Vox populi: a Lei malparida
Sinceramente, acho mal. O povo, essa massa constituída por seres-humanos absolutamente desprovidos de raciocínio - espécie de minhocas estranhamente bípedes, para a qual espécie a finalidade última da existência consiste em absorver nutrientes por um orifício e evacuar os desperdícios por outro - andará agora extremamente confusa, inquieta com mais esta extraordinária invenção dos políticos, essa outra subespécie de vertebrados que ociosamente se entretém a endrominar coisas complicadíssimas. Em suma, refiro-me à legislação recentemente aprovada pela Assembleia da República sob a mimosa designação de "Lei da Paridade", e às nefastas consequências que tal trapalhada virá a ter nas referidas cabecinhas elementares, e os efeitos devastadores que poderá acarretar para o cerebelo rudimentar e diminuto - do tamanho de uma cereja, para ser exacto - que se lhes situa entre as orelhas e o escalpe.Sinceramente, repito, acho mal. O povo fica, em sentido literal, todo fodido quando "se" depara com novidades e incompreensibilidades quejandas. O que o leva, ao povo, a exercícios de terríveis e imprevisíveis consequências, como sempre acontece - e como é lógico - quando se pede, por exemplo, a um cefalópode desprovido de cabeça que raciocine sobre determinado tema ou que resolva certo problema. Convenhamos, deve ser mesmo lixado, para o polvo, para a lula, como é para o povo, para a matula: o que caralho vem a ser essa tal coisa da paridade, assim prizemplos?
Tentemos, exercitemos, academicamente falando, por mais absurdo que tal possa parecer, as nossas capacidades de emulação do pensamento imbecil, do raciocínio totalmente acéfalo. Não será fácil, já pelo paradoxo, já pela intrínseca loucura do exercício. Ora, portanto, vejamos: o que "pensará" o povo sobre a tal Lei da Paridade? Como articulará a questão, como a encaixará (entre duas "imperiales", três peidos e dois arrotos), encostado - o povo, essa horrível figura de Bordalo Pinheiro, labrego atarracado, barbudo, porco, troglodita - ao balcão seboso de qualquer tasca, o seu habitat natural? Como discutirão entre si os elementos da espécie tão ingente, patente, urgente, inteligente, de repente questão?
O diálogo que se segue, escutado por mim mesmo, em carne e osso, ontem, na Leitaria das Trinas, à Rua das Trinas, em Lisboa, por coincidência, e cuja leitura se desaconselha a menores de quarenta anos e a pessoas normais em geral, poderá lançar alguma luz sobre o assunto.
_ Pá, caralho, essa merda da lei da paridade (óquiéí) é uma ganda paneleirice lá deles, dos políticos, esses chulos d'um filhadaputa. Cá pra mim é pra ver s'arranju maizuns tachos, ó caralho, filhosdaputa.
_ Pá, caralho, mas isso éoquêí, essa puta de lei da paridadi ó o caralho mais velho?
_ Pá, caralho, tázavêri, a lêí da paridadi tem a vêri c'oas melheris: paridadi vem de parir, tázavêri? As gajas é que são capazes de pariri, e parece que há poucas gajas na p'lítica, ó caralho.
_ Pá, caralho, pariri? Ah, pois. Pariri, paridadi. Entendi. Nã sabia, nã senhora.
_ Pá, caralho, é assim: é a ver se há tantas gajas deputadas como gajos deputados, lá no parlamento, ó caralho.
_ Pá, caralho, pois, bem me parecia. Tá bem visto, tá sim senhora. Paridadi vem de parir, prontes. Atão mas e essa merda é só prás deputadas? Qué-se dezêri: agora não vou ter que levar c'oa essa merda lá em casa, vou? Foda-se! Caralho!
_ Pá, caralho, és mesmo burro. Mas qual lá em casa qual cacete! Foda-se! Ganda besta, ó caralho! Isto é uma merda lá dos políticos, ó caralho. É só ali em S. Bento, tázavêri? O resto que se foda. Fica tudo na mesma. Isto digo eu, cá na minha...
_ Pá, caralho. Que se foda lá essa merda, foda-se. Puta que pariu as mulheres, parideiras ó o caralho que as foda. Qué-se dezêri: atão agora uma gaja, lá porque é capaz de pariri tem drêto a um tacho de deputada? Olha que caralho! Gandas filhosduma puta. São todos iguais, esses cabrões. Chulos do caralho.
_ Pá, caralho. Podes crer. Mas prontes. Caga nisso. Ó sê manéli. É más duas aqui prá gênti, fáxabôri.
Nota: nas "leitarias" de Lisboa não se serve leite, por mais estranho que isso possa parecer. É mais bagaços, cerveja, vinho, "uísquezinhos", Favaios, "martines", etc. Também há jaquinzinhos fritos, muelinhas, pipis, pica-paus, dobradinha, caracóis, caracoletas, pataniscas e outros salgadinhos. Os diminutivos do cardápio raramente se coadunam com os preços, mas muito com a qualidade. São, contudo, locais de observação excelentes para o zoólogo mais interventivo ou mesmo inexperiente. E são também, por fim, reservas naturais onde nunca penetrarão coisas tão abstrusas como a tal da paridade (óquiéisso).