Consultório sentimental V
(11) Não conceberás
Estando em preparação azafamada, nas complicadas e imensas cozinhas dos palácios de Belém e de S. Bento, a legislação que irá finalmente despenalizar o aborto, cumpre tecer algumas considerações a respeito. Não sobre a faceta mais escatológica e terminal, por assim dizer, não sobre o aborto propriamente dito, mas apenas - de acordo com o carácter modesto deste blog - a propósito dos seus diversos sucedâneos, ou seja, sobre as formas e métodos que estão ao alcance de qualquer, e que poderão com toda a limpeza impedir que se chegue a tal extremo.
De facto, existem diversas, variadas, e algumas até divertidas formas de evitar o envio de fetos, feitos em pedaços, para a incineradora. Actualmente, é todo um arsenal que está ao dispor de quem pretender evitar raspagens e aspirações, ou métodos mais anacrónicos de aborto, como a agulha de
tricot. Existem imensos métodos anticoncepcionais, em suma, e é sobre esses que incidirá, por conseguinte, a presente consulta. Desta vez, não respondemos directamente a nenhum dos inúmeros
e-mails recebidos, até por questões de recato e sigilo, mas pensamos responder assim a todos eles, de forma genérica, abrangente, e de certa forma igualmente cirúrgica.
Nos estranhos tempos que vão correndo, verifica-se que a chamada "sexualidade" deixou, na espécie humana, de ser um acto natural e corriqueiro; ao contrário de qualquer outra espécie animal (com a excepção, ao que se diz, dos golfinhos, que fodem que nem uns desalmados, e dos coelhos, que também), nos humanos a coisa transformou-se em algo semelhante a um "direito". É vulgaríssimo escutar pessoas, aparentemente em seu perfeito juízo, e até políticos e pessoas de idade, referindo-se ao acto sexual como algo que deverá ser obrigatoriamente "gratificante" e, para mais, "praticado" regularmente, a tantas vezes ao dia, à semana, ao mês e ao ano; presume-se e geralmente aceita-se que, abaixo dos números considerados como "normais", ou a gaja é frígida (caso raríssimo) ou o gajo é impotente ou, no mínimo, sofre de "disfunção eréctil"; nos casos de míngua libidinosa masculina, pode também acontecer que o gajo tenha entretanto dado em paneleiro, ou assim, mas sobre este particular a coisa complica-se em extremo. Enfim, abreviando, consiste esta teoria, vagamente terrorista, numa coisa absolutamente única no universo: qualquer pessoa sexualmente "insatisfeita" tem todo o direito a ser ressarcida, seja através da troca de parceiro, seja por via do "tratamento" compulsivo deste; daí o aumento vertiginoso da taxa de divórcios e idem aspas da venda de comprimidos para a falta de tesão. Fala-se, estuda-se e perora-se, acaloradamente como convém, sobre "performances" sexuais, sobre a importância do tamanho (comprimento e espessura) dos pénis, sobre as medidas de peito, cintura e ancas (ou tamanho das mamas, ou qualidade das coxas, por exemplo), e vai proliferando alarvemente uma indústria paralela que se dedica a inquéritos sobre os hábitos e as "preferências" (posições, orifícios favoritos) de homens e de mulheres; muito mais destas e sobre estas do que daqueles e sobre aqueles, evidentemente, o que não retira um átomo ao carácter alienado do assunto, se considerado de um ponto de vista meramente zoológico.
Nesta conformidade, portanto, e no pressuposto de que hoje em dia é socialmente obrigatório foder, e foder "bem" ainda mais obrigatório é, a humanidade vai-se entregando cada vez mais e mais profundamente, salvo seja, a tão interessante e refrescante actividade. Desaparecida a motivação genética, porque já não existe qualquer necessidade de propagação de uma espécie que se propagou em evidente demasia, resta o factor absolutamente lúdico do acto em si. Vivemos tempos em que as relações sexuais são um fim em si mesmo, é foder por foder, e de preferência até um gajo ficar tuberculoso ou acabar por lhe cair a gaita, e sempre sem a mais ínfima relação com a motivação biológica do acto: a concepção. Só que, pelos vistos, a Natureza (ou Alguém que a criou) esqueceu-se de um pequeno, irritante, lixado pormenor, a saber, desligar ou interromper as nossas funções biológicas, como a produção de óvulos, na mulher, e de espermatozóides, no homem. Aí é que a coisa correu mal. Assim, quando tudo nos empurra e todos nos atropelamos para foder o mais possível, surge essa não pequena maçada de um dos parceiros (até ver, a mulher) poder engravidar, e para mais com alto grau de probabilidade, tanto mais alto quanto mais teimar.
