Odi profanum vulgus et arceo

31/10/04

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29/10/04

Ninguém há-de calar a voz da classe burguesa - IV


6. Os choferes de táxi

É costume dizer-se que em todas as profissões há bom e há mau, mas esta em particular abusa: em 100 táxistas, 99 são do piorio. De vez em quando, muito raramente, lá topamos com um que não rouba descaradamente, que não põe a Rádio Renascença aos berros e que não é um perfeito criminoso do volante. Mas lá está: é raríssimo. Um em cada cem, amiguinhos, mais difícil é achar um táxi decente do que um camelo passar pelo buraco da agulha.

Nos bons tempos do antigamente, quando o povo era o bom povo e não tinha o direito de esmagar tudo à sua volta, estes profissionais do volante eram relativamente raros. Mas agora, acabou-se, qualquer marginal pega num carro pintado de amarelo cócó e tem licença para assaltar o viandante. Já não se fazem táxis como antigamente, é o que é, nem carros em geral, de resto e como se sabe. O que é pena. Cada vez são mais feios, os carros, e cada vez há mais de ambas as coisas.

O táxista português típico goza de prerrogativas únicas, pessoais e intransmissíveis (a não ser quando trespassa a sua "carteira"): como automobilista, e ao contrário de todos os outros, não tem de usar cinto-de-segurança e tem corredores exclusivos nas cidades; como contribuinte, e à semelhança de apenas uma minoria irrisória, não tem de pagar impostos (porque raramente passa factura e, quando é forçado a passá-la, esta geralmente é falsa); enquanto profissional por conta de outrém, não tem horário fixo; se for por conta própria, trabalha só, se e quando lhe dá na real gana e apenas em função das suas próprias conveniências; como cidadão, intitula-se como "fascista", por regra, ou como "salazarista", no mínimo, e ninguém o chateia por isso.

Além disso, estes privilegiados têm direito inerente a uso e porte de arma, podem fumar à vontade (não podem, por lei, mas isso não é com eles) e conseguem apanhar estações de rádio que não existem em mais lado nenhum; pelo menos eu confesso a minha ignorância e inaptidão, neste particular, porque nenhum rádio que tenha experimentado apanha coisas tão horríveis como eles conseguem ouvir. Note-se que estão aqui, por junto, três das armas que este pessoal utiliza contra os seus clientes: a rádio, o fumo e a pistola propriamente dita. Qualquer das três serve, em subtil gradação, para intimidar, aterrorizar e, em última análise, liquidar o passageiro. Depende de vários factores e da sua dele disposição no momento, mas também varia conforme a hora do dia, a intensidade do tráfego, o tempo mais ou menos nubloso, a época do ano e, por fim mas não menos importante, varia em função da cara e das roupas do passageiro.

Traçado o perfil comum à classe, há que distingui-los por tipo, e este depende em exclusivo do local onde se situa a "praça": uma coisa é apanhar um táxi em Freixo-de-Espada-à-Cinta, ou em Venda das Raparigas, por exemplo, outra totalmente diferente é, também por exemplo, ter de gramar um do aeroporto de Lisboa. O "tipo província" é regra geral mais calmo e pacífico, cobrando sistematicamente segundo um tarifário pessoal, que só ele próprio conhece. Já o "tipo aeroporto" irá cobrar e ter um comportamento, durante o trajecto, que irá variar em função do destino do passageiro (para perto ou para longe, a taxímetro ou ao quilómetro). Um terceiro género de táxista é o indiferenciado, ou misto, que reune os defeitos de um e as agravantes do outro, ou seja, o "tipo fronteira": casos de áreas suburbanas como o Cacém, Gaia, Oeiras ou Ermesinde; são maganos que "trabalham" na linha de fronteira entre Concelhos e que, portanto, fazem pela vida com base nos pulos que dão entre tarifas, consoante estejam de um lado ou do outro dessas linhas imaginárias.

É tudo legal, convenhamos. Se uma pessoa quer ir do Porto para Gaia, vai pagar o "regresso" - porque se trata de dois Concelhos diferentes. Se leva bagagem, vai pagar uma tarifazinha por ela ir na mala do carro. Se é de noite, paga mais xis. Se vai para perto, leva com tudo e mais alguma coisa, tarifa 4, excesso de bagagem, janelas abertas, som no máximo, baforadas de cigarro - quando não de charuto, que eles também têm. Se vai para longe, digamos da Portela para Almada, há-de por força dar uma voltinha por Sintra, Ericeira, Mafra e Alcabideche.

Toda a gente já sofreu, se não na pele ao menos na carteira, os efeitos da "bondade" e da "solidariedade" desta classe obviamente popular e operária. Existem verdadeiros marginais com carteira de táxista, tipos que fazem aquilo por biscate, sem terem qualquer espécie de habilitação, sem saberem falar uma única Língua estrangeira, mal conseguindo articular uma frase em Português corrente, gente sem escrúpulos, sem educação nem vestígios de civismo. Que se acuse o primeiro que, necessitando frequentemente deles, nunca foi altamente vigarizado por um destes bandidos.

Claro que há excepções. Mas, como em todas as excepções (e é isso mesmo, de resto, que define o conceito), estas apenas confirmam a regra. E esta é, simplificando uma evidência que o triunfo do proletariado escamoteia, obviamente, que a classe dos "choferes de táxi" constitui um dos maiores e mais organizados sindicatos do crime legalizado. Estão protegidos pela intoxicação sistemática do coitadismo militante, do "pensamento" politicamente correcto (em suma, o povo não rouba nem maltrata), e abrigam-se no guarda-chuva da "insegurança" à qual estão sujeitos. Reivindicaram barreiras de protecção, luzes de aviso no tejadilho, sistemas contra roubo de viaturas e controlo de localização por satélite, ligação rádio permanente e agora câmeras de vigilância... e tudo lhes foi concedido, pressurosa e lestamente, num país onde nada é rápido ou expedito; curiosamente, apesar de terem já sido previstas e fornecidas todas as protecções do táxista em relação ao passageiro, não existe uma única para proteger este em relação àquele. Nem legal nem fisicamente.

E, mesmo com todas aquelas defesas, que mais ninguém possui, continuam a roubar sem qualquer pejo: contadores sistematicamente tapados, sistemas de "aceleração" electrónica (para o taxímetro, não para o motor), tarifas "a olho" ou "pouco mais ou menos", taxas diversas para isto e para aquilo. A cobertura legal destas actividades ilegais, em sentido restrito, tem o patrocínio, a aquiescência e o beneplácito das autoridades nacionais, regionais e locais; em sentido lato, das organizações de classe e de entidades diversas - que supostamente regulariam o sector, mas que não regulam coisa alguma a não ser o saque sistemático; de tal forma que, para um vulgaríssimo cliente mais consciencioso, seria necessário tirar um curso de Direito, de fio a pavio, cinco anos mais estágio, para conhecer toda a regulamentação atinente ou para, ao menos, entender as tabelas de preços afixadas nos vidros de qualquer táxi.

É experimentar. Não custa nada. As tabelas estão lá, como os letreiros proibindo o fumo a bordo (à semelhança de qualquer outro transporte público); tabelas e letreiros servem, num táxi, rigorosamente para o mesmo: decoração de interiores. Como os bonecos de peluche pendurados do retrovisor ou a alcatifa peluda e cor-de-rosa na consola traseira. Ambiente kitsch para assaltos em movimento.


Continua: vendedores ambulantes

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As charolesas pastando


Este é um daqueles assuntos, e são muitos, que nunca entendi; confesso a minha total ignorância sobre o fenómeno, se bem que me sinta solidariamente apoiado - neste profundo, esmagador desconhecimento - por nove milhões, novecentos e noventa e nove mil portugueses; percebo tanto de pedofilia como de outra actividade criminosa qualquer, e não é por estarmos agora em plena época de casapiismo que irão aumentar significativamente os meus conhecimentos sobre o assunto. Pertenço, por conseguinte e por inerência, à imensa maioria de portugueses que, por via de afazeres diversos, não têm absolutamente nada a ver com o underground do crime, em nenhuma das suas variantes. O que sei, o que sabemos nós, os da maioria, resulta numa imagem esborratada a traço grossíssimo e manchas de cores misturadas, espécie de pastel impressionista de formas vagas e indefinidas; é aquilo que lemos nos jornais, ouvimos nas rádios, vemos nos canais de televisão e, ainda por cima, a forma mais maciça e destruidora de informação, aquilo que "ouvimos dizer".

