica subversiva habitual e de cartilha. As mulheres em geral (e o aborto em particular) interessam tanto aos cabecilhas, aos ideólogos e aos executantes do "progresso" como interessou, no momento histórico mais conveniente, o Vietname, ou Timor, ou o lince da Malcata, ou os direitos dos consumidores: nada, não interessou para nada. O que está em causa não é o conteúdo da contestação mas a sua validade enquanto pretexto para o fim em vista - agitação e propaganda. Assim que o Darfur, por exemplo, deixar de ser ideologicamente rentável, ou seja, assim que o sangue deixar de correr nas ruas e desaparecer o circo mediático do horror, imediatamente os mesmos se virarão para outro lado e se irão apossar daquilo que (daquela "causa" que) tiver na altura mais potencialidades. Como se revezam os bácoros, também se revezam as causas em cada teta, é consoante, em vez do buraco do ozono pode estar o anti-tabagismo, ou o anti-racismo no lugar da ecologia, o anti-semitismo em vez dos iraquianos, etc., aqui a ordem dos factores é obviamente e completamente arbitrária. Mas aquilo que mais apetece, para mamar, é coisinhas mais simplezinhas, mais fáceis, que dêem para muito barulho com pouca maçada, coisas mais populares e de que o povo já tenha ouvido falar.

Como que por milagre ou predestinação, são sempre os mesmos quem aparece quando se trata de resolver algum problema social; e aparecem tanto mais quanto mais grave for esse problema, o que é uma estranha e intrigante coincidência. Como se fossem eles os detentores exclusivos da bondade, como se fossem os únicos a pretender o bem alheio e a correcção das injustiças. Como se possuíssem a patente da justiça e fossem eles os próprios inventores do conceito. Por outro lado, esta manobra de aproveitamento, de canibalização da nobreza de sentimentos, implica duas coisas igualmente simples e cuja mensagem subliminar será a única a ficar gravada: nós somos os bons, portanto não somos os culpados disto, logo os culpados são aqueles e portanto eles é que são os maus. É isto que fica nos espíritos simples de que falava o Messias; na cabeça de 999 em cada mil seres humanos, a realidade não é o que é mas apenas aquilo que parece que é ou, em alternativa e na melhor das hipóteses, aquilo que seria bom que fosse.

As mulheres têm os seus "interesses" e os seus "direitos" tão defendidos pela clique dos esquerdistas como tiveram as "massas trabalhadoras" durante a longa noite comunista.

Esta "causa", esta teta libertária, é apenas mais um pretexto para os mesmos de sempre se chegarem à frente. Quando esta mama secar, passam à seguinte; e assim sucessivamente, até que se acabem as mamas e, nesse caso, voltam à primeira - que já teve, entretanto, o tempo suficiente para se revigorar. As "causas" são cíclicas e recorrentes, já ninguém fala da Eritreia, nem do Sudão, nem do Sahara, nem sequer da SIDA. Causas "levezinhas", como o anti-nuclear, por exemplo, já deram o que tinham a dar - sem ter sido resolvido ou sequer modificado fosse o que fosse - e foram substituídas por outras, mais suculentas e apropriadas. Agora é o "direito ao aborto", logo será outro "direito" qualquer. O que estiver a dar.

Também alguns portugueses utilizaram a técnica do barco mediático; foi em Timor, há não muitos anos, e até ia um ex-presidente da República a bordo, lembram-se? Pois, nessa altura Timor "estava a dar"... que falar. Nada mais. Porque, no fim de contas, os camaradinhas sabem disso perfeitamente, é de falar que se trata. Nada mais. Nada mais.

Nada mais.



(*) do Russo, "agitatsiia" + "propaganda"

comentários