Assim, para suprir esta incompatibilidade entre o cariz biologicamente reprodutor e o impulso socialmente promotor do acto sexual, criou-se a necessidade imperativa de artificialmente subverter o processo; surgiram, portanto, os métodos anticoncepcionais. Principalmente a partir da segunda metade do século XX, explodiu uma nova indústria, a da contracepção, primeiro com o preservativo masculino e depois com a chamada "pílula"; o primeiro já existia desde a Antiguidade, feito principalmente de tripa de porco, mas foi com a produção industrial de uma nova substância, o látex, que se democratizou e globalizou a sua utilização; o aparecimento do contraceptivo oral, em finais da década de 50, completou o processo de separação do acto sexual da concepção. Sem grande necessidade de divagações filosóficas sobre a origem da galinha e do ovo, será perfeitamente pacífico admitir que a chamada "revolução sexual", com todo o cortejo de "direitos das mulheres" (e quejandos), foi algo que surgiu depois do aparecimento destas "ferramentas"; sem o preservativo e a "pílula", não apenas uma série de "direitos" teriam ficado no tinteiro como a ninguém ocorreria hoje que foder é uma obrigação e o orgasmo um direito.
Mas sendo assim mesmo, e não havendo nada a fazer, então o melhor será utilizar as ditas ferramentas contraceptivas com a máxima eficácia - no sentido de que não haja realmente gravidez "não desejada" e, por conseguinte, necessidade de abortar.
Sobre a "pílula", muito pouco há a dizer ou, melhor, já está tudo dito - e por pessoas com muito mais autoridade. O que nos interessa, aqui e agora, é escalpelizar o preservativo masculino; não com muita força no bisturi, é claro, não vá a coisa romper.
O grande problema do preservativo masculino é ser extremamente chato, maçador; ao contrário do que nos querem fazer crer, geralmente através de campanhas televisivas nas quais são sempre mulheres a dar a cara (pois claro), a chamada camisa-de-Vénus representa a negação do próprio acto. Toda a gente finge que aquilo é muito fácil de pôr e de tirar... mas não é: para colocar um preservativo como deve ser, é necessário - das duas uma - ou muita, mas mesmo muita experiência, ou tirar um curso sobre o assunto. Aquela merda, além de ser a coisa mais empata-fodas que existe, tem uma terrível tendência a enrolar de novo, de volta à posição original, antes não muito, esporadicamente durante, e frequentemente depois da ejaculação. Quantos de nós nunca insultaram aquilo, de "puta que pariu esta merda" para cima? Qual é o homem que aprecia, quando está engalfinhado, quando já não apetece nada parar, quando a vertigem se torna incontrolável, ter de parar, respirar fundo, contar até cem, e procurar febrilmente a porcaria da camisinha? Depois, ainda é necessário abrir a puta da embalagem, que parece feita de "kevlar", rasgá-la à dentada, tirar a dita cuja, desenrolar uns centímetros, tendo o cuidado de usar o lado com desenrolar mais fácil, encaixá-la na gaita, puxar para baixo com cuidado. Pronto. Finalmente, com sorte apenas dois ou três minutos depois de ter interrompido o coito, aí temos o instrumento preparado para uma fodinha estéril. Só que, entretanto, e dois ou três minutos é tempo mais do que suficiente para isso, já toda a excitação se escapou, evaporou-se. Ora foda-se, ocorre dizer. É preciso recomeçar tudo de novo.