Uma forma recente deste "ouvir dizer" (ou, como se diz nos tribunais americanos, hear say), é o já chamado "bloguismo": um novo meio de comunicação, simples e acessível, que veio substituir a antiquíssima conversa de café, a tertúlia familiar, a "palheta" no serviço ou o mais comum "dar à língua" - actividades palavrosas em vias de extinção, como consequência das rápidas alterações de costumes e de modos de vida que os computadores e a Internet provocaram. Cada vez mais gente se refugia por detrás de um vidro, tentando - quantas vezes desesperadamente - comunicar, ser ouvido, despertar um pouco de atenção. Já não se está à janela, vendo passar as pessoas na rua, lá em baixo; agora podem abrir-se diversas windows, em simultâneo, e através delas chegar ao mundo inteiro; e qualquer pode dizer aquilo que entender, estender em quantas janelas quiser aquilo que faz ou escreve, dispor à vontade a sua mercadoria intelectual - na esperança de que algum dos passantes a compre, ou a troque, à maneira medieval, por mercadoria de igual valor.

É, portanto, um espaço de liberdade, a chamada "blogosfera". Um lugar de todos e em todos os lugares, onde cada qual tem o direito de dizer seja o que for, por mais idiota, mirabolante, genial, cretino, doentio ou infundado que seja. Quando isto já não for assim, no momento em que a máquina trituradora do Estado entrar nestes terrenos, impostos condicionalismos ou limites à opinião, balizada a liberdade absoluta, o bloguismo acaba, a blogosfera implode, o blogbairro fica deserto, o blog morreu.

Que me lembre, a presente é já a segunda ocasião em que um blog é perseguido - em sentido figurado e em sentido literal, na figura do(s) seu(s) autor(es) - por causa daquilo que neles é escrito. O primeiro foi o Muito Mentiroso, que foi encerrado e do qual foram (mal) apagados os conteúdos; agora, pelos vistos, o autor do blog Do Portugal Profundo viu a sua casa invadida por agentes da Polícia Judiciária. Em ambos os casos, ao que julgo saber (admito perfeitamente julgar mal), o motivo é o mesmo e tem a ver com o chamado "caso Casa Pia".

Voltando ao princípio da conversa, não sei ao certo de que é que se trata; desconheço a temática e a problemática; calculo que não exista nenhum nexo de causalidade em ambos, que não tenham nada a ver um com o outro, que um deles seja uma coisa "séria" e o outro uma coisa "a brincar". Não faço a mínima. Conheço o caso pela rama e apenas, como disse antes, pelo que leio nos jornais, oiço na rádio ou vejo na TV. Sobre este assunto, nem sequer emprenhei pelos ouvidos fosse o que fosse, pela simples razão de que o tema "pedofilia" não faz parte do meu leque de interesses. Se li alguma coisa mais detalhada sobre o assunto, foi no blog O Escândalo da Casa Pia, pontual e diagonalmente, apenas porque está agradavelmente redigido e contém, reconheçamo-lo sem esforço, bastante interesse - de um ponto de vista meramente filológico, do estudioso ou da pessoa que se interessa por questões sociais, sejam elas quais forem.

O que está aqui em causa não é o conteúdo do blog A ou do blog B. O que interessa, parece-me, e isso é grave, é constatar esta evidência: existe, em Portugal, delito de opinião. E, se há delito, há enquadramento legal, para o tipificar, e penal, em concreto, para o punir; o que implica o exercício, por parte do Estado, além do Poder Legislativo, do Poder Judicial e, por inerência de funções, implica também o accionamento de ferramentas, meios e agentes de vigilância. São estas as peças da máquina trituradora.

Muitos de nós já terão, estou certo, a sua fichazinha no SIS. Os nossos textos já constarão, neste momento, de dossiers temáticos, criteriosamente arrumados em prateleiras por mãos conscienciosas e zeladoras da moral e dos bons costumes, dos supremos interesses da Pátria e daquilo que mais convém que seja dito ou escrito. Isto pode, aquilo não pode. Zelosos funcionários da moral pública, essa massa cinzenta que existe em todos os regimes, estarão já espiolhando as minhas diatribes, à cata de inconveniências ou, dependendo daquilo que for em cada momento considerado como correcto, de um motivozinho para me meter na pildra.

Ao que se sabe, e até onde se pode presumir, o autor de um blog - como o autor de um livro, de um quadro ou de uma simples carta - não assalta ninguém, de faca em punho, não coloca bombas ou outros artefactos perigosos em lugar algum, não se faz explodir (pelo menos habitualmente) dentro de quaisquer instalações públicas ou militares. Um autor não ameaça nada nem ninguém, mesmo que escreva pessimamente ou as piores asneiras, a não ser o tempo e a paciência de quem o lê. A liberdade de opinião deixa de ser liberdade quando a opinião é limitada. Quem escreve, mesmo que pretenda fazer passar mensagens absurdas, como os socialistas, tem todo o direito a falar - para os outros ou para os seus botões, como é normal.

Portanto, isto de agentes a vasculhar casas, incomodando senhoras de idade, tipos com farda a tratarem-me por "o xidadão", confesso: não gosto.

Embirro que mexam nas minhas coisas, nos meus papeis, que me desarrumem as tralhas. É como vir aqui um atrasado mental qualquer, de lápis azul em punho, ler estas merdas. Chateia-me brutalmente. Fico fodido.



Post scriptum: relido o textículo, cheira-me a ter debitado demasiadas explicações sobre o facto de não ter nada a ver com a pedofilia. Fica assim, que se lixe, porque a minha alergia à censura vai ao ponto de não gramar nem mesmo aquela que é auto-imposta. No entanto, e que fique bem claro, o mesmíssimo galo cantaria e cá estaríamos para defender a sagrada liberdade se, em vez deste assunto tão em voga, houvesse perseguições a blogs dedicados a coprofilia, zoofilia, colecções de símbolos nazis ou maluquinhos comunistas, por exemplo. Tudo coisas que, volta e meia, ficam muito "fashion" por uns tempos.



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28/10/04

Campeonato Nacional de Língua de Vaca


Queixinhas e desmancha-prazeres do catano

Este é o primeiro teste de qualificação do Campeonato Nacional da Língua Portuguesa.
Os concorrentes com menos de 15 anos deverão responder até à pergunta nº 5 (inclusivé).
Os concorrentes com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos deverão responder até à pergunta nº 10 (inclusivé).
Os concorrentes com mais de 18 anos deverão responder à totalidade das perguntas.
Quando tiverem terminado o teste, os concorrentes deverão enviá-lo em envelope fechado para Campeonato Nacional da Língua Portuguesa, Apartado 1005, 2771-901 Paço de Arcos.
Só serão válidos os testes originais (não serão aceites fotocópias) enviados até à data limite de 05/11/2004 (data de carimbo dos Correios).
A participação no Campeonato é limitada a um teste por concorrente.

Este é o textinho que acompanha o formulário de inscrição na já muito badalada maratona da asneira. À semelhança das redacções que é suposto os candidatos corrigirem, dando uma de professor, seria talvez excelente começar por fazer outro tanto com este mesmíssimo texto introdutório; seria, ó se seria, um belo exercício de propaganda da modalidade, como se costuma dizer a respeito dos campeonatos em geral.

É universalmente aceite que não deveria nunca o sapateiro ir além da chinela, e muito menos tocar rabecão. Mas nós somos assim, deve ser alguma coisa hereditária nas meninges, adoramos pôr labregos a mandar, trogloditas a governar, ignorantes a ensinar e, no topo do bolo, analfabetos famosos a avaliar os nossos conhecimentos.

A coisa, este fascínio pela mediocridade, entranhou-se de tal forma no nosso corpus social que já ninguém consegue distinguir um mentecapto de uma mente que capta, ou qual é a diferença entre o manancial de conhecimentos e a qualidade dos nomes que se conhecem. Passámos já a barreira da confusão total e, sem quaisquer pruridos, para nós é agora igual a obra-prima de um mestre ou a prima de um mestre-de-obras, como antigamente se dizia para não confundir. Bem, para alguns de nós, convenhamos, não vale a pena carregar no pincel. A esmagadora maioria, no entanto, não tenhamos também ilusões.

A julgar pela amostra, teme-se o pior deste campeonato do pontapé na Gramática. As respostas às dificílimas perguntas já andam por aí, em alguns esconsos cá do blogbairro, para quem quiser. O Word corrige automaticamente as redacções e os ditados de alunos virtuais. A Google e a Yahoo estão a postos, para o que for preciso. Vai ser bonito.





(no texto do tal boletim de inscrição encontram-se três erros de Português, o que, em 118 palavras, sendo o que é e vindo de onde vem, é demasiadamente muito; o máximo admissível seria de, exactamente, zero erros)

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20/10/04

Igual ao litro


Mogais Sagmento diz, na TV, que não pguecisa de lições de democgaticidade, dando clagamente a entendegue que, à semelhança do seu ex-camagada de pagtido, nunca se engana e gagamente tem dúvidas.

