100 razões 100 razão alguma, 100 1 mínimo de coerência e 100 corar
É difícil fazer cartéis na blogosfera.
in Dossier Blogosfera, revista Psicologia Actual, Agosto 2006, pág. 46
É lá agora. Esse Dossier Blogosfera foi produzido por um dos cartéis mais conhecidos e mais antigos da tal blogosfera; isto é um facto; outra coisa será calcular o grau de dificuldade que interferiu na sua formação, coisa que apenas interessará aos próprios.
Sabe qualquer pessoa que escreva umas coisinhas num blog, conhece perfeitamente, quem são as pessoas que produzem "dossiers" e "estudos" deste género; topa-se-lhes nitidamente o linguajar comum, pretensamente técnico e forçosamente aportuguesado - blogosfera, blogue, blogar, bloguer, e assim por diante com todos os neologismos originalmente anglófonos conexos. Toda a gente conhece também os blogs que os elementos deste cartel produzem, bem como os seus rituais de comunicação, os seus hábitos de bajulação mútua, as suas atávicas retaliações a quem lhes não presta nem vassalagem nem para nada; alguns, assim mais para o desalinhado, conhecem por experiência própria as redes de informação e de informadores deste cartel, aquele arremedo de polícia de costumes virtual que "não permite" o anonimato, "não aceita" o desvio em relação à norma por eles estabelecida, abomina a independência e, em especial, o atrevimento de quem se está rigorosamente nas tintas para a querida "blogosfera" - essa coisa que autores e apaniguados doutamente apelidam de coutada, terreno de caça, feira franca de vaidades, panteão de mediocridades.
Se bem que, no caso daquele "dossier", e de resto como acontece amiúde, o cartel tenha convidado dois elementos (aparentemente) estranhos ao grupo, assim a modos que para abrilhantar a parada, a uniformidade, a conformidade e o monolitismo das "opiniões" expressas são de tal forma evidentes que bem podemos concluir - sem qualquer risco de falhar no juízo - que todos os textos do "dossier" poderiam ter sido escritos pela mesma pessoa: "visões" e "perspectivas" a papel químico, ou viródisco e tocómesmo em versão "postada", tratando o "fenómeno bloguístico" com pinças politicamente correctas e com o cuidado, muito cuidadinho, típico de quem protege os "seus" e, principalmente, o seu.
Para o leitor mais desatento, ou inexperiente, ou simplesmente estúpido, da leitura deste "dossier" resulta um pote cheio de nada e uma pipa atestada de coisa nenhuma, mesmo exceptuando os erros de Português (outro traço comum) e o chorrilho de lugares-comuns. Para alguém que, por mero acaso, tenha aterrado pela primeira vez nesta coisa dos blogs através da leitura de tal documento, o acervo de impressões resultantes não andará muito longe do seguinte binómio: primum, a "blogosfera" é um saco de gatos, com gatas assanhadas à mistura, e ainda uns quantos milhares de vespas assassinas; secundum, se, para criar um blog, é preciso ir ao Sapo, então criar um blog deve ser a maior trapalhada do mundo. De resto, esta paixão pelo Sapo, este amor virtualmente batráquio, é outro traço de identidade dos elementos do cartel; é que nem sequer disfarçam nadinha: quer-se um blog? É aqui, ó, no Sapo, pois claro; não há e nem se fala em mais nada.
Pessoalmente, no entanto, recolhi um ensinamento da leitura do "dossier" que, embora não exactamente inesperado, me deixou um bocadinho fodido: é que o meu blog não existe. Ora merda. Eu sabia, mas ainda muito pouca gente se tinha apercebido disso; vai-se a ver, os gajos descobrem-me a careca, e o bico, e as asas mirradas. Truz-truz, já está: o meu blog não é de adolescentes, nem babyblog (porque não terão traduzido esta?), nem (só) de opinião, nem diário pessoal, nem de engate, nem de "registo de um processo", nem (só) político, nem colectivo, nem temático (?), nem panegírico (??), nem humorístico, nem dos "que nos obrigam a pensar" (???), nem sequer "antecâmara da impressão" (quarenta pontos de interrogação). Pois é, ó que grande tristeza, se eles dizem, a páginas 61 e 62, que estes são os tipos de blogs que existem, e se o meu blog não encaixa em nenhum dos tipos, porra, porra, porra, está visto, então o meu blog não existe. Com essa bem me foderam, cambada de bufos.
Mas enfim, ele há ali pérolas ou, como dizia nosso Eça, há ali talento, muito talento. Assim de repente não me recordo com exactidão de nenhuma daquelas excreções, exceptuando a do incipit lá em cima, mas fiquei sinceramente convencido de que, procurando bem, espiolhando como deve de ser, há-de haver lá qualquer coisinha mais jeitosa. É tudo uma questão de paciência.
Cenas dos próximos capítulos: os cães anarquistas vão outra vez ser atirados às canelas do artista; o artista espeta-lhes umas pauladas no focinho; tunga, tunga, tunga, kaim, kaim, kaim; como irão eles fazer o curativo? Será que D. Xica vai recompensar o bóbi? Ou irá açular o mastim contra outra pessoa, para se vingar à séria?
Não perca. É já a seguir.