Como escreveu Miguel Esteves Cardoso, o saudoso MEC, estas merdas deviam ser, como a roupa, algo de aspergível, ou seja, uma coisa que se pudesse pôr com um simples "spray": pchh e já está. Mas não. Aquilo é mesmo uma chatice, e das antigas. E para tirar é ainda mais chato do que para pôr. É preciso ter muito cuidado, ir lá com a mão, segurar a camisinha (pelo gargalo baixo) e, enquanto a gente se tira de riba da mulher, sempre nunca largando, retirar a gaita encamisada, sem largar o conjunto; por fim, recolher o "produto" por atacado, plac, e se calhar dar um nó na ponta, não vá o Diabo tecê-las.
Não há merda mais chata. O preservativo é a pior cagada que alguma vez se inventou. Puta que pariu o preservativo. Romance? Qual romance! Não há romance encamisado, caralho. Chega a ser uma coisa nojenta. Foder uma gaja com preservativo não é, como dizem os burgessos, o mesmo (ou sequer parecido) que chupar um rebuçado ainda embrulhado. É pior. Que se foda o rebuçado, mais a metáfora pindérica. Foder uma mulher com preservativo é uma chatice do caralho. Perde-se o mistério. Perde-se a excitação. Perde-se a tesão. É fodido.
Mas: é melhor. Nada a fazer. Seja pelas alminhas. Caralhosmafodam. Não podiam inventar um método igualmente eficaz mas um bocadinho menos nojento? Porque será que ninguém fala disto, ao menos, a ver se alguém inventava uma coisinha melhor?
Como método anticoncepcional, a camisinha não colhe, em sentidos figurado e literal; tanto é que, em muitas e documentadas ocasiões, aquilo ou se solta, ou rompe, ou já vem roto de fábrica. Este é outro dos muitos aspectos negativos que toda a gente cala, a respeito. Também nunca ouvi falar em tamanhos, ou que diferenças existem entre as diversas marcas de preservativos, mas aqueles e estas existem; alguns não servem, não cabem, ou ficam tão apertados que incomodam; outros contêm espermicidas ou outras substâncias que podem provocar reacções alérgicas, ardor ou prurido.
Como método de prevenção das DST, pelos mesmos motivos, também não é grande coisa. Basta um leve roçar de unhas para o látex rasgar, geralmente de forma invisível a olho nu, e é evidente que ambos os riscos permanecem - tanto o da gravidez como o da transmissão de doenças. Com a agravante de que o uso de preservativo implica uma sensação de segurança absolutamente falsa, como se vê. Quanto mais não seja por isto mesmo, colocar máquinas de venda automática de preservativos, nos estabelecimentos escolares portugueses, é uma evidente estupidez e uma quase criminosa, peregrina, perigosíssima ideia; o alvo politicamente correcto da Esquerda em geral é, de facto, os estabelecimentos de Ensino Básico e Secundário e não as Universidades, onde qualquer caloiro pode e deve andar sistematicamente "prevenido". Ora, para jovens dos 10 aos 18, ter à disposição aquela espécie de "self-service" preservacional, como qualquer vulgar máquina de refrigerantes, é um convite, é um valente empurrão para o facilitismo; é o mesmo que dizer-lhes: "ide e fodei à vontade, não há problema, estais bem protegidos". É mentira, claro, mas a juventude acredita piamente em tudo aquilo que os adultos dizem, desde que não seja sobre trabalho, estudo ou responsabilidade.
Tirando essa aberração esquerdista, para já ainda apenas na forma tentada, não há alternativa ao preservativo, de facto. É incomparavelmente melhor usar do que não usar, mas seria igualmente producente que o tema fosse mais discutido, publicitado, e mesmo vulgarizado e democratizado. A começar pelos preços: é ridículo que uma simples camisa-de-Vénus custe 1, ou 2, ou mesmo 3 Euros, dependendo da marca, do local de compra e do número de preservativos por embalagem; por exemplo, e com este pormenor pretendendo apenas esclarecer as camadas mais ingénuas da população, qualquer homem que requisite os serviços de uma profissional é obrigado a liquidar uma sobretaxa, correspondente ao "custo" do preservativo; ou seja, em concreto e em linguagem mais acessível, um gajo, quando "vai às putas", paga o serviço pretendido (ou serviços, entre um e três), conforme a especialidade e a qualidade da escolhida, e ainda é forçado a dar mais um quanto (desconheço a cotação actual) "p'rá camisinha". Também existe a variante "sem camisa" mas, por um serviço desses, as raras profissionais que o praticam fazem-se pagar principescamente. Porquê? Porque existem ainda pessoas que o fazem, sem qualquer espécie de "protecção", clientes e prostitutas?