Os "estudantes", ao que parece os da variante conimbricense, andam a levar nos cornos à grande e à francesa, por parte da nossa inestimável polícia-de-choque. Está a dar na TV, logo é verdade - por mais que possa parecer mentira. É extraordinário como ainda há quem dê crédito a pessoas que estão em plena "moca", todos muito "high", e, ainda por cima, sendo esta "pedrada" em concreto causada por uma droga endógena conhecida no meio como testosterona. O que um estudante diz, vale tanto como uma declaração sincera da Cinha Jardim, por exemplo. Porrada nos cornos é, de facto, aquilo de que eles precisam e que buscam sistematicamente. Dê-se-lhes porrada, com alguma parcimónia mas também com generosidade; não sejamos forretas, ao menos nisto. O que um grupo de estudantes reivindica vale tanto, tem tanta ideia subjacente, como um cheque de um vigarista profissional ou uma previsão do Professor Karamba. Aquilo é tudo fita, como sempre foi e sempre será, para mal dos nossos pecados. O estudante não pensa nada; limita-se a ressumar e destilar substâncias químicas poderosas que lhe aniquilam transitoriamente, enquanto lhe durar a juventude, qualquer capacidade de raciocínio. Que o diga Jorge Sampaio, que andou lá, ou Jorge Coelho, ou José Sócrates, ou Francisco Louçã ou mesmo José Saramago, tudo gajos que andaram por lá, que o diga eu próprio, que também lá andei: tudo aquilo passa, não vale um caracol; a juventude é uma espécie de gripe, passageira, violenta, incómoda, nauseante e vagamente nauseabunda, mas que desaparece sem deixar qualquer rasto ou recidiva. Em tempos sugeri a utilização da técnica da criogenia, ao menos nos casos mais graves de activismo juvenil, mas a ideia não teve grande repercussão, vá-se lá saber porquê. Congelar um mancebo com hidrogénio líquido, por volta dos 13 ou 14 anos de idade, seria uma medida socialmente higiénica facilmente exequível; a ressuscitação desses jovens, dez ou quinze anos depois, iria poupar as sociedades civilizadas a inúmeras maçadas.

O que têm Mogais Sagmento e os estudantes de Coimbra em comum? Bem, pgaticamente nada. Apenas o mesmo grau de inconsciência, de irresponsabilidade e de flatulência mental. Entre os dirigentes académicos e o nosso Ministro Não Sei Das Quantas, há um nexo de causalidade e um factor comum evidente: uma juventude serôdia, despropositada, militante e deslocada. Ora, os verdes anos são não apenas fugazes como relativamente perigosos. E quanto mais tarde se revelarem estes instintos primários, mais perigosos se tornam os indivíduos portadores da síndroma.

O infantilismo é um quadro patológico reconhecido mas, tragicamente, o juvenilismo ainda não. Aliás, a designação técnica desta anomalia psíquica acaba de ser inventada, agora mesmo, no momento em que foi escrita a frase precedente. Não sendo exactamente um especialista na matéria, parece-me que não será difícil reconhecer os sintomas em ambas as partes, estudantada e Ministro da Treta: irritabilidade excessiva, fácies permanentemente rígidos, inexpressividade, tendência para o isolamento, atitudes e posturas messiânicas, auto-vitimização persistente, discurso desconexo e vagamente disléxico, mania da perseguição. E não esquecer o mais importante, elemento identificador comum e distintivo do género: barba por fazer ou, pelo menos, uns pelitos mal semeados, a armar ao descontraído.

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19/10/04

Ninguém há-de calar a voz da classe burguesa - III

5. Os porteiros e seguranças

É, em rigor, a mesmíssima cambada, com ligeiras cambiantes que será talvez útil escabichar. Ambos filhos da mesma mãe, em tipo e em género, esta subespécie de troglodita distingue-se na medida em que passam perfeitamente despercebidos, quando fora de "serviço", podendo em algumas circunstâncias ser confundidos com seres humanos.

As tarefas dos porteiros em geral resumem-se a uma, e esta é ficar especado ao pé de uma porta, de onde lhes vem a designação e pela qual nutrem um amor desmedido. À excepção talvez dos funcionários públicos, cuja única posição é sentado, a profissão de porteiro deve ser a outra única de uma posição só - neste caso, em pé. Quanto aos seguranças, e neste particular posicional, distinguem-se dos seus colegas da porta porque é suposto andarem para trás e para diante; na variante "segurança de discoteca", existem mais algumas subtilezas distintivas, em termos posicionais, já que não há gorila que se preze que não conheça seu pedacinho de Karaté, seja ele Shukokai ou Shotokai, e mais umas quantas artes de porrada fina. Mas, no fundo, porteiro e segurança é tudo feito da mesma massa de grunhos profissionais.

O mais irritante, insuportável na maioria dos casos, é o porteiro, em especial o já referido "de discoteca". Distinguem-se dos demais pela farpela, sendo que esta é sempre exclusiva, pessoal e intransmissível, e representa à evidência uma desesperada tentativa de conferir alguma dignidade e aparência humanas a tão desgraçado ofício. O porteiro daquela coisa ao pé do "Espelho d'Àgua", por exemplo, aquele lugar muito "in" junto à Torre de Belém, é um gajo mascarado de Marechal do exército boliviano: casaca verde, pesadona, com galões e escovas douradas nos ombros, e, decorando o cucuruto do artista, um chapéu a condizer, imponente e marcial; tudo rematado com botas da tropa, evidentemente, mais o trato educado e a palavra fácil características da função. Existem outros porteiros da "noute" por aí que, mais discretos, usam fato e gravata. São ainda piores. Por regra, todos eles são poliglotas - falam Português, Alentejano e Brasileiro - mas apenas estão autorizados a formular duas frases, lapidares por sinal: uma é "tem cartão", em forma de pergunta; a outra é "está cheio", em forma de afirmação e no tom de verdade absoluta.

Consta, no milieu da "náite" (em ingliche, o m.q. noute no Norte de Portugal), que os porteiros e os seguranças têm capacidades de percepção extra-sensorial (e.s.p.=p.e.s.) fora do comum, e são estas extraordinárias e raríssimas habilidades mentais que lhes permitem detectar um farsola, um bandido, um tipo mal vestido ou suspeito no meio da multidão. Diz quem sabe (pessoalmente, não conheço ninguém, mas ouvi dizer) que para se ser porteiro é preciso ser "de Olhão", vivo como "um alho", "munta rato", etc., querendo significar esta coisa evidente: não é qualquer um que vai para porteiro.

Pois não. Nem para segurança, calha bem, muito menos. Até há cursos, específicos e duríssimos, que podem ir de seis meses a 12 anos, ou mesmo mais, uma brutalidade de marranço em instituições de ensino com o prestígio de uma Vale de Judeus, duas Mónicas ou três Paços-de-Ferreira.

Por junto ou em conjunto, porteiros e seguranças são os responsáveis pelo clima de paz social que se vive nos chamados espaços de diversão. Praticamente, nos últimos anos, não tem havido mortes nestes locais de vocação nocturna e, das registadas, muito poucas foram imputadas a tão iméritos(*) profissionais. E é assim que, desde há décadas, é possível qualquer cidadão ir a um espectáculo, a uma discoteca ou a um simples jogo de futebol, na maior tranquilidade, levando consigo a mulher e os filhos, e até qualquer elemento da terceira idade que tenha em casa. Recentemente, foi introduzido nesta última espécie de espectáculo a figura do "Steward", que faz de segurança e de porteiro em simultâneo, verdadeiro dois em um que será por certo "derivado à" origem anglo-saxónica da designação: muito provavelmente, "steward" terá alguma coisa a ver com "stew" (guisado), tratando-se portanto da simbiose profissional entre a carne e as batatas, ou seja, seguranças e porteiros, respectivamente.

Já que tanto se fala no nosso sistema de Ensino, tão vilipendiado ele tem sido, e como não há cão nem gato que não sugira mais uma Disciplina para enchufar nos currículos, fica aqui também a singela sugestão: além das imprescindíveis disciplinas de Educação Sexual, Educação Ambiental, Introdução ao Direito Penal, Código da Estrada, Desportos Radicais e Solipsismo Revisitado, tudo a implementar com urgência, seria de ir pensando em levar a Segurança e Portaria às nossas escolas; transmitir aos alunos conceitos básicos, não apenas que os animais são nossos amigos e coisas assim, mas também conceitos um pouco mais abrangentes e deterministas, em prol da classe securitária. Seria bom, seria didáctico, seria giro, numa palavra, passar a mensagem aos pequeninos de que os porteiros e os seguranças são também filhos de Deus, que, apesar do mau aspecto, alguns deles até não são perfeitos meliantes, etc.

No fundo, a classe tem sido absolutamente injustiçada. À luz da Lei, que não prevê nem regulamenta aquelas actividades, tecnicamente estas nem sequer existem. Donde se conclui que tão abnegados e dedicados profissionais se entregam ao seu métier como se de uma causa se tratasse, exclusivamente por amor à arte, à camisola, à farda. É certo que alguns, uma desprezível minoria, andam naquela vida em part-time, entre dois internamentos; não são muitos os que estão a tomar conta de uma porta ou a vigiar foliões apenas porque adoram dar porrada no seu semelhante; destes, pouquíssimos são de tal forma ressabiados, corruptos, malcriados e ignorantes, que isso os possa transformar em animais a pedir açaime; e são, por fim, apenas dois ou três os que se divertem na sua actividade, negando a entrada indiscriminadamente ou implicando sistematicamente com pessoas de bem; e estas, bem, sabe-se lá o que andarão por aí a fazer, ou porque diabo tentarão entrar na discoteca, no salão, no casino ou no bingo onde eles calham estar.

Não se esqueçam, amiguinhos: os porteiros são nossos amigos. E os seguranças também. Mesmo esse que embirrou consigo, foi porque estava mal disposto, tem dias, são feitios. Tenha paciência. Não tem cartão, pois não? Então, pronto. Já lhe disse que isto aqui está cheio.


(*) - correcto; sic; assim mesmo; cf. qualquer dicionário

Continua: choferes de táxi; vendedores ambulantes

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Singapura... Posted by Hello

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R U sure?


O Moleskine dela fechou-se, de estalo. É pena, escusado será dizer.

O blogbairro tem algo de sádico e de xenófobo. Os melhores vizinhos acabam sempre por se aborrecer, empacotam a trouxa do que tinham para dizer e mudam-se para parte incerta, apenas com a roupa que levam no corpo.

A Inês deixa escritos no blog, em sentido figurado mas, principalmente, em sentido literal.

Não se esqueça dos amigos, vizinha.

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18/10/04

De quem é isto?


Obrigando esse sistema o indivíduo a tomar posição em relação a questões que não lhe tocam de perto, ele corrompe aos poucos o seu carácter. Não há um deles que tenha a coragem de declarar: "Meus senhores, eu penso que não entendemos nada deste assunto. Pelo menos eu não entendo, absolutamente." Aliás, isso pouco iria modificar, pois certamente essa franqueza seria inteiramente incompreendida e, além disso, não se deve estragar o brinquedo por causa de um asno honesto. Quem, porém, conhece os homens, compreende que numa sociedade tão ilustre ninguém quer ser o mais tolo e, em certos círculos, honestidade é sempre sinónimo de estupidez.
De tal forma que o representante ainda sincero é atirado forçosamente para o caminho da mentira e da falsidade. Justamente, a convicção de que a reacção individual pouco ou nada modificaria, mata qualquer impulso sincero que porventura surja num ou noutro. No fim de contas, ele ficará convencido de que, pessoalmente, está longe de ser o pior entre os demais e que, com a sua colaboração, talvez impeça males maiores.
É verdade que se poderá objectar que o deputado poderá não conhecer pessoalmente este ou aquele assunto, mas que a sua atitude será guiada pela facção a que pertence; esta, por sua vez, terá as suas comissões especiais - que serão suficientemente esclarecidas pelos entendidos. À primeira vista, isso parece estar certo. Surgiria, porém, a pergunta: porque se elegem quinhentos, quando só alguns possuem sabedoria suficiente para tomar atitudes nas questões mais importantes?
Aí é que reside o busílis.
Não é objectivo da nossa actual Democracia formar uma assembléia de sábios, mas, ao contrário, reunir uma multidão de nulidades subservientes, que possam ser facilmente conduzidas em determinadas direcções definidas, dada a estreiteza mental de cada uma delas. Só assim pode ser feito o jogo da política partidária, no mau sentido que hoje tem. Mas isso, por sua vez, torna possível que os que manobram os cordéis fiquem em segurança por trás dos bastidores, sem possibilidade de serem tornados pessoalmente responsáveis. Actualmente, uma decisão, por mais nociva que seja para o povo, não pode ser atribuída, perante os olhos do público, a um patife único, ao passo que pode sempre ser transferida para os ombros de todo um grupo.
Na prática, por conseguinte, não existe responsabilidade - porque a responsabilidade só pode recair sobre uma individualidade única e não sobre as gaiolas de tagarelice que são as assembléias parlamentares.



Respostas para aqui

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17/10/04

Niguém há-de calar a voz da classe burguesa - II

3. Os calceteiros

O "ser" calceteiro é, como o "ser" fadista, uma idiossincrasia exclusivamente nacional. Simplesmente porque, ao que "se" consta, não existe calçada à portuguesa em mais parte alguma do mundo. Lucky bastards, esse tal resto do mundo; nem sabem a sorte que têm em não ter semelhante cacofónica porcaria nos seus chãos e passeios citadinos.

Entenda-se, porém, que o calceteiro vulgar pouco ou nada tem a ver com os "artistas" que fazem a calçada à portuguesa genuína. Não. Uma coisa é construir uns quadros no chão, com pedrinhas pretas e brancas, outra bem diferente é encher os passeios públicos com pedras de basalto mais ou menos cúbicas, brancas todas elas. Aliás, esta mania dos passeios calcetados não é tanto assim nacional, é mais uma coisa sulista, concretamente de Coimbra para baixo; no norte de Portugal, a tradição é calcetar as ruas e pavimentar os passeios com cimento; de onde se conclui que o número de calceteiros, mas estes especializados em paralelipípedo de granito, deve ser muito superior no norte. No Porto, em Guimarães, em Braga e em outras cidades com "centro histórico", é muito considerável o número de calhaus que, desde as respectivas Câmaras Municipais até à auto-estrada mais próxima, atapetam ruas e caminhos; considera-se ali que o alcatrão é uma coisa "descaracterizante" e, por conseguinte, vá de paralepipedar todos os centros de cada burgo, mais as imediações; acham eles que o "paralelo" é que é típico, tradicional e "histórico"; confere; como todos sabemos, já nos bons tempos do velho Afonso Henriques as ruas estavam cheias de paralelipípedo, para facilitar a circulação do parque automóvel de então, que ainda não se movia a gasolina mas já usava a cavalagem nas viaturas.

As estradas empedradas no norte e os passeios calcetados no sul constituem, por junto e por atacado, o potencial de serviço para as turbas de calceteiros - funcionários públicos, também eles, a maior parte das vezes. A tendência é, ao contrário de qualquer outra actividade profissional exclusivamente manual, que aumente o número destes mestres do calhau. Ele até há cursos, financiados pela União Europeia, que muito judiciosamente considera esta como uma profissão genuinamente portuguesa e, portanto, vá de financiar os tais cursos, em barda e às mãos-cheias.

Não custa muito imaginar o plano curricular de um destes maravilhosos e muito convenientes cursos para calceteiros. Deverá ter disciplinas com designações sonantes, como Teoria do Basalto I (branco) e Teoria do Basalto II (preto), Práticas de Martelada, História do Paralelipípedo, Introdução à Trigonometria do Cubo, Métodos e Técnicas de Bater. Devem ser coisas assim, com aulas teóricas para análise dos aspectos mais obscuros das rochas, e aulas práticas, onde os alunos se aplicam a partir pedra de todas as maneiras e feitios: dá-se uma martelada aqui, a coisa parte por ali, mas se for acolá já parte num ângulo mais esconso, etc. Reconheçamos o valor e o esforço de tão abnegados formandos e respectivos formadores - veteranos da marreta - na análise metódica de tão complexos materiais e técnicas como são, respectivamente, a rocha bruta e as diversas formas de a escaqueirar.

E assim temos um país inteiro atapetado de calhaus, estradas inteiras, quilómetro após quilómetro, além dos belíssimos passeios públicos e placas das nossas praças, tudo encalhauzado com mestria, pedrinha por pedrinha. Uma maravilha dos tempos modernos que, não existindo em mais parte alguma, se transformou já numa imagem de marca da portugalidade e num distintivo, altamente comentado "lá fora", dos nossos maravilhosos e pacientes engenho e arte. Claro que alcatroar uma rua, além de ficar por um vigésimo do preço e de poder ser feito num centésimo do tempo, está cada vez mais fora de cogitação. Os mestres da calçada custaram muito dinheiro a formar, cada canudo de calceteiro fica por um balúrdio, e, agora que eles são mais do que as mães, é necessário dar-lhes o que fazer. Se vamos a alcatroar a trouxe-mouxe, os pobres ficam sem trabalho. Coitados. Andaram ali a amouxar, anos a fio, aprendendo a "arte", há que lhes dar ao menos um entretém.