Por tudo aquilo que antes ficou dito: porque essa "protecção" é em grande parte ilusória, como as prostitutas sabem perfeitamente; porque os "clientes" são homens e, por conseguinte, absolutamente parvos, no que ao sexo diz respeito, quando não em relação a tudo o mais; porque o "risco" é um poderoso acepipe erótico, e arriscar a vida é o supra-sumo dos perigos, o mais excitante ; e porque, finalmente, o preservativo é uma chatice do caralho, em sentido lato, e cada qual julga que é apenas ele quem pensa isso.
Soluções milagrosas, não há. Num dos filmes de Woody Allen, há uma cena em que o autor e uma actriz envergam um preservativo integral, da cabeça aos pés, mas é bem possível que a coisa não seja lá muito prática. Talvez a conjugação de diversos factores e a tomada de várias medidas em simultâneo possa ajudar.
Em primeiro lugar, a higiene: muito
sabão macaco, muito duche, muito bidé (já vai sendo tempo de os portugueses se deixarem de paneleirices - o bidé não é uma coisa "só para mulheres"); depois, as senhoras devem usar muita carga de
Dystron (ou qualquer outra marca de desinfectante vaginal), e os cavalheiros devem habituar-se a bons (e caros) sabonetes líquidos com desinfectante e/ou espermicida.
Segundo, a precaução: ser dador de sangue tem uma série de benefícios, dos quais o mais importante é estarmos a par - ao menos de seis em seis meses - com a nossa condição de não portadores de qualquer DST; não quero saber que espécie de vigarices fazem as entidades com o meu sangue, se o vendem a peso de ouro ou se o traficam no mercado clandestino; estou-me nas tintas para a abolição de "taxas moderadoras" que a condição de dador me confere; mas, ao menos, sei que (além de poder ajudar a salvar uma vida, o que já não seria pouco) não vou transmitir a ninguém nem SIDA, nem Sífilis, nem nenhum dos tipos de hepatite.
Terceiro, o conhecimento: saber quais os riscos associados ao uso do preservativo implica saber utilizá-lo; conhecer os riscos associados às relações sexuais ocasionais implica saber evitá-los minimamente. É de extrema conveniência tentar pensar com a cabeça de cima e não com a de baixo; quando isso não puder de todo ser evitado, usar uma bateria de contraceptivos - cones vaginais, espermicidas, desinfectantes e... água, muita água.
Por fim, em quarto lugar mas de forma igualmente fundamental, usar a imaginação: existem muito mais maneiras de "praticar sexo" do que a simples penetração. Nestas coisas do sexo "seguro", vale muito mais a sensação de que falta qualquer coisa do que a possibilidade de algo poder vir a estar a mais. É que, na barriga das mulheres, ao contrário do que algumas alucinadas dizem, não são elas quem manda - é a Natureza, a mesma, omnisciente e omnipresente Mãe universal, que engendrou uma imensidão de castigos e maldições para quem a tenta enganar.
Por alguma razão, que se saiba, não existem doenças sexualmente transmissíveis em mais espécie alguma, além da nossa. Nenhum macaco, ou cavalo, ou porco, ou elefante, se arrisca a apanhar um "esquentamento". Tampouco a uma vaca, ou cabra, ou gata, ou baleia, ocorre a possibilidade de impedir e muito menos de interromper uma gravidez "não desejada". Os outros animais não sabem o que é o "planeamento familiar" e desconhecem o conceito de foda lúdica.
Nisso reside, aliás, o que de fundamental distingue o
homo eroticus de todas as outras formas de vida. Afinal, somos seis mil milhões, no universo, e estamos todos absolutamente sós. Cada qual entretido com o seu próprio umbigo. Ou, bem, um pouquinho mais abaixo.