"Calceteiro da Câmara" é, além do mais, uma profissão de prestígio, até com laivos poéticos. São os mais pobres dos pobrezinhos, têm portanto o direito de prosseguir a sua carreira, de aprendiz a mestre, passando por calceteiro de 3ª, de 2ª e de 1ª. Pretender que se trata de mais uma actividade exclusivamente dedicada a sacar subsídios, ou alvitrar a sua absoluta e perfeita inutilidade, é uma clara manobra da reacção, um pecado inadmissível. Pois o que se faria então com aquela gente, que não conhece mais nada e não tem nenhum rudimento de instrução? Trata-se de direitos adquiridos, uma figura legal também exclusivamente portuguesa que serve para legalizar seja o que for; portanto, se os direitos já foram adquiridos, não há nada a fazer, o processo é irreversível, continuarão a ser formados mais e mais calceteiros que irão logo, enquanto estagiários e depois como titulares, encaixar pedrinhas umas nas outras, em planos mais ou menos horizontais, deixando buracos estratégicos para a empreitada de reparação seguinte, usando formas geométricas facilmente vislumbráveis, desde que se esteja a bordo de um avião.

Aliás, não esqueçamos também que esta coisa do empedrado faz girar, de forma não contabilizável, o motor da economia popular: quantos saltos partidos, quantas entorses, por essas calçadas fora, e quantas jantes e suspensões torcidas, quantas direcções empenadas, nos automóveis que circulam pelas nossas belas estradas de paralelo! Tudo isso é emprego e receita gerada por esta inestimável profissão. Se não fossem os calceteiros, e a sua alegadamente desleixada forma de calcetar, todas as consequências nefastas deixariam de o ser e não haveria, portanto, proventos para inúmeros outros profissionais. É uma verdadeira indústria, o calcetamento, quase um sector económico independente e com dinâmica própria. Muitos mecânicos iriam à falência, sem ela.


4. Os mecânicos

Por definição, "o" mecânico é um vigarista legalmente constituído, com direito a liberdades individuais e com prerrogativas das quais poucas outras profissões se podem gabar, como não ter que dar contas das suas finanças ou, de resto, não responder por coisíssima alguma. O mecânico difere do gatuno comum na medida em que dispõe de estabelecimento próprio, no interior do qual comete os seus assaltos; distingue-se também porque as suas vítimas, no fim do assalto, ainda lhe agradecem o favor, coisa que raramente sucede a um carteirista, por exemplo.

Aliás, a obviamente doentia relação entre o cliente e o seu mecânico mereceria um estudo sociológico mais aprofundado e detalhado, que não está no âmbito do presente "approach" - mais superficial e meramente caracterizador, por assim dizer. De facto, não é fácil entender como pode o cliente típico português demonstrar tal e tão despudorada sabujice em relação ao "seu" mecânico. Mesmo sabendo perfeitamente que o "seu" mecânico o rouba sistemática e alegremente, o cliente volta sempre e vai ao ponto de recomendar o "seu" mecânico a amigos e conhecidos, jurando que se trata de uma pessoa "honestíssima", excelente profissional e que até faz preços muito "em conta". A forma extremamente respeitosa como tratam o tipo do fato-macaco imundo é também algo digno de se ver: o quadro típico é o cliente entrar na oficina como quem pede desculpa; aguarda pacientemente que S. Excia. se digne devolver o cumprimento, coisa que geralmente faz com dois dedos da mão sebosa; o cliente explica então o que se passa com a viatura, arvorando a mais humilde expressão de que for capaz, porque não entende nada "daquelas coisas"; o profissional do gamanço diagnostica invariavelmente a avaria: "sóvendo".

A avaria "sóvendo" é uma coisa obviamente séria e implica sempre que o cliente deixe ficar logo a viatura que, depois o mecânico verá, dentro de um prazo razoável que é sempre o mesmo também: "logo que puder". Posto isto, e com grandes agradecimentos e mesuras, o infeliz proprietário do automóvel avariado com "sóvendo" retira-se - à pata ou de táxi, se tiver sorte, porque as oficinas são sempre no cu de Judas.

Depois disto, o que se passa durante o tempo em que o automóvel fica na oficina, e até que o mecânico se digne "pegar-lhe", é um dos maiores mistérios dos tempos modernos. Ninguém sabe. Pode ser uma semana, ou duas, ou mesmo três; depende; não da avaria em si, claro, mas das necessidades e das conveniências do mecânico: logo que surja mais um papalvo para "comer", assim que o homenzinho precisar do espaço para lá pôr outro carro, é certo e sabido que aquela avaria fica logo reparada como que por magia. Entretanto, muito provável e prudentemente, a primeira avaria "sóvendo" é resolvida em dez minutos (ou seja, 4 horas de trabalho na continha) e, de caminho, o motor é aliviado de algumas peças supérfluas, que farão muito jeito em próximas reparações, substituídas por outras de qualidade inferior e já no fim do prazo de validade. Qualquer mudança de contactores na bobina, por exemplo, dão direito a debitar uma bobina e, dependendo da cara do cliente, um jogo de pastilhas de travão ou o "jogo" de amortecedores traseiros. É tudo "novo" (eles dizem "teve de levar tudo novo") e quase tudo absolutamente inventado; por fim, o cliente é informado de que "se quiser factura, ainda tem o IVA". Claro que o cliente não quer pagar esse temível imposto e, portanto, dispensa factura, agradece, muito satisfeito pela "poupança" e profundamente grato ao mecânico, esse porreiraço que até lhe dá a escolher entre ser roubado uma vez ou ser roubado duas vezes.

Claro que deve haver maluquinhos que o façam, mas não é costume alguém, quando, por exemplo, paga um sistema de embraiagem ("novo", evidentemente), chegar a casa e desmontar o sistema todo - só para verificar se é novo ou não. Geralmente, não é. É o mesmo que sempre teve e a avaria nem sequer era no sistema de embraiagem; ou era, mas apenas foi substituída uma peça do sistema - não o sistema integral, que foi pago como sendo "todo novo".

A lista de golpadas dos mecânicos é tão comprida como a sua deles imaginação. Além de peças pura e simplesmente roubadas, principalmente nos automóveis novos, são vulgaríssimos os casos de substituição de outras pelos equivalentes de qualidade inferior e custo a condizer; têm formas de "dar um jeito" num componente qualquer, de forma a este só aguentar uns quilómetros até partir ou entupir de vez; existem truques partilhados pela classe, e trocados como se fossem cromos, entre risadas que evidenciam a esperteza de cada um deles, sempre que se lembram de mais um esquema para roubar o cliente, esse palerma. Os números dos "jogos" (debitam um "jogo", colocam uma das peças e guardam a outra) e dos "conjuntos" (reparam apenas um componente do "conjunto" antigo, debitando tudo como "novo) são apenas dois dos expedientes mais comuns.

E há a velha questão dos "orçamentos". A pergunta sacramental que estes génios do crime fazem sempre é se "é para si ou para a companhia". Referem-se à companhia de seguros, evidentemente, e a coisa funciona na base dos 100%, isto é, se for "para si" custa X, se for para "a companhia" custa o dobro... mais IVA; exactamente a mesma reparação, no mesmo tempo de trabalho, tem dois custos absolutamente díspares. E toda a gente acha isto normal, a começar pelos próprios clientes, e com a conivência das seguradoras; todos fingem que isto não é roubo puro e simples, porque todos pensam que ficam a ganhar: o cliente, porque paga metade, o mecânico porque ficará sempre a ganhar, em qualquer dos casos, e a companhia de seguros porque alguém há-de pagar, e em última análise será o próprio cliente, mais todos os outros; além de que os próprios "peritos" destas companhias também recebem as suas percentagens neste negócio - recebem o ordenado pelo exercício da sua profissão de "perito" e recebem dos mecânicos com os quais estabelecem acordos informais de "cooperação".

Mudar de mecânico sucessivamente, na esperança de vir a topar, ainda durante esta vida, com um mecânico honesto, é uma saga praticamente inútil. Qualquer mecânico é ainda pior, mais corrupto, vigarista e ladrão do que o anterior. É esta uma das mais evidentes actividades do crime organizado, em Portugal, com a cobertura das instituições, com a abstenção das entidades (in)competentes, com o silêncio dos mass-media e, principalmente, com o facilitismo, o laxismo e, em última análise, a conivência dos próprios clientes. Também eles, à sua maneira e nos respectivos ofícios, mecânicos em potência.

E, no fim de contas, o tal complexo de culpa do burguês típico em relação aos "pobrezinhos" é neste caso levado ao extremo. Pois se estamos perante uma pessoa de fato-macaco, todo sujo, de unhas adubadas pela imundície, uma pessoa que não sabe praticamente ler nem escrever, bem, eu seja ceguinho se isto não é a classe operária. Ora, a classe operária é imaculada por dentro, não rouba, não engana, não explora; são os capitalistas, os fascistas e os burgueses (nós) quem faz semelhantes patifarias. Pronto. Vá lá então. Toma lá a carteira, ó pobrezinho, coitadinho. Obrigadinho.



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16/10/04

Ninguém há-de calar a voz da classe burguesa - I

Na sequência do extremamente reaccionário "post" ali em baixo, esclarecendo e clarificando aquilo que não necessita nem de uma coisa nem de outra, iniciamos aqui um trabalho colectivo sobre as máfias portuguesas - profissões, ou "misteres", como se dizia antigamente, que se constituem em verdadeiros inimigos de classe, da nossa classe, que é a da propriamente dita e nenhuma em especial.

De facto, não são apenas os auxiliares e serventes hospitalares, mais os almeidas e ainda os contínuos quem detém o poder absoluto e pratica os seus crimes em total impunidade. Muitas outras classes, principalmente profissionais mas não só, estão organizadas de forma semelhante à das famílias mafiosas. Infelizmente, ainda não existe uma designação genérica para este fenómeno, em Portugal; não temos uma palavra facilitadora, para que se possa entender a profundidade e os meandros da actividade criminosa no nosso país, à semelhança do que acontece com a Camorra (criada em 1830), as Tríades chinesas, a Yakuza japonesa ou a Mafia (*) siciliana propriamente dita.

Não temos uma designação genérica, mas temos diversas famílias de carácter mafioso, com verdadeiros "padrinhos" e "caporegime" obscuros. Existe, por exemplo, uma perigosíssima "família" de chauffeurs (chóferes), ou seja, aqueles mentecaptos a que geralmente se chama "taxistas". Temos também os vendedores ambulantes, nas versões de cigano da feira de Carcavelos, que vende roupa roubada ou contrafeita, e de "homem da fruta", e quem diz fruta diz outra coisa qualquer, aqueles elementos do "bom povo que lavas no rio" para quem um quilograma pesa invariavelmente seiscentos gramas. Outra família exemplar, e que não poderia faltar em qualquer estudo sério, é a dos chamados "porteiros", na qual devemos considerar como quejandos os "seguranças" privados e outro pessoal que se encarrega de entradas e toma conta de portas. A um nível já bastante mais perigoso para a integridade física de cada qual, falaremos ainda do chamado "mecânico", essa cáfila de gatunos, analfabetos e trogloditas, verdadeiros paradigmas, ao fim e ao cabo, daquilo que é a exploração popular organizada.

Analisaremos cada um destes espécimes com algum detalhe (pormenor, para os puristas da língua), e ainda outros que forem surgindo pelo caminho, até porque, é sabido, Portugal é um país de ladrões, bandidos não faltam, etc., e tudo isto é como coçar, vai de começar.

Encetemos, pois, este inovador estudo.

1. Os auxiliares

Dividem-se em duas sub-categorias principais: os auxiliares de acção médica (vulgo serventes, ou também designados genericamente como "pessoal menor") e os auxiliares de acção educativa (aquilo que antigamente se designava por "contínuo"). Os primeiros actuam no sector da saúde e os segundos no da educação.

São, por conseguinte, uns e outros, funcionários públicos (FP), o que lhes garante à partida duas muito gratificantes coisas: emprego vitalício, sem possibilidade de despedimento, e reforma assegurada, esta na presunção de que o sistema não estará falido quando chegar a vez de cada um.

Aos auxiliares de ambos os sistemas, saúde e educação, nada é exigido, a não ser que piquem o ponto a tempo e horas ou que, se o não puderem fazer eles mesmos, que arranjem um colega que lhes faça isso. De resto, como é de uso para qualquer FP que não seja quadro, ao auxiliar compete fazer o mínimo indispensável: queixar-se continuamente das suas "condições de trabalho", ameaçar fazer ou fazer mesmo greve periodicamente, meter baixa sempre que possível e entreter-se, sentado no "posto de trabalho", com a planificação do ano civil seguinte - quantas "pontes" e quantas "tolerâncias de ponto", como transformar um "fim-de-semana prolongado" em 15 dias de balda, meter 22 dias "úteis" de férias de forma a ter dois meses, com uma "baixa por doença" aqui, um "artigo" ali, etc. São tarefas como esta aquilo que efectuam de mais complexo e intelectualmente estimulante, em toda a sua vida profissional.

No resto do tempo em que têm mesmo de estar no "posto de trabalho", e em sistemática e feroz competição inter-pares, qualquer auxiliar tenta produzir e mexer-se menos do que todos os outros; desta competição para ver quem é o mais incompetente, sorna e calaceiro, acabarão fatalmente por sair prémios como diuturnidades - umas quantas lecas por cada ano de sacrifício -, prestígio - quanto mais "esperto" mais admirado pelos "klegas" -, e, quem sabe, mais tarde ou mais cedo, lá virá sua promoçãozinha. Segundo o esplendoroso princípio de Peter, toda a gente é promovida até ao nível máximo de incompetência que for capaz de demonstrar; de facto, isso verifica-se perfeitamente em qualquer organização social, e de forma vertical, mas quanto mais se desce na escala social mais óbvia é a mecânica e mais camuflada ela é também.

Evidentemente, para que se possa analisar o que fazem estes auxiliares nas horas de serviço (o pouquíssimo tempo durante o qual permanecem no seu "posto"), aqui sim, já é necessário separarmos as águas.

O pessoal menor dos hospitais entretém-se a infernizar a vida dos doentes, consistindo a sua principal actividade em produzir ruído. Incapazes de parar de gritar, um minuto que seja, revezam-se na tarefa de manter toda a gente acordada, dia e noite; se bem que não seja raro falarem sozinhos, o mais das vezes socorrem-se de artefactos especializados para manter o nível de decibéis: por exemplo, carrinhos de mão desconjuntados para transportar arrastadeiras, fazendo chocalhar todo o conjunto pelos corredores fora, e batendo com tudo aquilo em todas as portas, eis uma das mais insuspeitas armas-secretas que inventaram. Durante 15 minutos por dia, entre as 07:00 e as 07:15 horas, correm as enfermarias aos gritos, para que os internados engulam, à força se preciso for, uma chávena de café marado com leite baptizado e um papo-seco besuntado com manteiga rançosa. E assim terminam as funções desta subespécie de auxiliar.

Já o pessoal menor das escolas passa o tempo fazendo bordados ou lendo revistas, consoante o sexo. Algumas das senhoras dão uma borrifadela, durante cerca de meia-hora por dia, no chão de uma ou duas salas de aulas; de vez em quando, muito raramente, levam um livro de ponto ou um papel qualquer a dar uma volta pelas instalações. Já os poucos homens deste escalão se ocupam, quando não estão em parte incerta, a contemplar as paredes, filosófica e conscienciosamente. No resto do seu tempo, estes lêem "A Bola" e aquelas folheiam a Holla, entre bocejos.


2. Os almeidas

São os chamados "homens do lixo", se bem que também nesta honrada profissão já existam mulheres. Porém, se esta democratização sexualmente igualitária se verificou também no milieu da "higiene pública urbana", não houve grande nivelamento vertical, ou seja, nesta especialidade de andar atrás do camião não se vê uma única mulher. É natural. Como disse Millor Fernandes, o feminismo acaba no pneu furado. Ora, realmente, igualdade sexista, sim, mas em tudo não; só naquilo que é conveniente.

Realmente, bom, vejamos, esta profissão é demasiadamente exigente para uma senhora; é necessário ter boas pernas, mas apenas para correr. E nisto reside a mais espantosa idiossincrasia do almeida. Quer dizer: correr? Um funcionário público a correr? Onde já se viu tal coisa?

Pois, mas é assim mesmo. Os nossos homens do lixo correm que se fartam. Mas não todos, entenda-se; apenas aqueles que fazem "serviço nocturno". Extraordinária conquista destes trabalhadores, o "trabalho nocturno". É só vantagens (para eles próprios, claro, e para mais ninguém): assim, ganham a triplicar... por um lado; por outro, como é lógico, durante aquelas nocturnas e supostamente calmas horas praticamente não existe trânsito; portanto, o percurso faz-se muito mais rapidamente. Foi uma ideia genial, dos sindicatos que zelam pelos interesses desta classe: não apenas ganham triplicando o valor das oito horas de jorna, como despacham o assunto em cinco ou seis. Não é encantador? A ver se entenderam. Repito: ganham a triplicar por ser trabalho nocturno; o seu horário diário é de oito horas, como toda a gente; mas têm de fazer um determinado trajecto, não de cumprir o horário; ora, não havendo trânsito, e mandando à frente batedores (corredores), que vão preparando os caixotes para a coisa ser ainda mais rápida, depois de despachado o trajecto já podem ir para vale de lençóis, com duas ou três horas de avanço.

É brilhante. Claro que, para conseguir sacar oito vezes três (24, não é?) em apenas cinco horas, vale tudo: os batedores desmontam do camião em andamento, como "cowboys" em rodeo, e vão por zonas, despejando os caixotes mais vazios para dentro de um ou, no máximo dois; portanto, quando o camião chega, só tem de abocanhar e despejar um ou dois, não cinco ou seis. A multiplicar pelo número de ruas, num bairro qualquer, resulta desta esperteza uma extraordinária rapidez. Só que isto é feito à custa de muito pontapé e de muito caixote atirado rua fora e contra as paredes das casas, muito grito de incitamento (bora, siga, vai, anda, caralho), tampas que voam, entulho vazando, bip-bip, tunc-tunc-tunc, mais o motor do mastodonte artilhado. Mas os nossos heróicos e inteligentíssimos almeidas não se ralam com essas coisas. Pois claro. Não são eles quem está a dormir.

Aliás, esse é mais um coelho que matam com a mesma cajadada. Como sabemos, as classes populares têm uma tremenda e ancestral raiva a tudo que mexe, e em especial aos "burgueses", fascistas e exploradores que estão dentro das casas que não são as deles; de resto, dentro desta lógica férrea, é muito bem feito que esses pulhas acordem com o barulho do lixo. A prova de que não passam de fascistas é que estão a dormir e eles, pobrezinhos "andam a trabalhar". Nisto consiste a lógica popular para a inimizade de classe: "eu cá ando a trabalhar", dizem; logo, como "andam a trabalhar", podem fazer tudo o que lhes der na real gana: entupir o trânsito ("eles que esperem, nós cá estamos a trabalhar"), acordar o bairro inteiro, rua por rua ("eles que se fodam, nós estamos a trabalhar"), bater com o camião nos veículos estacionados ("não fomos nós, nós estamos a trabalhar"), etc., etc., etc.

Esta é mais uma das novas espécies de intocáveis. Têm por si o complexo de culpa generalizado, moléstia que atinge, qual pandemia, todo o bicho careta que tenha tido o azar de não nascer proleta. A Lei está também do seu lado, isto é, como a Lei não funciona estão eles perfeitamente à vontade para atropelar - em sentido figurado e em sentido literal - quem lhes der na real gana.

Uma maravilha, ser almeida em Portugal. Em cinco horas de trabalho diário, ganha-se por 24 e pode-se fazer o que se entender, começando por chatear, acordar, estremunhar o cabrão do burguês explorador. Com uma pontinha de sorte e alguma persistência, pode ser que se consiga pespegar uma depressãozinha num desses sacanas.

O chamado Poder Local encolhe-se, a Polícia encolhe-se, como de resto se encolhem 99,99% dos portugueses, quanto a este como quanto a qualquer outro atentado ao sossego - ou a qualquer outra coisa que meta o povo ao barulho, coitadinho. No povo ninguém mexe, com o povo ninguém bule, ou tuge ou muge, porque o povo é sagrado. Não é por nada de especial. É só por isso, e acabou-se.


(*) - acrónimo de morte alla Francia Italia anelia
morte à França é o grito de Itália!


Continua: choferes de táxi, vendedores ambulantes, porteiros e seguranças, mecânicos, calceteiros

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14/10/04

nunca dizer

Vai-te embora.
Por amor de Deus, deserta
Deixa-me
Larga-me
Não te quero mais
Já não suporto esse sopro
no meu peito
Morder-te a nuca
Tratar-te com violência
A tua alma ao pé da minha
Pesada como chumbo
Esse teu corpo que nunca se cansa
Não quero mais
Chega
Ao menos por hoje.
Afasta de mim esse cálice
Tentador
Pecado
Fascinante
E quente.
Não sei o que fazer do teu desejo
Eu, que te não desejo mais,
Ao menos por agora.
Agora
Ao menos agora, só um bocadinho
Deixa-me dormir em paz
Afasta-te
Quero sonhar longe de ti
Sonhos onde tu não entras.
Chega-te para lá, sim?
Arreda.
Dá-me cobertor.
Pára um pouco.
Espera.
Dorme tu também.
Deves ter sono, não?
Respira fundo.
Mais não.
Não me obrigues a dizer isto
Não me forces
Não quero
Não.
Odeia-me se quiseres
Mas agora não.
Não, ouviste?
Não agora
Nem já.
Ao menos para já.

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13/10/04


Calou!


A comunicação social portuguesa descobriu, surpresa, que existe "ruído" nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) dos nossos hospitais. Vemos nos quatro canais generalistas e lemos, na imprensa ainda mais generalista, estudos sempre iguais sobre o assunto - escorados em depoimentos de "especialistas" arranjados à pressa, como sejam os próprios responsáveis hospitalares.

O que se nota perfeitamente e como de costume, nas reportagens e nos artigos, é o factor comum de extrema prudência imposto pelo regime de ditadura do proletariado em que desgraçadamente vivemos. Nenhum "especialista" se atreve a referir as causas e muito menos os culpados por esta situação de generalizado cagaçal. Toda a gente sabe, e quem já esteve numa UCI ou numa simples enfermaria não apenas sabe como não esquece, que o barulho em geral e o hospitalar em particular são produzidos por aquilo que se costuma designar como "pessoal menor": os e as "auxiliares de acção médica", os e as serventes.

Não são, por regra e por definição, nem os médicos nem o pessoal de enfermagem, pessoas de formação e educação, quem se entretem a fazer barulho para incomodar os doentes internados; muito menos serão estes mesmos, já que não é suposto a um operado apetecer muito falar, sapatear ou tocar batuque na mesinha de cabeceira. Mas esses tais do pessoal menor sim, não apenas produzem ruído de forma sistemática e persistente como nem tentam disfarçar que o fazem de propósito e com o único intuito de incomodar os outros; demonstram sem qualquer rebuço a sua arrogância, 24 horas por dia, e passeiam a sua estupidez pelos corredores, batendo as portas de abanico, em todos os andares e corredores de todos os hospitais nacionais. Falam sempre em altos berros, claro, nem conhecem outra forma de comunicação, gritam ao telemóvel, contam anedotas às 4 da madrugada, brincam às escondidas nos corredores, acordam todas as enfermarias às 7 em ponto com gritos de guerra, "ora toca a acordar, tá aqui o pequeno almoço" e outras coisinhas igualmente mimosas; enfim, são o diabo em pessoa para qualquer internado, antes ou depois de uma intervençao cirúrgica. Curiosamente, quando os médicos fazem "a ronda", aquele pessoal das barracas desaparece ou fica a um canto, muito caladinho.

O pessoal menor faz barulho nos hospitais, propositadamente, para incomodar os doentes, e isto é um facto. Propositadamente porque não fazem, como lhes competiria, o mínimo esforço para evitar isso mesmo; e não evitam porque atingiram um estatuto de total inimputabilidade e porque, principalmente e em última análise, se estão pura e simplesmente nas tintas para o seu semelhante.

Custa a crer que um ser humano possa incomodar outro, e por maioria de razões num hospital; ainda mais difícil é aceitar que alguém de perfeita saúde, no seu local de trabalho, moleste por qualquer forma as pessoas que ali estão por falta de alternativa, isto é, os doentes. Mas isto acontece nos hospitais portugueses, sim, todos os 365 dias do ano, e de forma sistemática, insidiosa, sádica. Com a protecção mafiosa dos respectivos sindicatos, apoiados nos "direitos dos trabalhadores" e no seu estatuto endeusado, estes funcionários públicos são - à semelhança dos contínuos nas escolas e dos almeidas no lixo, por exemplo - os verdadeiros pilares do trogloditismo, vigente e triunfante, que define e delimita o modus vivendi genuinamente português.

Por alguma subtil e ainda não estudada razão, qualquer tipo de pessoal menor sente o mais profundo ressaibo em relação aos "outros", aqueles que não são como eles, todos os que não são "menores" ou que, ao menos, parecem ser "ricos", ou "instruídos", ou ambas as coisas; se forem "instruídos" e pobres, muito mais pobres do que os "desfavorecidos", então é que a coisa fica séria. Tendo cobertura política, em sociedades politicamente correctas nas quais o prestígio é inversamente proporcional à colocação na escala social, este pessoal menor está livre para exercer a sua vingança pessoal e de classe - contra um inimigo difuso que reconhecem apenas por "eles"; estes eles, para as classes ditas populares, acabam por ser todos os outros, os que lhes não parecem ser ou não lhes cheira que sejam como eles mesmos, os da auto-designada seita do "Zé Povinho".

É curioso que nem a extrema-direita se atreva a tocar nestas vacas sagradas dos tempos modernos. As esquerdas adoram os "pobrezinhos" e quase se babam de gozo na contemplação da "cultura popular", nas variantes ranchada e arraial com música pimba; veneram os "costumes" da populaça ignara e fingem persistentemente admirar a "espontaneidade" e a "genuinidade" do modo de vida "simples" que será, naquelas mirabolantes cabecinhas, o do "povo em geral".

Já as direitas democráticas falam do "bom povo português" com veneração, ocupam-se na promoção da "lavoura" em vez da agricultura, chegam a chamar "popular" ao seu Partido democrata-cristão. Cómicos. O C.D.S., tradicionalmente assumido como o Partido representante das direitas democráticas nacionais, tem tanto de "popular" como os comunistas têm de espírito democrático. Estão perfeitamente uns para os outros, equilibram o jogo social em termos de hipocrisia, fingimento e mistificação. E também a estes não interessa ao menos reconhecer as fontes e as causas da poluição sonora humana, seja nas escolas, nas ruas ou nas enfermarias.

Odi profanum vulgus et arceo, eis o lema herdado de Horácio que, não explicando muita coisa, ajuda bastante a entender qual é a questão e de onde vem. E demonstra que não sou só eu quem odeia o povo e tudo aquilo que o povo representa: brutalidade, boçalidade, estupidez, ignorância. Passarão ainda muitas gerações até que, por força de muita instrução e de muitos capitais, se extinga esta perfeitamente dispensável espécie. Mas, até lá, se é que isso virá a acontecer um dia, nada obriga a que se tenha de tragar a maldade como valor social inquestionável.

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12/10/04

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11/10/04

Dioptrias para a GNR

- Massajador de metal para cabeça
- ciências tempo de hibernação urso
- Virus industrial no extremo oriente
- Pato + fantoche infantil
- Testículos de cães inchados
- Letra da música va a fanculo
- Dioptrias para GNR
- Merdum de cavalo
- Remédios naturais para a disfunção eréctil
- grossas gajas boas da internet
- Bosquímanes + língua
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Esta é realmente muito gira. O blog Não Perdes Pela Demora dá-se ao trabalho de ir anotando as "keywords", ou critérios de pesquisa, que servem de acesso ao endereço http://naoperdespelademora.blogspot.com/. E os resultados são surpreendentes, cómicos, hilariantes mesmo.

Depois, o(a/s) autor(a/s) do blog comentam algumas das chaves de pesquisa que, vá-se lá saber porquê, ou a Google ou qualquer outro motor de busca acharam que serviam naquela fechadura.

A propósito: alguém sabe onde se pode encontrar a partitura da célebre ópera de Puccini "Va fanculo"?

("merdum de cavalo", hihihihihi)

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De são e de louco...

DisorderRating
Paranoid:Moderate
Schizoid:Very High
Schizotypal:High
Antisocial:Low
Borderline:Moderate
Histrionic:High
Narcissistic:High
Avoidant:Moderate
Dependent:Moderate
Obsessive-Compulsive:High

-- Personality Disorder Test - Take It! --




Ora aqui está um testezinho CDS (como deve ser). Bingo. Na mouche.

Ou quase. Em "Antisocial" devia estar "high like hell". "Low"? Quem, eu? Nunca!

E também não gostei de ser "High" em "Histrionic". Ora abóbora. Atão e o meu Corsa de 91? E os meus ténis "Skechers" de 7 contos? E a minha mania de falar baixo, que ninguém ouve porra nenhuma? E só bebo cerveja preta, caramba, vão lá gozar com outro, mas é.

Já agora, essa de eu ser "Moderate", seja lá no que for, é boa patacoada. Qual caroço. Eu cá não uso disso em nada. Não queremos. Nã semos malucos mas temos uma bela de uma pancada na bola, essa é que é essa. Lá terá escapado alguma respostazinha mais malandra, fora do sítio...

Mas fiquei muito satisfeito, ainda assim, quando comparei os meus resultados com os de Marcelo Rebelo de Sousa:

DisorderRating
Paranoid:Low
Schizoid:Low
Schizotypal:Low
Antisocial:Low
Borderline:Low
Histrionic:Very High
Narcissistic:Very High
Avoidant:Low
Dependent:Very High
Obsessive-Compulsive:Very High

-- Personality Disorder Test - Take It! --



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10/10/04

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07/10/04

Quem tem medo de Virginia Wolf?


Porto, noite cerrada, algures numa espécie de teatro, entre ruínas paradigmáticas e jardins às três pancadas. Em palco, uma valquíria Muñoziana, absolutamente fora de prazo, pretensamente vaporosa no seu "soutien", XXL toda ela, 46 no mínimo, porém fazendo o papel de mulher fatal e, horror dos horrores naquela idade, apetitosa ou coisa que o valha; lembra vagamente Liz Taylor no mesmo papel, mas em versão revista e aumentada, e de sapatos pindéricos. O mestre da companhia faz de George e não vai nada mal, tem até momentos de bom teatro, isto é, não admira, é já veterano, esquece-se por vezes da escola declamada e daquilo que lhe disse o encenador; com isso consegue, por conseguinte, "fazer" a personagem, o que é tremendo elogio por si só.

E depois há Salomé. De nome próprio, não de personagem. S. Salomé, sendo o "S" qualquer coisa como Sara ou Sabrina, juro que se me varreu.

Espantosa, esta Salomé. Actriz, não tem que enganar. O palco é o seu elemento natural. Tem aquela indefinível e preciosa característica de arrastar consigo a luz de cena, toda a luz, parecendo sempre nunca ter feito outra coisa na vida senão representar. Conseguiu passar incólume por toda a "escola" portuguesa, a dos encenadores que produzem ideias geniais em série e dos técnicos de cabine de som de boteco recauchutados em sonoplastas e em visionários da lamparina. Esta Salomé representa uma "Honey" (a jovem esposa do jovem Nick, biólogo hesitante) com mais intensidade dramática do que todos os outros três, por atacado; Honey é uma peça dentro da peça, ou, como se costuma dizer, um espectáculo dentro do espectáculo, mas sem qualquer laivo de lugar-comum.

A sério. Vale a pena ir ver, só por causa dela. Que actriz espantosa! Já tinha dito? Uma raridade. Talvez por ter aquele que é aparentemente o mais secundário dos papeis, passa incólume à péssima tradução do texto original. Felizmente, não lhe cabem deixas como "eventualmente, morreu" (and eventually he died), ou "o que é que tu sabes" (what do you know) ou ainda a genial interjeição "Senhor?!" (Sir), em vez de "como?" ou "diga?!" Isto para citar apenas alguns exemplos, porque ao menos a ela, coitadinha, sem ofensa, não tocou nenhuma destas barbaridades. O gajo que fez esta "tradução" (deve ter sido automática, num qualquer dos serviços da web) devia ser condenado a prisão perpétua no recinto da festa do Avante, na Atalaia, tendo que gramar o Vitorino em altos berros, 24 horas por dia, na aparelhagem sonora daquele prestigiado arraial. Uma coisa assim, diabos o levem, ou que o despedissem de qualquer eventual tacho em que se encontre de momento.

Enfim, rapaziada que gosta de Teatro, ide lá ver a Salomé. A Virgínia não mete medo a ninguém, a horripilante tradução, como já disse, assusta um bocadinho, mas enfim, haja coragem. Ide. Vá lá. Os adereços não são maus. Tentem entender aquilo em Inglês americano. Mas não percam o nascimento de uma estrela verdadeira. Pela vossa saudinha. Ide.

Quem tem medo de Virginia Wolf? Boa pergunta. Salomé não, isso é certo.


actualização em 11.10.04, 14:05 h
Olha! Afinal está tudo aqui: http://www.rtp.pt/index.php?article=127598&visual=5
O "S" inicial é de Sandra. Sandra Salomé. SS. Soa bem e é politicamente incorrecto q.b.
O Teatro meio arruinado é o do Bulhoum-e.
O encenador é um tal João Paulo Costa.
Só até dia 24 (a peça, não o encenador, infelizmente).

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